Marlene Mattos aposta na TV a cabo para voltar a ter sucesso
A ex-empresária de Xuxa foi uma uma das mulheres mais poderosas da TV e agora é diretora da E+TV e lança programas com Nicole Bahls, Zilu Godoi e Monique Evans
Um prédio simples e de fachada verde, localizado na Avenida dos Bandeirantes, em Jacarepaguá, transformou-se em cenário de uma atividade efervescente nos últimos meses. Ali, Marlene Mattos, uma das mulheres mais poderosas da TV brasileira entre os anos 1980 e 1990, planeja, aos 64 anos, sua volta à ribalta depois de mais de uma década de fracassos. Instalada desde março em uma sala de 4 metros quadrados, sem computador nem telefone, ela atua como diretora artística do nanico E+TV, canal pago inaugurado há um ano. Com uma programação recheada de videoclipes, a emissora engatinha na produção de conteúdo próprio. No único estúdio, onde móveis da rede de lojas Etna convivem com cadeiras importadas idênticas às do programa da apresentadora americana Oprah Winfrey, Marlene comanda as principais atrações da casa. A primeira, um talk-show batizado de Assim Somos, é estrelada por Zilu Godoi, ex-mulher do sertanejo Zezé Di Camargo. A segunda, voltada para boa forma e dicas de beleza, é apresentada pela ex-panicat Nicole Bahls. Em produção, há ainda uma terceira aposta, sobre sexo, protagonizada pela ex-modelo e ex-rainha de bateria Monique Evans. Com essa improvável trinca, Marlene acredita que alcançará novamente o sucesso. “Eu sempre digo que no fundo do poço tem uma cama elástica.”
À primeira vista, a estrutura amadora, o dinheiro curto e um certo ar de improvisação na produção dos programas indicam que as chances de eles vingarem em meio à avalanche de atrações da TV paga são remotas. Até agora, os projetos obtiveram investimentos de 200 000 reais e, segundo pessoas próximas, tanto Marlene quanto as protagonistas não estão recebendo salário, à espera de contratos publicitários. No entanto, a combinação da personalidade marcante da diretora com a curiosidade despertada por suas apresentadoras já tem rendido falatório em revistas, sites de celebridades e nas redes sociais. Protagonista de um tumultuado processo de separação conjugal há três anos, Zilu voltou a ser assunto, depois de uma polêmica entrevista à revista Contigo!. Ao discorrer sobre sua nova vida no Rio, a apresentadora contou que vive em um flat, mas já havia morado na casa de Marlene, onde continua a dormir em algumas ocasiões. Disse ainda que a empresária é responsável por suas marmitas e que ambas compartilham diversos gostos e afinidades, como, por exemplo, jogar buraco. Questionada sobre se estaria tendo um caso amoroso com a empresária, Zilu disparou: “É um namoro de amizade, de mãe, de irmã, de grande amiga. Só não rola sexo”. A declaração bombou na internet e, nos dias seguintes, o nome de ambas despontou entre os trending topics da rede. Em vez de ficar incomodada com as insinuações a respeito de suas preferências sexuais, Marlene preferiu encarar o episódio com bom humor. “Achei graça nessa história toda”, diz a diretora. “O que importa é que, mesmo com uma grade de programas tão pequena, a gente é notícia.”
A trajetória de Marlene pode ser comparada a uma montanha-russa em que o ápice absoluto se deu no período em que comandava a carreira de Xuxa. As duas se conheceram na extinta TV Manchete. Foram apresentadas uma à outra em 1983 pelo diretor Maurício Sherman. “Aos 20 anos, Xuxa era uma força da natureza, e por isso pedi a Marlene, minha assistente de direção na época, para cuidar dela.” A parceria funcionou, e por dois anos elas fizeram o Clube da Criança. Logo chamaram a atenção da concorrência. A apresentadora foi convidada a ir para as manhãs da TV Globo e fez questão de levar a companheira de programa. Em 1986, estrearam o Xou da Xuxa, que ficou no ar até 1992. A fórmula era simples: um programa de auditório que oferecia ao público brincadeiras e desenhos animados, com abertura e encerramento apoteóticos, com a apresentadora chegando e partindo em uma nave espacial. O sucesso foi estrondoso e em menos de cinco anos rendeu negócios que empregavam 250 pessoas e faturavam 20 milhões de dólares por ano. “Marlene é uma empreendedora nata e se adequava ao rígido padrão exigido pela Globo. Considero-a uma ótima profissional, sempre muito objetiva”, avalia José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-vice-presidente de operações da TV Globo.
Centralizadora e extremamente rigorosa, a escudeira de Xuxa logo ganhou fama de implacável. Com apenas 1,55 metro, disparava broncas homéricas que ainda hoje reverberam no meio artístico. À custa de palavrões e frases de impacto intercaladas por olhares fulminantes, ela se impôs em um ambiente onde raramente se viam mulheres no comando de equipes. Foi nessas circunstâncias que firmou a imagem de intransigente que mantém até hoje. Usando sempre camisas largas, jeans e tênis, nunca foi vista em público de vestido ou salto alto. Também se firmou como uma workaholic, trabalhando por longas jornadas e dormindo não mais que duas horas por noite. A recompensa por todo esse esforço, segundo ela, estava na devoção que os fãs nutriam por Xuxa. “O desespero daquelas crianças e adolescentes era uma coisa incomparável, digna dos Beatles. Na Argentina, era cortejo de 1 000 carros que a seguiam, no Chile as pessoas saíam com bandeirinhas. E eu só pensava: ‘Eu criei isso!’”, recorda em seu escritório de Jacarepaguá.
