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Saudade do Império

A visita do príncipe Harry, da Inglaterra, anima descendentes de dom Pedro II e entusiastas do regime monárquico em sua cruzada para resgatar a imagem da realeza brasileira

Por Carla Knoplech
Atualizado em 5 jun 2017, 14h37 - Publicado em 16 mar 2012, 17h45
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monarquia-2.jpg (Redação Veja rio/)
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Com seus inconfundíveis cabelos ruivos e espetados, o príncipe Harry, neto da rainha Elizabeth II, cumpriu à risca o papel de chamar atenção para uma das mais veneráveis dinastias do planeta. Em sua curta visita ao Rio, o filho de Charles e Diana (que morreu num acidente de carro em Paris em 1997), de 27 anos, passeou de helicóptero, foi a um bar de Ipanema, beijou a bandeira de uma escola de samba, participou de um show de pagode no Complexo do Alemão e rolou pela areia da Praia do Flamengo. Tudo isso para promover a imagem de seu reino às vésperas de sediar a Olimpíada, em Londres, e o regime encarnado por sua avó, que comemora sessenta anos no trono. Em meio a uma performance capaz de fazer disparar o coração de mocinhas afoitas por ver um herdeiro real de perto, His Royal Highness também elevou a temperatura do gélido sangue azul da nobreza local. “Visitas desse tipo são muito benéficas para a imagem da monarquia de forma geral. Elas despertam a curiosidade e a admiração pelo próprio passado brasileiro”, acredita dom Eudes Maria Rainier Pedro José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orléans e Bragança e Wittelsbach (sim, o nome completo dos membros da realeza, destronada ou não, é sempre longo), 73 anos, tataraneto do imperador dom Pedro II.

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Derrubada em 1889, nossa antiga família real costuma ser discreta. Espalhados pelo Rio, por São Paulo e por cidades como Petrópolis e Vassouras, os descendentes da casa de Orléans e Bragança evitam ostentar. Dom Eudes, por exemplo, é oficial da Marinha reformado e presidente de uma empresa de laminados plásticos. Tal estilo de vida plebeu, no entanto, não impede que um fiel grupo de seguidores cultue a monarquia, seus valores e rituais. Organizados em uma associação batizada de Círculo Monárquico, eles se reúnem anualmente no fim de semana seguinte ao dia 6 de junho. Nessas ocasiões, cerca de 500 membros, entre herdeiros do que foi no passado a aristocracia nacional e simples entusiastas da causa, comemoram o aniversário da assim chamada sua alteza dom Luís Gastão de Orléans e Bragança. Radicado na capital paulista, primo de dom Eudes, ele seria hoje o dono da coroa, se ela não estivesse trancafiada em uma vitrine do Museu Imperial de Petrópolis. “Evidentemente, uma figura como o príncipe inglês reaviva entre os brasileiros o charme monárquico”, escreveu o presumido do trono, de 74 anos, em um e-mail enviado a VEJA RIO por seu mordomo (dom Luís não concede entrevistas por telefone).

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Com laços de parentesco firmados com quase todas as casas reais europeias, a família Orléans e Bragança encara sem ilusão o papel a que foi relegada depois que o marechal Deodoro da Fonseca montou em seu cavalo e proclamou a República. Ninguém nutre planos de voltar ao poder, assim como seus partidários nem sonham em ver dom Luís Gastão ou algum de seus descendentes vestido com o manto de veludo verde forrado de penas de tucano que dom Pedro II usava nos compromissos de estado. Em ambos os casos, o principal objetivo é resgatar o papel histórico da dinastia no desenvolvimento do país. “Quando dom Pedro II deixou o poder, iniciou-se uma atroz campanha para desmoralizar o imperador e seu legado. Ainda hoje é comum as pessoas terem uma ideia distorcida do que foi o Império”, diz Ohannes Kabderian, presidente do Círculo Monárquico do Rio de Janeiro. Para ele, a revisão desse papel histórico é um processo recente, que se intensificou a partir da comemoração do bicentenário da chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 2008. “Contaram e ainda contam uma série de mentiras nas escolas. Nosso principal esforço tem sido desmentir essas inverdades”, explica o economista carioca de ascendência armênia, que não tem nenhum parentesco com reis ou rainhas. “É óbvio que um número cada vez maior de brasileiros, ao conhecer melhor a história, se torna descontente com os contínuos escândalos políticos e passa a encarar a monarquia de forma mais positiva”, diz.

Sede do império brasileiro, o Rio é a cidade que mais exibe relíquias do regime dinástico. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Centro, é o único templo das Américas usado para consagrações e casamentos reais. Palácios como o Guanabara, em Laranjeiras, e a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, apesar de todos os esforços para a descaracterização de seu passado imperial, ainda carregam vestígios do período em que eram habitados, respectivamente, pela princesa Isabel e seu marido, o conde D?Eu, e por dom Pedro II. Preocupado com insurreições, o regime recém-instalado se empenhou em restringir ao máximo a ação dos monarquistas. Banidos do país e exilados na Europa, os Orléans e Bragança só puderam voltar em 1920, quase trinta anos depois da morte, em Paris, de dom Pedro II, ao ser revogada a lei que proibia seu regresso. As associações de cunho monárquico passaram a ser permitidas apenas em 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição. No plebiscito de 1993, em que os eleitores escolheram o presidencialismo como forma de governo, contra o parlamentarismo, mas podiam também votar na monarquia, essa última opção teve apenas 10% dos sufrágios válidos. “É uma pena, pois acho que, no mínimo, atrairíamos mais turistas interessados em conhecer o único reino das Américas”, lamenta o cerimonialista Ricardo Stambowski, membro do Círculo Monárquico do Rio.

Seja pela agenda festiva, pela informalidade ou pela pouca idade do visitante, a passagem do príncipe Harry ajudou a rejuvenescer a imagem que os cariocas têm da nobreza, normalmente identificada com sisudez, rapapés e um número infindável de regras. Tal impressão é reforçada por outra representante da família real britânica que passou uma temporada bastante informal na cidade. Neta do duque de Kent e filha do conde e da condessa de Saint Andrews, Lady Marina-Charlotte de Windsor viveu como uma legítima plebeia por aqui. Bronzeada, com uma marquinha de biquíni aparecendo sob a blusa e calçada com as brasileiríssimas Havaianas, a nobre de 19 anos derrama-se em elogios à cidade e a seus anfitriões, a família do fotógrafo e empresário dom João Henrique de Orléans e Bragança, o Joãozinho Príncipe, também descendente de dom Pedro II e com laços de parentesco com os ingleses. “Esta cidade é o lugar mais bacana do mundo”, diz ela. Nas três semanas que passou entre os parentes cariocas, Marina foi à praia, ao Engenhão, para assistir a um jogo do Fluminense, e até ajudou nas tarefas domésticas. “Na casa do Joãozinho, todo mundo faz a própria cama e ajuda a lavar a louça. Eu até aprendi a fazer uns pratos brasileiros, como feijoada, brigadeiro e pipoca doce”, revela a moça, encantadora como uma princesinha de conto de fadas. Como se vê, os mesmos nobres que cultivam a memória e os valores de seus antepassados têm se adaptado muito bem aos novos tempos.

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