Mentores para toda a vida
Quem são as pessoas que serviram de modelo e inspiração para 35 personalidades do Rio
Em um trecho do poema épico grego Odisseia, de Homero, o herói Ulisses, rei de Ítaca, se vê diante de um dilema. Precisa passar uma longa temporada fora de seus domínios, mas teme deixar o filho Telêmaco, um rapaz inexperiente, sozinho em meio às intrigas e traições da corte. Como solução, designa um sábio para orientar, aconselhar e instruir o jovem durante sua ausência. Trata-se de Mentor, personagem cujo nome chegou aos nossos dias como sinônimo de uma categoria especial de pessoa que serve de espelho e de guia às demais. Sendo o período de festas de fim de ano um momento de reflexão, nada melhor que nos lembrarmos de quem foi importante para nossa formação e, com conselhos, paciência e sabedoria, nos ajudou a nos tornarmos pessoas melhores. Para auxiliar nesse exercício de autoconhecimento — e também de homenagem —, VEJA RIO ouviu 35 cariocas de nascimento ou de adoção a respeito de seus mentores. O resultado está nas próximas páginas. Boa leitura e feliz Natal.
› Fernanda Torres (atriz e escritora) Cada momento que Nanda passa ao lado de sua mãe, Fernanda Montenegro, tem um significado especial para ela. “Para mim, ela é uma guia inestimável. Por ser minha mãe, por ser estoica, por ter uma fé inabalável na vida”, explica. Cronista de VEJA RIO, mira-se ainda nos escritores João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) — “por seu humor, pela severidade, cultura e independência” — e Millôr Fernandes (1923-2012) — “por sua alma indomável, inquieta, sempre na contracorrente de tudo o que se considera razoável”.
› Romário (jogador de futebol e político) A vida do senador mais votado da história do Rio mudou radicalmente há nove anos. Essa é a idade de Ivy Faria, sua filha caçula, que nasceu com síndrome de Down. Na ocasião, Romário já estava no fim da carreira no futebol e buscava novos caminhos. Todos, até então, ligados ao esporte. “Por mais que eu me esforçasse para proporcionar uma boa vida a ela, sentia que a sociedade não estava preparada para conviver com as diferenças; então decidi seguir pela política”, revela. “A chegada da Ivy foi a pedra de fundação de um novo Romário”, afirma o craque de 48 anos.
› Vera Fischer (atriz) Por dezesseis anos, Vera foi casada com o ator e diretor Perry Salles (1939-2009), pai de sua primeira filha, Rafaela. Parceiro em filmes e novelas, o casal desenvolveu uma sólida relação, que se manteve até mesmo após a separação, no fim dos anos 80. “Perry foi a pessoa mais importante para mim, é a ele que tenho como mentor por ser aquele que mais me influenciou. Ele me ensinou tudo sobre a arte e sobre a vida. Posso chamá-lo de herói”, diz ela.
› Tande (ex-jogador de vôlei)Medalhista olímpico, Tande tinha 22 anos, havia acabado de ganhar o ouro em Barcelona e andava com o ego inflado quando ouviu uma frase contundente de sua mãe, Mayse Samuel, falecida em 2002: “Não o criei para que você achasse que é melhor que os outros”. Com a bronca, aprendeu uma lição para a vida toda. “Percebi que não adiantava ser campeãono esporte se não fosse gentil e humilde.”
› Claude Troisgros (chef de cozinha) Filho do chef Pierre Troisgros, Claude costuma se referir a Paul Bocuse, um dos mitos da cozinha francesa, como seu segundo pai. “Com ele aprendi não apenas a cozinhar, mas principalmente a ser humilde, simples, a respeitar a vida, os produtos, os clientes e os amigos”, elogia.
› José Eduardo Mendes (empresário) Próximo a um grande empreendedor, sempre há um grande sócio. No caso de José Eduardo Mendes, cofundador do Hotel Urbano, a pessoa que fez a diferença para o sucesso na carreira foi o irmão e companheiro nos negócios, João Ricardo Mendes. “Mais importante do que ter uma grande ideia é encontrar alguém que acredite em você e o apoie”, diz Eduardo.
