Milicianos incorporam práticas do tráfico de drogas em um terço das favelas
Estudo da FGV com moradores de 188 favelas também mostra que traficantes importaram práticas de extorsão típicas de grupos paramilitares
O mito de que em área de milícia não se vende drogas caiu por terra num estudo inédito feito por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), da Universidade de Chicago e da Escola de Administração, Finanças e Instituto Tecnológico da Colômbia. Com base em dados coletados pelo Disque-Denúncia, o trabalho detalha como os diferentes grupos criminosos que agem no Rio atuam de forma cada vez mais semelhante: embora criada por policiais no início dos anos 2000 com o argumento de impedir a entrada do tráfico nas favelas onde moravam, a milícia incorporou a venda de drogas aos seus negócios em cerca de um terço de seus domínios na cidade do Rio. Por outro lado, os traficantes importaram práticas de extorsão típicas de grupos paramilitares na maioria das comunidades que controlam.
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Os dados foram levantados a partir de um questionário sobre práticas criminosas, atividades econômicas e exploração de taxas pelas quadrilhas que foi submetido a 337 moradores de 188 favelas da cidade do Rio — dominadas por três facções diferentes do tráfico e pela milícia — ao ligarem para a central de atendimento do Disque-Denúncia entre setembro de 2020 e março de 2021. As respostas revelaram porcentagens semelhantes de exploração de vários serviços em comunidades com atuação de traficantes e de paramilitares. O resultado do levantamento, antecipado pelo jornal O Globo, será apresentado no Seminário Internacional de Governança Criminal, que acontece pela primeira vez no Rio nesta quarta (29) e quinta (30).
Em 79% das áreas sob controle do tráfico há relatos de participação da facção na venda de pacotes de internet; enquanto o mesmo serviço é explorado em 80% dos locais dominados pela milícia. A situação se repete nos questionamentos sobre monopólio da venda de gás de cozinha, atividade explorada em 76% das favelas com ação de grupos paramilitares e em 62% daquelas controladas por traficantes, e do serviço clandestino de TV a cabo, presente em 82% dos locais com ação da milícia e em 78% daqueles sob domínio do tráfico. Já a cobrança de taxas de segurança a moradores e comerciantes, registrada em 92% das localidades com a presença de paramilitares, foi relatada em 26% das áreas com atuação do tráfico. Por outro lado, 30% das favelas controladas por milicianos têm relatos de venda de drogas — presente em quase 100% das favelas dominadas por traficantes.
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“O que percebemos é que, onde antes havia disparidades, hoje há semelhanças. Havia uma separação clara: o tráfico de drogas não explorava o morador, só vendia droga; já a milícia proibia a venda de drogas e vivia de formas de extorsão. Hoje, cada um dos grupos importou atividades do outro. Nas áreas dominadas por milícia, há relatos de tráficos de drogas. Nas áreas dominadas pelo tráfico, há cobranças por produtos lícitos e até de taxa de segurança”, explicou ao jornal Benjamin Lessing, diretor do Centro de Estudos sobre América Latina da Universidade de Chicago e um dos autores do estudo.