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Maria Ribeiro: “Parece que não é esse o combinado do amor”

A atriz e escritora escreve sobre o crescimento dos filhos e a vontade de "seguir acompanhando os trajetos, meio escondida, meio cuidando, meio protegendo"

Por Maria do Amaral Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 abr 2022, 09h17 - Publicado em 14 abr 2022, 09h47
Atriz Maria Ribeiro em foto em preto e branco
Maria Ribeiro: "“Gostar de uma pessoa por toda a sua existência é a droga mais lisérgica que eu já experimentei” (Jorge Bispo/Reprodução)
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Ele foi indo como quem não quer nada. Sozinho pra escola, sozinho pro cinema, sozinho pra casa. Na última semana, diante da chuva persistente, avisei que ia buscá-lo de carro. Depois da experiência no ensino remoto, algumas escolas particulares mantiveram o uso do computador no presencial, olha o abismo do privilégio aí. “Vai molhar o laptop, filho.” Era a minha chance.

Eu já vinha me emocionando com o retorno da PUC. Depois de dois anos atravessando um câmpus deserto, ver a Gávea voltando a ser a Gávea me trouxe de novo a universitária que eu fui, a mãe que eu sou, a mulher entre as duas. Quando ali entrei para o curso de comunicação, nos idos do outro século, mais precisamente no ano de 1993, já alternava as aulas de técnica de redação com o trabalho no teatro e nas novelas, mas, principalmente, já fazia planos de maternidade.

Eu sempre quis ser atriz, eu sempre quis ser jornalista, eu sempre quis ser mãe. E achava que quatro seria um bom número pra uma prole ostentação, talvez por vir dessa mesma configuração. Dessa mesa grande. Com a diferença de que a minha foto da estante seria mais moderna (aqui tem muitas aspas e alguns risos). “Dois filhos de cada pai”, eu pensava e dizia. “Que eu sou artista.”

Ai, ai.

“Gostar de uma pessoa por toda a sua existência, do instante em que ela nasce até aquele em que ela finge que não te conhece, é a droga mais lisérgica que eu já experimentei”

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Duas décadas depois, aqui estou. No bairro em que nasci e me formei comunicadora, digamos assim. Nas ruas da minha infância e agora da maturidade. No camarote mais importante da Avenida, aquele em que se vê desfilar uma adolescência de 12 e uma de 19. O espetáculo maior.

Meus meninos — obrigada, Lygia Fagundes Telles — sim, vão ser meus meninos mesmo quando deixarem de ser, não quero nem saber. Meus meninos são Carnaval e Páscoa juntos, isso sem falar na Copa do Mundo, que parece que agora é em novembro. Como na música do Chico — sim, esse é o parágrafo das citações — também me pergunto pra onde é que eles vão.

Por enquanto, ainda sei. Pra UFRJ, o mais velho. Pra Escola Parque, o mais novo. Pro Instituto Moreira Salles ver alguma coisa bonita. Pra loja de vinil da Praça Santos Dumont, checar se chegou algum disco dos Beatles. Pro samba do Pedro Miranda, ouvir o país que guardo na vitrola. Pro Guimas do Chico e da Tim Tim. Pra Amazônia, se ainda houver Amazônia. Pra um Brasil democrático, se ainda houver Brasil democrático. Pra longe de mim (mas não muito), se tudo der certo.

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Gostar de uma pessoa por toda a sua existência, do instante em que ela nasce até aquele em que ela finge que não te conhece no prédio, é a droga mais lisérgica que eu já experimentei. Não vivi isso com pai e mãe, não vivi isso com amigos, não vivi com parceiros. Quase tudo, de fato, costuma ter começo, meio e fim. Pra mim, pelo menos, sempre teve. E tudo bem.

Mas, com eles, não. Com eles é tipo uma floresta que não para de ficar cada vez mais verde, um mundo que não exclui imigrantes, um elevador onde a gente segura a porta para o outro mesmo com pressa. E agora que não posso mais dizer a palavra “crianças”, já que até o caçula mudou de capítulo na história, o exercício do laço ficou ainda mais evidente.

No dia da chuva em que fui buscar o pequeno — desculpa, filho, ainda tenho um ano pra me referir a você, assim, o.k.? — acabei voltando sozinha. De uma hora pra outra, o céu ficou claro, e ele preferiu caminhar.

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No banco do motorista do carro, vendo o Bento gostar da rua e da independência, achei a vida boa, e me desejei coragem. Sou medrosa pra montanha-russa e pra viagens de ácido, mas a valentia pra ver o tempo em carne e osso, ah, essa, eu tive.

No fundo, é claro que eu preferiria poder estar sempre assim, em uma retaguarda constante. “Vai lá, filho, pode ir”, e seguir acompanhando os trajetos, meio escondida, meio cuidando, meio protegendo.

Mas parece que não é esse o combinado do amor.

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