› Anita Schwartz (marchand) Foi graças à arquiteta pernambucana Janete Costa que Anita se enveredou pelo mundo das artes e se tornou galerista. “O interesse de Janete por art déco, arte moderna e popular me influenciou a criar minhas próprias coleções de objetos, quando eu ainda era muito jovem”, diz a marchande, que também nasceu em Pernambuco. “Esse foi o princípio da minha carreira.”
› Carlos Minc (deputado estadual) O ex-secretário de Meio Ambiente conheceu o sociólogo Herbert de Souza (1935-1987), o Betinho, no exílio. De volta ao Brasil, engajou-se em sua campanha pela prevenção à aids. “Minha primeira lei, a que obriga os testes nos bancos de sangue, de 1987, foi uma sugestão dele”, recorda. “Ele não foi apenas meu mentor, mas também meu apoiador. Sempre.”
› Cissa Guimarães (atriz) Os filhos são a maior fonte de inspiração de Cissa. Com Tomás, o primogênito, descobriu o que era o amor de mãe. Com o do meio, João Velho, aprendeu a dividir os dilemas pessoais e profissionais. Já Rafael, o mais novo, morto em um acidente em 2010, ensinou-lhe que é possível viver em meio à dor da perda. “Todos os três me fazem ter uma fé imensa na vida.”
› Luiz Calainho(empresário) Depois de ter sido premiado como o melhor executivo da Brahma do ano de 1990, com 23 anos, Luiz Calainho decidiu abandonar a carreira. “Ouvi do músico Roberto Menescal que trabalhar com arte era mágico”, afirma. Essa conversa foi suficiente para convencê-lo a partir para o ramo do entretenimento. “Ele é uma das pessoas mais sensíveis com quem tenho o privilégio de conviver.
› Glória Pires (atriz) A pessoa que mais influenciou a atriz foi seu pai, o ator Antônio Carlos Pires (1927-2005). “Lembro-me de ser bem pequena e admirá-lo”, recorda. “Quando estava com ele no ambiente profissional, eu me orgulhava da maneira com que todos o respeitavam ecomo ele sempre erahumilde. Um exemploque procuro seguir,sem dúvida.”
› Isaac Karabtchevsky(maestro) Aos 79 anos,Isaac Karabtchevsky se refereao período de estudos na Alemanha, entre 1958 e 1962,como o mais marcante de sua vida. Foi graças ao incentivo de Hans Joachim Koellreutter (1915-2005), professor alemão refugiado no Brasil, que resolveu aceitar a bolsa. “E isso influenciou imensamente minha carreira”, afirma. “Hans foi o mentor de toda uma geração de músicos, e herdei dele a obstinação e a consciênciade que só o trabalho árduoproduz crescimento.”
› Gregório Duvivier (ator e escritor) O integrante do Porta dos Fundos costuma dizer que entrou para o teatro graças a um pistolão. “Meu avô era analistada Maria Clara Machado”, diz ele. Piadas à parte, foi o empurrãodo psicanalista junguiano Carlos Byington que o lançou na carreira e o estimulou a prosseguir nela. “Era muito tímido, e ele foi o primeiro a reconhecer que meu futuro poderia estar no teatro.”
› Giovanna Ewbank (atriz) A designer Débora Ewbank nunca permitiu que sua filha, a atriz Giovanna, estacionasse em uma zona de conforto. Foi a mãe quem estimulou a filha a empreender uma carreira de modelo internacional na Europa, por exemplo. “Tive de aprender a me virar sozinha e valorizar cada centavo que eu ganhava”, diz Giovanna. “Ela é meu modelo de humildade e perseverança.”
› Luiz Fernando Pezão (governador do Rio) O estilo de vida espartano de Darcy de Souza, torneiro mecânicoque construiu uma carreira de 46 anos na Light, foi a principal fonte de inspiração de seu filho, o governador Luiz Fernando de Souza, o Pezão. “Tento trazer a simplicidade e a humildade dele, o jeito simpático com que lidava com as pessoas, para o meu dia a dia.”
