Moeda virtual bitcoin desperta a atenção de investidores
Nascida nas profundezas do mundo on-line, a criptomoeda tem garantido rendimentos astronômicos a quem investe nela, mas há riscos
O cenário não poderia ser mais apocalíptico. Simultaneamente, mais de uma centena de países, inclusive o Brasil, amanheceu em uma sexta-feira, dia 12 de maio, sob um ataque cibernético sem precedentes, o maior já registrado na história. Por aqui, os computadores de empresas como Petrobras, Renault e Telefônica (dona da Vivo) foram infectados por um vírus capaz de inutilizar todo o sistema operacional caso um resgate não fosse pago. Por máquina afetada, os criminosos pediram 300 dólares a ser pagos em uma moeda virtual batizada de bitcoin. Três meses depois, outro grupo invadiu os servidores do canal americano de televisão HBO, sequestrou episódios inéditos da badalada série Game of Thrones e ordenou o pagamento de 6 milhões de dólares em — adivinhem? — bitcoins. Conhecida há um bom tempo dos iniciados nos meandros da internet e da computação, a moeda, que só existe como uma abstração virtual, finalmente deixou o mundo on-line para se tornar o novo fetiche do mercado financeiro global. A euforia tem explicação: só em 2017, sua cotação já valorizou 1 700%. Até o fechamento desta reportagem, no dia 13, um único bitcoin valia impressionantes 17 000 dólares, dias depois de ter estreado na Bolsa de Mercado Futuro de Chicago — no ano que vem, deve chegar à prestigiada Nasdaq, onde estão cotadas todas as empresas de tecnologia americanas. “O mercado tradicional está de olho no bitcoin porque ele foi concebido dentro de um sistema antifraude, naquilo que pode ser o futuro do dinheiro de forma geral”, afirma o economista Fernando Ulrich, consultor da XP Investimentos.
Tamanho é o frenesi em torno do bitcoin que até mesmo pessoas que não tinham o hábito de apostar no mercado de capitais — quanto mais de um produto tão complexo — encheram os olhos. O médico Daniel Cesar, de 35 anos, não entendia lhufas do assunto até o ano passado. Foi quando começou a investir e viu seus 10 000 reais iniciais se transformar em 13 000 ao cabo de 365 dias. “É um rendimento muito maior do que a poupança oferece, e maior do que qualquer renda fixa”, atesta o cirurgião-geral. Quem comprou 100 reais da moeda virtual há seis anos se deu melhor ainda, e tem agora cerca de 120 000 reais na conta. “Só não ganhei mais dinheiro porque o mercado de bitcoins é como o de ações: você precisa tomar decisões na hora certa”, explica Cesar, que hoje aceita o pagamento de consultas com a moeda em sua clínica em Ipanema.
Discutir bitcoins na mesa de um botequim pode parecer conversa de maluco ou de nerd, mas as chamadas criptomoedas (há outras além da mais famosa) nada mais são que unidades de pagamento virtual baseadas em criptografia, o que torna sua movimentação extremamente segura. Criada em 2008 por Satoshi Nakamoto, pseudônimo por trás do qual se esconde um programador (ou um grupo de programadores) até hoje desconhecido, o bitcoin é totalmente descentralizado, ou seja, não é regulado pelo Banco Central de nenhum país. É dinheiro sem Estado e sem banqueiros. A credibilidade do bitcoin está na matemática, e não na confiança em governos, bancos ou instituições de terceiros para manter seu valor e garantir transações. Sua cotação varia unicamente baseada na oferta e na demanda do mercado. Não à toa, o lema do bitcoin, em latim, é Vires in numeris, ou seja, “Força nos números”. Em maio deste ano, o Japão, a terceira maior economia do mundo, fez o valor da moeda digital disparar em nível global quando passou a aceitá-la como meio legal de pagamento. Naquele país, já é possível pagar desde a conta do restaurante até a de gás com bitcoins. Grandes bancos de investimentos, como o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, também passaram a fazer relatórios indicando a compra.
Em um episódio de grande potencial simbólico, o bitcoin protagonizou um feito notável em março, quando seu valor ultrapassou o da onça de ouro. Como consequência, em novembro, a quantidade de buscas no Google pela expressão “comprar bitcoin” superou a de “comprar ouro”. Engenheiro de computação da Petrobras, Hugo Calazans, de 32 anos, é um dos aventureiros dessa nova corrida do ouro, agora em bits. “Aprendi sobre o assunto na internet. Há vídeos muito legais no YouTube. No começo, tudo parece complexo, mas depois fica palatável”, diz ele, que sempre investiu em diferentes ativos, até mesmo em startups. Hoje, no entanto, as criptomoedas são a maior parte de seu portfólio. “Vou convertendo para reais, aos poucos, a fim de não correr tantos riscos com a volatilidade do bitcoin”, explica. Desde que Calazans começou a investir, a moeda virtual valorizou 600%. “Até minha mãe está nessa onda depois das minhas dicas”, conta. A namorada, a advogada Roana Couto, de 28 anos, também. Sozinha, ela já teve rentabilidade de 400%.
