Reconhecidas mundo afora como um dos símbolos do Rio, as calçadas da Avenida Atlântica, na Praia de Copacabana, estão entre os raros monumentos nacionais qualificados como patrimônio da humanidade pela Unesco e, como tal, deveriam ser mantidas impecáveis. Entretanto, isso está longe de acontecer com essa obra de rara beleza criada pelo paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx há mais de 45 anos. Não bastasse o desgaste natural, os desenhos têm sido descaracterizados por intervenções irregulares, como a realizada pelo hotel Windsor Atlântica, na esquina da Avenida Princesa Isabel. Ocupante do antigo prédio do Le Méridien desde 2011, a unidade mais luxuosa da rede carioca instalou parte do restaurante Alloro diretamente sobre o piso de pedras portuguesas. Também rebaixou o meio-fio e sinalizou a calçada para demarcar o acesso de automóveis. Tomando como ponto de partida uma denúncia feita pelo condomínio vizinho, o Ministério Público do Estado instaurou uma ação civil pública em fevereiro, recentemente transformada em um processo na 6ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça. “Tratase, como resta evidente, de afronta notória empreendida por empresa de grande porte, em área revestida de enorme interesse público, cultural e social, tombada, para construir um puxadinho de alto padrão, que serve somente aos afortunados hóspedes e clientes de sua estalagem privilegiada”, escreve o promotor Carlos Frederico Saturnino, da 3ª Promotoria de Tutela Coletiva do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Capital.
A disputa judicial está apenas no começo, mas a disposição do MP é que o mosaico de Burle Marx em frente ao Windsor volte à forma original de 1970, quando foi produzido. A ação estabelece que o hotel reverta as alterações em, no máximo, noventa dias, sob a pena diária de 50 000 reais pela não obediência, no que se refere tanto à construção como à área do valet. Há ainda um pedido de indenização de 1 milhão de reais relativa ao período em que a irregularidade foi mantida, valor que deverá ser repassado ao Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano do governo estadual. Procurado, o hotel limitou-se a responder por meio de nota: “O departamento jurídico da Rede Windsor de Hotéis está ciente da ação e vai recorrer, tendo em vista que o projeto possui todas as licenças necessárias e está regularizado”. O promotor, por sua vez, reitera na ação que o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural teria autorizado as obras desde que o fechamento tivesse sido feito por vidro laminado transparente, que não afetasse a visibilidade do calçadão e permitisse a integração com os espaços internos e externos. Em vez disso, foi instalado vidro de base opaca, fechado por cortinas, o que cobriu completamente o desenho. Quanto ao rebaixamento e à delimitação da área para veículos, o MP declara que as intervenções não foram autorizadas.
Guardião das criações de Burle Marx, o escritório que leva seu nome acompanha com preocupação a manutenção das obras espalhadas pela cidade. No próprio calçadão há outras irregularidades, além das atribuídas ao Windsor. “Se olharmos uma foto dos anos 80 e a compararmos com uma atual, as diferenças são óbvias. Os restaurantes montam canteiros, formando trechos cercados, e já houve até o caso da instalação de um deque de madeira sobre os desenhos”, lamenta Isabela Ono, arquiteta que coordena o escritório. A feira de artesanato que ocupa a região também causa problemas, já que muitas das pedras são removidas para a fixação das barracas no piso. As obras de concessionárias de telefonia e energia e o estacionamento irregular de veículos são outros fatores que prejudicam o mosaico. Some-se a isso o fato de a qualidade do conserto feito atualmente ficar muito aquém do trabalho dos antigos calceteiros da cidade. Mesmo tombado e reconhecido como um importante patrimônio cultural, o mosaico desenhado por Burle Marx continua rodeado de ameaças.