Um galpão de madeira, com o verbo criar pincelado na parede, chama atenção no Projac, o complexo de produções da TV Globo, em Jacarepaguá. Dentro dele, além de um imenso tablado, acumulam-se pedaços de cenários e figurinos antigos que parecem pertencer a uma companhia de teatro mambembe. É nesse ambiente singular que são concebidos os trabalhos do diretor Luiz Fernando Carvalho, responsável pelas imagens exuberantes que marcaram a novela Velho Chico, encerrada em setembro. Entre todos os diretores da casa, ele é o único a ter um lugar especial para desenvolver o processo criativo dos atores. Ali, ele promove uma imersão, em que todos os escalados participam de exercícios de interpretação, trabalhos corporais e muitos ensaios.
Tomar parte nessas oficinas, que, em média, duram três meses, é uma questão sine qua non para quem pretende atuar nas produções de Carvalho, marcadas pelo impacto visual e pelo tom quase teatral das interpretações. E, no caso de Velho Chico, apesar de a audiência ter rateado em alguns momentos, a obra se manteve fiel à estética inovadora do primeiro ao último capítulo. “Acredito no processo artesanal mesmo dentro de uma estrutura industrial”, explica o diretor. “A TV é um meio ansioso e não me encaixo nisso. É claro que, em uma obra como uma novela, há conversas com a cúpula da emissora, mas não abro mão da qualidade”, diz. Carvalho costuma definir seu estilo pouco ortodoxo como colaborativo, em que “o mesmo sangue” tem que correr por toda a equipe. Foi justamente essa conexão que, em sua opinião, o ajudou a enfrentar um dos momentos mais difíceis de sua carreira: a morte do ator Domingos Montagner, nas águas do Rio São Francisco. “Gravei com ele um dia antes e, de repente, num estalar de dedos, ele desapareceu”, recorda. “Precisei segurar várias ondas para manter o elenco e a novela de pé.” Aos 56 anos, 35 deles na Globo, onde começou como assistente de direção, Carvalho agora se prepara para a estreia, em janeiro, de Dois Irmãos, minissérie baseada no romance de Milton Hatoum e que terá Cauã Reymond (veja mais na página 26), Juliana Paes e Antônio Fagundes como protagonistas.
Mesmo marcado por momentos duros, o ano de 2016 teve um significado especial para o diretor. Prestes a rodar A Paixão Segundo G.H., filme inspirado na obra de Clarice Lispector, ele comemorou trinta anos da sua primeira incursão cinematográfica, o curta‑metragem A Espera. Também cravaram-se os quinze anos de Lavoura Arcaica, seu longa de estreia. “Num país como o nosso, a missão do diretor, mais do que formar público, é formar cidadãos”, acredita ele, que é pai de três meninos, fruto de três relacionamentos. Gostem ou não do seu estilo, Carvalho criou uma linguagem única ao transitar com maestria pela televisão e pelo cinema.