Nascida em São Luís (MA), criada numa casa de pau a pique, com palha no telhado e esteira na porta, na cidade de São José do Ribamar, no litoral maranhense, Marlene chegou a amealhar um patrimônio que na época foi estimado em cerca de 4 milhões de dólares. Solteira e sem filhos, totalmente dedicada ao trabalho, ajudava financeiramente os pais e os quatro irmãos, alguns deles empregados na equipe que comandava. Além de administrar a carreira de Xuxa, Marlene tratava de aspectos da vida particular da apresentadora, como o dia a dia da casa, as viagens e seu patrimônio pessoal. Esse estilo de relacionamento sofreu uma reviravolta quando a parceria com a ex-Rainha dos Baixinhos foi desfeita, em 2002. Oficialmente, o motivo para o rompimento foram as discordâncias entre ambas quanto aos rumos da carreira da artista. Além da justificativa oficial, comentava-se nos bastidores da Globo que Xuxa estava incomodada com o controle desmedido de Marlene e que eram comuns as brigas entre as duas. Ainda teria pesado a má fase profissional da apresentadora, que não conseguia emplacar seu dominical Planeta Xuxa, voltado para jovens e adultos. Com o rompimento, elas deram um ponto-final também na amizade, que em alguns aspectos tinha contorno de uma relação familiar. Marlene, por exemplo, é madrinha de Sasha, filha única da apresentadora. Depois da briga, ela nunca mais viu a afilhada, hoje com 16 anos. “Não tenho motivo para deixar de gostar da Xuxa, e nunca vão me ver falando mal dela. As pessoas não estão preparadas para verdades absolutas”, limita-se a dizer sobre todo o episódio.
Desfeita a dupla, Marlene perdeu força dentro da Globo. Ela permaneceu na emissora por mais dois anos como diretora de núcleo, responsável por atrações como o dominical Jovens Tardes, com Wanessa Camargo — ocasião em que conheceu Zilu, mãe da cantora —, e o Mais Você, de Ana Maria Braga. Com a carreira estagnada, aceitou o convite para se mudar para São Paulo e ser diretora artística da Band. Astrid Fontenelle, que tinha o programa Melhor da Tarde sob o seu comando, preparou-se para receber a nova chefe. “Descobri que o orixá dela era Omulu, muito temido no candomblé, e fui ver do que ele gostava. Entrei na sala e dei um banho de pipoca nela. Começamos a rir, e a parceria deu certo”, conta. O mesmo não se repetiu com outros apresentadores, como José Luiz Datena, que não aceitava as ingerências da mandachuva em seu programa. Marlene ficou apenas dez meses na capital paulista, onde alternava o trabalho nos estúdios no Morumbi com animadas sessões de jogatina em sua casa, cercada de cantores sertanejos, pagodeiros e seus empregados. “Sempre tinha muita gente e comida farta. Ficava impressionada com os tipos que apareciam ali”, recorda Astrid, frequentadora assídua dessas reuniões.
A fase mais difícil da carreira da ex-todo-poderosa aconteceu a partir de seu retorno à capital fluminense, em 2007. O programa que criou para a ex-governadora Rosinha Matheus na Band Rio foi um fracasso e sobreviveu apenas um ano. O mesmo destino teve uma atração conduzida pelo cantor Netinho de Paula no SBT, em que cravou novo insucesso. Sem espaço na TV, tornou-se responsável pelo marketing de um pequeno shopping na Barra da Tijuca e pela administração do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, que sedia a Feira de São Cristóvão. Aos poucos começou a se desfazer do patrimônio acumulado, como o apartamento em que morava na Barra e duas propriedades rurais em Sepetiba. Passou a pedir empréstimos a amigos do meio artístico, a exemplo do apresentador Raul Gil, que conheceu durante um show organizado por ela em 2000. O veterano da TV lhe emprestou 40 000 reais, em 2010. “Isso é uma mixaria, eu amo Marlene”, afirma ele. A empresária diz que pretende cumprir sua palavra: “Assim que puder, pago”.
No comando da E+TV, Marlene voltou a se entusiasmar com os novos desafios. Sua conta no Instagram, por exemplo, reflete essa animação. Com 17 000 seguidores, era dedicada a postagens esporádicas. Nas últimas semanas, entretanto, tornaram-se cada vez mais frequentes as fotos com a equipe e dos bastidores dos programas. Uma, hilária, mostra Zilu em um estacionamento atrás de um carrinho cheio de compras com a seguinte legenda: “Ela estuda, faz dança e ainda vai ao supermercado no fim do dia”. Sua rotina retornou aos padrões acelerados dos tempos do Xou da Xuxa — ela tem dormido apenas três horas por dia. Da mesma forma, a mão de ferro continua pesada. Nicole Bahls, a ex-assistente de palco do Pânico convertida em apresentadora, foi intimada a perder 8 quilos — 3 deles já pulverizados em uma dieta rigorosíssima. “Marlene tem sido muito compreensiva comigo e está me ajudando com o licenciamento de oito produtos”, afirma Nicole. Pelo visto, a chefona está de volta, mandona como sempre.