No ritmo “velozes e furiosos” em que se desenrolam as tramas políticas de hoje, passou um tanto despercebido, por incrível que pareça, o ato público realizado na Câmara dos Vereadores no último dia 16 de maio. Naquela terça-feira, véspera do Dia Internacional de Combate à Homofobia, o vereador David Miranda presidiu uma solenidade em defesa da realização da parada gay carioca, presente há 22 anos no calendário da cidade e ameaçada por falta de apoio da Prefeitura. Pela primeira vez na história deste país, atendendo à convocação de Miranda, pioneiro parlamentar defensor da causa LGBT, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros se acotovelaram no plenário da Câmara. Por alguma razão que a razão desconhece, o policiamento em frente ao prédio histórico foi reforçado com a presença de cerca de dez viaturas. Não precisava. Bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo da causa, enfeitaram o salão principal do palacete na Cinelândia.
Lá dentro, por mais de três horas, ouviram-se discursos, denúncias, desabafos e civilizadas discordâncias. Também houve muito show e cantoria, é claro. O ato, a certa altura, foi sacudido por um protesto de associações lésbicas cujas integrantes afirmaram não se sentir representadas pela parada. Tiveram acesso ao microfone, onde protestaram – “essa passeata não é nossa, é um oceano de homens, somos agredidas”, denunciou uma manifestante – e se retiraram do plenário, apesar do amistoso coro de “fica, fica”. O incidente, tenso, mas totalmente pacífico, serve como uma pequena lição de democracia: vozes dissonantes dividiram o mesmo espaço e deram seu recado sem sofrer retaliações.
A parada de Copacabana é considerada o terceiro maior evento da cidade, atrás do Réveillon e do Carnaval. Pelo público que mobiliza, rende divisas para o Rio, além representar um importante movimento de cidadania. Nas falas do ato do dia 16, muitos denunciaram que o prefeito Crivella, evangélico, poderia estar efetivamente boicotando o universo LGBT – e a alegada falta de dinheiro para apoiar a parada seria apenas uma parte do problema. Carlos Tufvesson, que comandou na gestão anterior a coordenadoria especial de assuntos da diversidade sexual, órgão ligado à Prefeitura, lembrou que, após uma parceria de 20 anos, a prefeitura não se posiciona claramente em relação à parada gay. “A parada é símbolo de uma situação mais grave, programas da Prefeitura também desapareceram”, informou Tufvesson. Na verdade, a parada vai acontecer, defendida por seus participantes. O apoio que o poder municipal reluta em oferecer, culpando a crise, é de cerca de 350 000 reais. Problema maior, na visão dos presentes, é a possibilidade de políticas públicas voltadas para a comunidade LGBT serem contaminadas por preconceito e intolerância, o que seria um retrocesso. Presente ao ato, como cidadã, Danielle, estudante de educação física, resumiu bem a questão: “na hora de pegaram nosso dinheiro rosa, ok, mas na hora de garantirem nossos direitos fica mais complicado”.