› Beth Carvalho(sambista) Lenda viva do samba, Beth Carvalho cresceu em um ambiente musical e politizado. Seu pai, o advogado João Francisco Leal de Carvalho, era próximo de figuras como Getulio Vargas, João Goulart, Elizeth Cardoso e Silvio Caldas. “Em toda sua simplicidade, ele me trouxe uma consciência política muito grande”, afirma. Um modelo que se reflete tanto em suas canções quanto na vida pessoal.
› Carlos Arthur Nuzman (presidente do Comitê Olímpico Brasiliero) Aos 10 anosde idade, Carlos Nuzman perdeu a mãe em um acidente e só superou a tragédia como apoio do pai, Izaac, e da avó Anita Dorfman. “Graças a eles enveredei pelos esportes, participei dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964 e aprendi que tudo nessa vida se deve ao trabalho, à disciplina, à dedicação e à capacidade de superação.
› Claudia Raia (atriz) A artista divide os louros que colhe nos palcos e na TV com Walter Clark (1936-1997). Foi ele quem a escolheu, aos 17 anos, para o elenco do musical A Chorus Line, sua estreia no teatro. Em seguida, levou-a para o humorístico Viva o Gordo, de Jô Soares. “Mais do que um tutor, no entanto, ele foi um pai para mim. Todo exemplo que eu podia ter na vida veio dele, um homem perspicaz, inteligente e com uma grande visão de mundo.”
› Glória Maria (jornalista) A apresentadoranão titubeia ao apontar a pessoa que mais a influenciou em sua carreira. Trata-se do escritor americano e ativista pela igualdade racial Eldridge Cleaver (1935-1998), membrodos Panteras Negras. “O livro dele, Alma em Exílio, mudou minha vida, ensinou-me a lidar com o preconceito e com a diversidade”, diz.
› Aniela Jordan (produtora cultural)Sócia da Aventura Entretenimento, a maior produtora de musicais do país, Aniela Jordan tem na irmã, a bailarina Dalal Achcar, sua maior fonte de inspiração. “Ela me ensinou o que é arte e a importância de não nos contentarmos com o que temos. Também aprendi, graças a seu exemplo, a prezar pela qualidade do que faço.”
› Manoel Carlos (novelista) Não é só o Leblon que inspira a obra do novelista e cronista de VEJA RIO. Entre 1944 e 1948, ele foi aluno de Angelo Magrini Lisa, professor de português que viria a despertar seu interesse pelo teatro e pela escrita. “Nunca conheci ninguém que soubesse ensinar com tanto empenho, capacidade e talento”, diz o autor. “Quando morreu, aos 96 anos, em 2010, confesso que me senti desamparado.”
› Roberta Sudbrack (chef de cozinha) Criada pelos avós Iracema e João Fontoura, Roberta Sudbrack sempre ouviu do avô um conselho:“É preciso reagir rápido”. E Roberta reagiu. Aos 17 anos, quando ele morreu e ela precisou manter a casa, foi vender cachorro-quente nas ruas de Brasília. “Usei todos os princípios que ele me ensinou: ética, postura, honestidade e sonhar alto.”
› Roberto Medina (empresário) Dono de uma rede de lojas de eletrodomésticos, Abraham Medina, pai de Roberto, é considerado pelo filho um visionário que o estimulou a não duvidar de seus sonhos. “Foi graças a ele que acreditei ser possível trazer Frank Sinatra ao Brasil”, diz o empresário, relembrando um dos primeiros megashows que realizou, em 1980.
› Flávio Canto (lutador de judô) O medalhista olímpico relembra o primeiro dia de aula com o seu treinador, Geraldo Bernardes, há 25 anos. “Ali, contra todas as probabilidades, ele enxergou em mim, então um garoto de 14 anos, um atleta com potencial para competir em disputas internacionais”,diz. “Ele me ensinou a ter coragem, paciência e a acreditar nos meus sonhos.”
› José Mariano Beltrame (secretário de Segurança Pública) A inspiração para o responsável pelo combate ao crime no Rio vem do pai, Victor Beltrame, e da mãe, Eunice Benincá Beltrame. “Foi com eles que formei meu caráter”, diz. “Sempre que preciso tomar uma decisão difícil, eu me pergunto o que fariam no meu lugar.”
› Luiz Camillo Osorio (curador) A independência do pensamento de Mario Pedrosa, precursor da crítica de arte moderna no Brasil, é a maior inspiração de Luiz Camillo Osorio, curador do MAM. “Mesmo sem tê-lo conhecido pessoalmente, sua trajetória como intelectual e militante político é um exemplo fundamental para mim e para minha carreira”, afirma.
› Ney Latorraca (ator) Filho de Nena e Alfredo Latorraca, ela vedete e ele cantor de cassino, Ney Latorraca se emociona ao falar dos pais, seus exemplos de vida e carreira. “Tivemos uma vida dura e, quando disse que queria ser artista, temeram por mim”, diz. “Mas sempre me estimularam a ir além, e, graças a eles, eu consegui.”
› Ivo Pitanguy (cirurgião plástico) Quando criança, o médico sempre observava que seu pai, Antônio de Campos Pitanguy, chegava em casa muito cansado, mas extremamente feliz. Aos 4 anos, perguntouà mãe o que o pai fazia. Ouviu pela primeira vez queele era médico-cirurgião.“Isso me marcou. Mais tarde, entendi que meu caminhoera a medicina.”
› Gilberto Braga(autor de novelas)Responsável por sucessos como Dancin’ Days (1978) e Vale Tudo (1988), Gilberto Braga debutou na TV em 1973, na novela Corrida do Ouro. Já em seu primeiro trabalho, veio a conhecer aquela que seria sua grande mentora, a dramaturga Janete Clair (1925-1983), autora de obras-primas como Selva de Pedra (1972). “Ela me ensinou tudo o que eu sei sobre folhetins”, diz ele. “E ainda a ser humilde”, conclui.
› Beatriz Milhazes (artista plástica)Uma das pintoras mais conceituadas do país, Beatriz considera como seu mentor Charles Watson, professor de pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. “Lembro que senti muita dificuldade de acompanhar a primeira aula que tive com ele”, recorda ela. “Ali, descobri um mundo completamente desconhecido, que me desafiou.”
› Luiza Brunet (modelo) Quando busca um ombro amigo, Luiza Brunet recorre a um confidente de mais de 25 anos: o dentista Heitor Simões de Oliveira. “Nós não somos cariocas, mas adotamos o Rio paraviver. Isso aproximou muito nossas famílias”, diz. “Recorri a ele em muitos momentos importantes, mas a fase em que sua sabedoria mais me auxiliou foi durante minha separação.”
› Tiago Parente (cabeleireiro) Aos 18 anos, Tiago deixou Lisboa rumo ao Rio sem um tostão. Ao chegar, conheceu Juliana Paes, que iniciava a carreira de atriz. Ela foi a primeira a incentivá-lo a ser cabeleireiro. “Juliana me ensinou como viver a vida leve, a confiar em mim mesmo e no futuro.”
› Eduardo Paes (prefeito do Rio) Foi em 1984, no Colégio Santo Agostinho, que o prefeito Eduardo Paes se apaixonou pela política. O responsável pela epifania foi o professor de história Guilherme Sabatini Júnior, em uma aula sobre as eleições de 1982. “A explicação dele sobre aquele momento da democracia brasileira foi decisiva para a minha escolha.”
› Liszt Vieira (advogado) Ex-presidente do Jardim Botânico, o advogado Liszt Vieira desenvolveu grande admiração por Herbert Daniel (1946-1992), ativista dos direitos dos homossexuais e ambientalista, seu assessor político no período em que ocupou uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), nos anos 80. “Herbert me ajudou a ver que o poder vai muito além do Estado”, recorda.
› Renato Aragão (humorista) Antes mesmo de chegar ao Rio, nos anos 60, Renato Aragão já admirava o talento de Oscarito, ator de inúmeras comédias, chanchadas e seu grande ídolo no cinema nacional, com quem viria a conviver no início da profissão. “Devo minha carreira a ele, um comediante inigualável que me ajudou a me tornar tudo o que sou hoje” elogia o humorista cearense.