Os arcos de pedra no alto da Ladeira do Leme, que liga Botafogo a Copacabana, são resquícios de uma antiga fortificação militar, o Reduto do Leme. No fim do século XVIII, a vista de Copacabana dali era de tirar o fôlego. O visual selvagem da extensa praia de areia fina e branca marcou a memória do alferes Joaquim José da Silva Xavier, um dos militares que serviram no local entre 1775 e 1779, na primeira de suas muitas estadas na capital do vice-reino do Brasil. Nas andanças pela cidade, o jovem que entraria para a história como Tiradentes logo angariaria fama entre os cariocas com seus conhecimentos sobre plantas e ervas medicinais adquiridos com seu primo de primeiro grau, frei Veloso, autor do tratado pioneiro Florae Fluminensis. Não tardaria para o nome de Xavier chegar aos ouvidos da rainha dona Maria I. Ele surge em despacho da soberana a seus ministros que determinava que um projeto de transposição das águas do Rio Maracanã para o Campo de Santana, de autoria do futuro herói da Inconfidência Mineira, fosse encaminhado ao vice-rei Luis de Vasconcelos. Pouco conhecida, a relação do mártir da independência com o Rio é o fio condutor de Tiradentes Carioca (edição do autor, 124 págs., 35 reais), livro dos pesquisadores André Luis Mansur e Ronaldo Morais (in memoriam).
› Reduto do Leme: No forte (abaixo), Tiradentes (no topo) serviu entre 1775 e 1779 e ficou impressionado com o visual selvagem da Praia de Copacabana (também abaixo)
O ponto de partida para a pesquisa são os autos de devassa do movimento insurgente, vasta peça processual que, para além da questão jurídica, revela histórias de cariocas que hoje são ilustres desconhecidos mas que tiveram papel determinante no desenvolvimento do episódio. Filho de um empreiteiro, José Joaquim da Maia e Brito estudou em Coimbra e aproveitou a temporada na Europa para articular apoio internacional ao movimento, principalmente junto à jovem nação independente do Norte, os Estados Unidos da América. Depois de secreta troca de cartas, ele conseguiu agendar um encontro com o então embaixador americano na França e futuro presidente, Thomas Jefferson. As correspondências, que estão sob a guarda da Biblioteca Nacional do Congresso, em Washington, e podem ser consultadas pela internet, mostram que os americanos estariam dispostos a mandar navios de guerra em troca de metais preciosos. “Jefferson recebe José da Maia e Brito e outros brasileiros em Montpellier, em março de 1787, período que corresponde a uma licença de Tiradentes das atividades militares. Especula-se que ele pode ter participado dessa reunião”, pondera Mansur.
› Prisão Antes de sua execução, o mártir passou três anos detido entre a Ilha das Cobras (abaixo) e a Cadeia Velha (acima), prédio que deu lugar à atual Assembleia Legislativa
O autor defende a ideia de que o movimento liderado por Tiradentes tinha grande simpatia na capital do então vice-reino. Entre os fatos que confirmam tal hipótese estão os dois atentados sofridos pelo delator Joaquim Silvério dos Reis no período em que Tiradentes esteve encarcerado — foram três anos entre a prisão e a condenação. Durante esse tempo, ele e outros companheiros ficaram em celas na Ilha das Cobras, hoje abertas à visitação pública. De lá, ele foi transferido para a chamada Cadeia Velha — edifício que concentrava a burocracia administrativa da colônia e a prisão pública, demolido em 1922 — onde aguardaria a leitura da sentença. A título de curiosidade: o projeto de Tiradentes analisado pela rainha que assinou sua sentença de morte foi engavetado por pressão dos aguadeiros que faturavam alto transportando água potável de cercanias distantes para o centro da cidade.