Por cinco anos, o empresário Marcelo Ricardo Roza, de 36 anos, acalentou o sonho da casa própria. Pagou religiosamente, mês a mês, as prestações de um consórcio imobiliário com o objetivo de reunir recursos para comprar um bom apartamento de dois quartos em Ipanema, no Jardim Botânico ou em uma rua tranquila de Copacabana. Quando conseguiu juntar as economias para dar um lance robusto e resgatar um crédito no valor de cerca de 1,2 milhão de reais, ele tomou, entretanto, uma decisão paradoxal: resolveu deixar o dinheiro aplicado no banco e adiar os planos. “Os valores estão fora de controle. Resolvi esperar o setor se acalmar e ver o que vai acontecer antes de fechar qualquer negócio”, conta. O caso de Marcelo é um retrato fiel das incertezas que rondam o mercado imobiliário carioca, um segmento que nos últimos quatro anos experimentou uma explosão nas vendas, com preços estratosféricos e escassez de opções. Hoje, o que não faltam são indicadores de que a euforia do passado deu lugar à desconfiança sobre o que é especulação e o que é real ao se estipular valor às propriedades. Na dúvida, os potenciais compradores estão preferindo esperar. “O consumidor está mais cauteloso, enquanto o mercado ainda busca um ponto de equilíbrio. Em vários bairros do Rio já ocorrem ajustes e em outros há até queda de preços”, observa o economista Eduardo Zylberstajn, coordenador do Índice Fipe Zap, que calcula o valor médio do metro quadrado em vinte cidades brasileiras com base em pesquisas em anúncios imobiliários.
O empresário Roza, ao decidir continuar morando em um imóvel da família até que a situação se estabilize, não está sozinho em seu raciocínio. A escalada vertiginosa de preços que havia dominado os bairros nobres da cidade perdeu muito do ímpeto de três, quatro anos atrás. Exemplos como os de apartamentos que tinham seu valor multiplicado por até quatro vezes, como ocorreu em propriedades da região de Ipanema, não condizem mais com a realidade do mercado. Também são parte do passado as transações em que as cifras envolvidas eram fixadas com base unicamente na vontade dos proprietários e locatários. Um levantamento feito pelo Sindicato da Habitação (Secovi Rio) em nove bairros da Zona Sul demonstra com números que a farra dos preços arbitrários e valorizações excessivas chegou ao fim. Enquanto de agosto de 2010 a agosto de 2011 o valor do metro quadrado de um três-quartos no Leblon aumentou 34%, o do mesmo padrão de apartamento subiu em torno de 7% entre agosto de 2013 e agosto de 2014. Na locação de imóveis, a freada nos reajustes foi ainda mais acentuada. Nesse bairro, os apartamentos de três quartos, que tiveram o aluguel aumentado em 12,4% entre 2010 e 2011, apresentaram redução de 2% no valor da locação em 2013 e 2014 (veja a tabela na pág. 30). “O mercado está travado. A tendência é que ele siga uma valorização pautada pelo índice de inflação, ou seja, volte à normalidade”, diz Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi Rio. Professor de finanças da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Samy Dana é mais radical: “Os imóveis no Rio alcançaram valores insustentáveis. Até 2016 a queda pode chegar a 30%”.
A profusão de placas de “vende-se” e “aluga-se” na fachada de prédios em endereços nobres é o sintoma mais visível das mudanças no mercado. Até bem pouco tempo atrás, eram comuns as filas de espera de compradores e inquilinos nesses locais. Hoje, já há mais imóveis do que interessados, fato atestado por dados do site de locação e venda Zap Imóveis. Levantamento realizado por VEJA RIO nos últimos quatro meses mostra que a oferta de venda cresceu em nove de onze bairros da Zona Sul. Só na Gávea e na Urca, bairros marcados pela pouca disponibilidade de imóveis nessa situação, o acréscimo foi de 35% e 23%, respectivamente. O setor de locação passa por um momento semelhante. Em toda a capital, no mesmo período, o número de endereços à espera de inquilinos subiu 18%. O Índice Fipe Zap confirma o marasmo que atinge o setor: depois de meses de estabilização, o aluguel de apartamentos em todo o Rio caiu 0,5% em setembro. A migração de locatários da Zona Sul para as zonas Norte e Oeste e a redução da procura de apartamentos para executivos estrangeiros, sobretudo da área petrolífera, contribuíram para a mudança. Vários imóveis que estavam à venda e não encontraram compradores também foram desovados nesse mercado. “O Rio tinha em média 2 000 unidades para alugar. O número dobrou”, afirma Edison Parente Neto, vice-presidente da Imobiliária Renascença, líder em locação na cidade.