Se a criptomoeda foi criada inicialmente para facilitar e desburocratizar as transações comerciais, livrando seus usuários dos bancos e de suas altas taxas, hoje o mais comum mesmo é apostar nela como investimento. Isso acontece porque ainda são poucos os estabelecimentos que a aceitam como forma de pagamento. Os gêmeos americanos Tyler e Cameron Winklevoss, que disputaram com Mark Zuckerberg o título de criador do Facebook, foram os primeiros a acumular 1 bilhão de dólares em bitcoins. Atualmente, até o jogador argentino de futebol Lionel Messi se tornou investidor. Qualquer interessado pode fazer suas apostas (veja o quadro ao lado). A fração mínima para compra é de oito casas decimais, ou seja, 0,00000001 bitcoin. Gerente de TI e inovação do Museu do Amanhã, na Praça Mauá, Eric Ribeiro se inscreveu em um curso de três semanas sobre criptomoedas, oferecido pela PUC, e começou a investir em setembro. De lá para cá, teve lucro de 63% e trabalha agora em uma mostra sobre o bitcoin para a programação de 2018 do museu. “Invisto também em outras moedas virtuais menos famosas, como a ethereum, para diluir os riscos”, diz. Também rival do bitcoin, a monero acaba de anunciar uma parceria com artistas como Shakira e Motörhead para a venda de álbuns.
Uma das maiores corretoras de bitcoin do Brasil, a Mercado Bitcoin conta atualmente com mais de 600 000 investidores cadastrados, contra 500 000 da BM&FBovespa. Ao longo do ano passado, a empresa negociou 105 milhões de reais em bitcoins. Já em 2017 foram movimentados 120 milhões em um único dia. O empresário Carlos André Montenegro, de 39 anos, decidiu entrar para o jogo como corretor. Fundador do e-commerce de perfumes e cosméticos Sack’s, vendido para o grupo Louis Vuitton em 2010, e ex-CEO da Sephora no Brasil, Montenegro inaugurou o Bitcoin Trade há dois meses. Trata-se da primeira corretora da América Latina a ter certificado de segurança máxima. “O cartão de crédito vai acabar, porque é altamente suscetível a roubo de dados e fraudes. Já a blockchain é inviolável. Para hackear o sistema, seria necessário utilizar 56% da força computacional do planeta”, afirma Montenegro. Outra grande vantagem do bitcoin, segundo ele, é poder fazer remessas internacionais sem taxas bancárias nem impostos. “Os bancos estão desesperados. Falar de bitcoin para eles é como falar de Uber para os taxistas”, compara o ex-executivo da Sephora.
Segundo a renomada consultoria americana Gartner Group, o bitcoin é uma revolução equivalente à da internet nos anos 90. Em seu primeiro grande estudo sobre o tema, o Fed, banco central dos Estados Unidos, concluiu que a tecnologia tem o potencial de mudar a estrutura do mercado financeiro mundial e tornar os bancos obsoletos. Essa seria, segundo os defensores mais entusiasmados, a quarta revolução monetária a que assistimos desde o surgimento do dinheiro, há cerca de 3 000 anos. Tudo o que é novidade, no entanto, gera desconfiança. Ainda mais quando, além da grande especulação e alta volatilidade que lhe caracterizam, o bitcoin carrega um passado sombrio. Logo que foi criado, ele era o dinheiro preferido para compras na Silk Road, uma espécie de mercado de drogas que existia nos meandros da internet inacessíveis a não iniciados, chamado deep web. Nobel de Economia em 2001 e ex-economista-chefe do Banco Mundial, o americano Joseph Stiglitz torce o nariz para as criptomoedas. “Esse é um mercado destinado a atividades ilícitas, lavagem de dinheiro e evasão fiscal”, pontificou ele recentemente.
É fato que, se Rodrigo Rocha Loures, ex-deputado e ex-assessor do presidente Michel Temer, tivesse recebido da JBS os 500 000 reais em bitcoins e não numa mala de dinheiro, ele teria escapado da prisão. Mas também há muita gente ganhando dinheiro licitamente com as transações. O ex-executivo Dalmo Marcolino, de 43 anos, planeja passar 2018 vivendo dos rendimentos de seus bitcoins e das cervejas artesanais que produz. “Com um emprego tradicional, eu dificilmente teria tempo de tocar o projeto da cervejaria, e o bitcoin resolveu o problema ao me propiciar uma renda fixa”, conta Marcolino, que obviamente topa vender suas cervejas em moeda virtual. A artista plástica Paula Blower aposta na criptomoeda para alavancar sua carreira no mercado internacional. “O bitcoin abre um caminho incrível para a difusão da arte. Ficou mais fácil e prático comprar e vender obras no mundo todo”, comenta. Se estamos diante de uma bolha (e quando ela vai estourar), ninguém sabe. Na última quarta (13), o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, acendeu esse alerta. Para o administrador Adilson Silva, professor da FGV e sócio da consultoria Mazzars Cabrera, a valorização excessiva do bitcoin indica riscos: “Eu recomendaria às pessoas que não investissem tudo o que têm em bitcoins, mas acho que vale a pena experimentar para ter um gostinho do futuro”. Como toda promessa de dinheiro fácil, os bitcoins implicam também ter um tremendo sangue-frio.