Beber água mineral em casa, o novo hábito de dez entre dez cariocas, não é novidade para o biólogo Mario Moscatelli. Ele abdicou do líquido que sai das torneiras há doze anos, e pela mesma razão que agora faz zerar o estoque de garrafas nos supermercados: a poluição nos afluentes do Rio Guandu. “Prefiro investir em água mineral a ter de comprar remédio”, justifica. Moscatelli alerta para o problema desde 1999, quando começou a estudar o assunto. Alimentou um fio de esperança durante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada do Rio, dois anos depois — os projetos previam grandes investimentos em tratamento de esgoto e limpeza de vias aquáticas. Mas nada foi cumprido e, ao contrário, a situação piorou. De acordo com o último levantamento do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), doze dos 26 pontos de análise de qualidade da água na Bacia do Guandu entram nas classificações “ruim” e “muito ruim”. “Agora que a água está com gosto e cheiro diferentes, as pessoas se preocupam. Mas, quando isso passar, elas vão esquecer”, lamenta o biólogo.
A Cedae capta a água que abastece a região metropolitana no Rio Guandu na altura de Nova Iguaçu (veja o mapa), onde os principais afluentes — os rios dos Poços, Queimados e Ipiranga — despejam todo o esgoto dos municípios de Japeri, Queimados e Seropédica, como revela o monitoramento do Inea. A qualidade da água no Rio dos Poços foi considerada “ruim” em 80% das medições feitas em 2019, uma situação dramática, mas ainda melhor que a do Rio Queimados, que teve doze das dezenove análises no ano passado com resultado “muito ruim”. O Ipiranga nem sequer é monitorado desde 2016, quando a água variava de “ruim” a “muito ruim”. Fotos recentes feitas por Moscatelli mostram a cor marrom de seu curso. “A falta de coleta e tratamento de esgoto na região acelera a produção de cianobactérias e algas. Elas, por sua vez, liberam substâncias como a geosmina, que dá cheiro e gosto de terra à água”, explica a engenheira ambiental Daiana Gelelete.
A Cedae, inabalável, garante ter tudo sob controle. Segundo a empresa, o líquido fornecido não representa “nenhum risco à saúde dos consumidores” e há uma licitação em curso para a contratação de obras antipoluição nos afluentes do Guandu. Moscatelli defende a decretação na região de uma área de conservação ambiental fiscalizada por militares, além, é claro, dos sempre prometidos e nunca concretizados investimentos em saneamento básico. Uma receita parecida deu certo em Portugal, onde os golfinhos voltaram ao Tejo, rio que hoje fornece 400 000 litros de água por dia aos lisboetas. “Se a água que bebemos tiver fármacos, hormônios e toxinas, enfrentaremos um sério problema de saúde pública em algum momento”, afirma Moscatelli. Caso isso aconteça, não será por falta de aviso.