A palavra de ordem agora é negociar, tanto na compra e venda quanto no aluguel. O mercado vem registrando descontos entre 10% e 20% com relação aos valores anunciados. É uma nova realidade que a representante comercial Maria do Carmo Feitosa, de 70 anos, sente na pele. Há oito meses, ela tenta alugar um apartamento de dois quartos mobiliados, em Ipanema. Anunciou por 5 000 reais, mas diante da falta de propostas está disposta a baixar para 4 500 reais ou, quem sabe, até menos. “Antes o apartamento não ficava uma semana vazio. Quando estava para ser liberado, já havia interessados”, lembra. Na outra ponta dessa queda de braço, há quem se beneficie da grande oferta. Depois de uma temporada morando fora do país, o estudante de arquitetura Rodolfo Florentino, de 23 anos, decidiu que era hora de deixar a casa dos pais. Com mais dois amigos, passou a procurar um imóvel com três dormitórios em Copacabana. O preço dos aluguéis variava de 5 000 a 6 000 reais. Acabou encontrando um proprietário que pedia 4 500 reais e ainda conseguiu um desconto de 350 reais. “Hoje está mais fácil negociar. O proprietário que não ceder correrá o risco de ficar com o imóvel encalhado”, comenta.
Uma conjunção de fatores impulsionou a pujança sem precedentes vivida pelo mercado imobiliário brasileiro, em especial o do Rio. A estabilidade da moeda e a melhora na renda da população levaram muita gente a ter pela primeira vez chances reais de comprar a casa própria. Somados à demanda reprimida, os prazos de financiamento mais elásticos e os juros mais baixos fizeram explodir as vendas. A reboque, ocorreu uma valorização exorbitante das propriedades. Como se não bastassem esses ingredientes, a efervescência imobiliária no Rio foi potencializada pela realização da Copa neste ano e da Olimpíada em 2016 — o que desencadeou uma série de investimentos em segurança, infraestrutura e mobilidade urbana. “Foi um período muito atípico. Dificilmente veremos de novo uma combinação tão favorável”, avalia Lucy Dobbin, diretora operacional da Júlio Bogoricin. O que se percebe agora é que, além da acomodação real dos preços, a renda dos brasileiros já não avança no mesmo ritmo de antes e os juros do setor, que chegaram a 7% ao ano, já estão na faixa dos 10%. A perspectiva pouco animadora da economia do país acrescenta um componente extra às incertezas.
Embora o frenesi imobiliário vivido nos últimos anos não espelhe mais a realidade, o Rio ainda ostenta os preços mais altos do país. Só para se ter uma ideia, o valor do metro quadrado de um imóvel de três quartos em Ipanema se mantém na faixa dos 20 000 reais. O de um quatro-quartos no Leblon gira em torno de 25 000 reais. Muitos investidores de ocasião, é inegável, tiraram proveito desse superaquecimento do mercado. Mas o oba-oba acabou, garantem os analistas. O mercado não comporta mais gente especulando e lucrando com isso. Para quem sonha ter um ganho-relâmpago de capital, o melhor é escolher outro investimento. “O cenário mudou. Antes você punha um anúncio e recebia nove, dez ligações. Hoje não passam de duas”, diz Roland Jardim, da RJardim Imóveis. O prazo médio de venda aumentou significativamente. Enquanto algumas unidades eram negociadas quase de imediato, a demora atual é de mais de um ano. O analista de tecnologia da informação (TI) Cláudio Menezes da Silva, de 51 anos, sabe muito bem o que é isso. Desde novembro passado, tenta vender um três-quartos no Leme. Começou pedindo 1,45 milhão de reais e já reduziu 100 000 reais no valor. Sua intenção é adquirir dois imóveis menores, um para investir e o outro para a mãe, em Botafogo. “O meu alento é que, se o preço do meu apartamento está caindo, o valor dos que pretendo comprar deve seguir o mesmo caminho”, pondera. Uma realidade impensável pouco tempo atrás.