Na letra da canção Wave, escrita nos anos 1960, Tom Jobim dizia que era impossível ser feliz sozinho. Seis décadas mais tarde, os números do IBGE mostram que o clássico verso não faz mais tanto sentido: hoje, 21% dos domicílios no Rio são ocupados por apenas uma pessoa. Em 2019, o Código de Obras e Edificações da cidade foi alterado, permitindo que a área mínima útil dos apartamentos passasse de 60 para 25 metros quadrados em prédios multifamiliares, exceto na Zona Sul e na Grande Tijuca, onde o tamanho passou a ser de 35 metros quadrados.
Apostando suas fichas nesse nicho, o mercado imobiliário investiu nos microapartamentos e os primeiros empreendimentos beneficiados pela mudança vêm sendo inaugurados agora, com sucesso de vendas. “Por muito tempo houve preconceito com prédios de apartamentos pequenos, chamados pejorativamente de cabeça de porco ou cortiço. Tanto que eles foram proibidos por lei. O mercado ficou represado e por isso estamos vendo uma excelente procura”, observa Otavio Grimberg, sócio-fundador da SIG Engenharia, responsável pelo retrofit do hotel Everest, em Ipanema, cujas metragens dos imóveis partem de 39 metros quadrados.
A crescente utilização do retrofit, técnica que recupera e valoriza edifícios antigos, cai como uma luva para o mercado dos microapartamentos. Além do Everest, hotéis como Glória, Paysandu e Novo Mundo vêm ou já passaram por essa transição. “Acompanhamos o movimento do mercado paulista e, quando a legislação permitiu, fizemos questão de escolher bairros consolidados, perto do Centro, bem servidos por transporte, para instalar esse tipo de prédio”, conta o diretor da D2J Construtora Daniel Alonso.
A empresa investiu 20 milhões de reais no Insight Praia do Flamengo, antigo Hotel Flamengo Palace, hoje com apartamentos de 37 metros quadrados. Os primeiros moradores chegam em agosto. “A diminuição paulatina do tamanho da unidade habitacional é um fato observado ao longo de todo o século XX. Possivelmente essa modalidade irá se estabelecer no Rio, como se estabeleceram nos anos 70 a quitinete e o conjugado, boas opções de entrada para pessoas que vêm morar na cidade, onde o valor do metro quadrado é muito elevado”, resume Filipe Marino, professor adjunto de projeto de arquitetura da UERJ.
Dados do Centro de Pesquisa e Análise da Informação do Sindicato de Habitação (Secovi Rio) apontam que, há apenas cinco anos, os microapartamentos respondiam por 0,8% do total dos lançamentos. Em 2022, essa fatia saltou para 11%, um aumento de 1200%, com Botafogo, Flamengo e Catete oferecendo a maior oferta desses apartamentos. Com preços mais baixos que os tradicionais e condições de crédito favoráveis, os imóveis diminutos trazem maior rentabilidade para investidores.
Moradora de Nova Friburgo, na Região Serrana, a empresária Máyra Bitencourt, 37, adquiriu um studio — nome charmoso para um apê de 45 metros quadrados — no empreendimento Marias, da Mozak, em construção na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema. “Quero ter um lugar para passar os fins de semana, já que o Rio tem uma intensa programação cultural. Paralelamente, penso em alugar o espaço por temporada. Estou investindo na minha vida social e criando uma nova fonte de renda”, diz a friburguense, que financiou o valor do imóvel, de 1,4 milhão de reais, em trinta parcelas diretamente com a construtora.
O perfil de quem opta por um apartamento compacto vai do jovem que só tem olhos para a carreira ao idoso que, morando sozinho, precisa de menos espaço e mais comodidade. “É um tipo de imóvel que dá menos custos de manutenção e limpeza”, destaca Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi Rio. Com previsão de entrega das chaves em 2024 e 70% das unidades vendidas, o On The Sea, no Arpoador, tem plantas compostas de dois studios de 35 metros quadrados cada. O proprietário pode optar por alugá-los separadamente.
“É fundamental compensar os espaços menores com facilidades na área comum. Nesse empreendimento teremos serviço de café da manhã, faxina, lavanderia e assistência técnica para pequenos reparos”, explica Matheus Aranha, coordenador de incorporação da RJZ Cyrela. A empresa também está à frente do projeto que vai transformar a antiga sede de Furnas, em Botafogo, num residencial, com imóveis a partir de 37 metros quadrados. “É um modelo de habitação que permite o adensamento urbano em regiões de maior infraestrutura, ampliando o acesso às áreas mais valorizadas da cidade”, defende o professor Filipe Marino. Esse novo modo de vida atesta: menos é mais.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui