Mulheres empoderadas como Richelly Galdino, Zoraida Feitosa e Alessandra Borba ocupam as redes e as ruas do Rio com seus corpos e suas bolsas de estomia na cintura não só no dia 16 de novembro, Dia Nacional da Pessoa Ostomizada, ou no Novembro Verde, mês da conscientização da estomia. Hashtags como #estomiasemtabu, #minhaestomianaomedefine, #estomizadaefeliz, #estomiasemrestrição, #nemtodadeficienciaevisivel vêm ganhando apoio e visibilidade, ressignificando estereótipos ofensivos em torno de pessoas com estoma.
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A estomia é uma cirurgia necessária quando o paciente tem alterações no intestino ou no trato urinário, devido a doenças ou malformação congênita. Após o procedimento cirúrgico, a pessoa passa a ter um estoma, orifício no abdome no qual se acopla uma bolsa de estomia, que pode ser de três tipos: colostomia (para o intestino grosso), ileostomia (para o intestino delgado) e urostomia (para a bexiga). Dependendo do caso, o estoma pode ser permanente ou temporário, fechado em outra cirurgia.
Richelly Galdino Machado, 40 anos, usa uma bolsa de colostomia desde 2018, quando tratou um câncer de cólon e uma endometriose. “Quando tive alta do hospital, saí sem nenhuma informação. O meu estoma estava retraído, minha pele ferida. Não sabia o que fazer, eu não conhecia os materiais das bolsas. Por muito tempo, não conseguia mais escolher roupas ou usar biquíni”, lembra ela, que já não se vê mais sem a bolsa: “Ela salvou a minha vida. Hoje é só alegria!”.
A mudança veio com o apoio de outras mulheres que passaram pela mesma situação. “Com o tempo, fui entendendo o que estava acontecendo comigo, e tive o amparo de outras estomizadas. Não é o fim do mundo. Pelo contrário: é o começo de uma nova vida, uma oportunidade de continuar trabalhando, namorando, indo ao cinema e fazendo tudo o que todo mundo faz”, afirma a balconista, que vai à praia, à piscina e usa qualquer roupa sem medo:
“Minha bolsa de estomia me traz segurança, porque se adapta a qualquer corpo – uma das principais demandas das pessoas com estomia. Graças ao produto certo e de qualidade, me sinto livre, mais mulher, mais linda!”.
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Hoje, não só se sente mais segura e empoderada – a foto é de um ensaio fotográfico que se deu de presente – como passou a ajudar outras pessoas: é coordenadora estadual (RJ) do Movimento Ostomizados BR e presidente da recém-fundada Associação Estadual de Pessoas com Ostomia do Rio de Janeiro (Aeporj).
Também para a enfermeira Zoraida Feitosa, 44 anos e estomizada há três, “o início foi bem difícil, sem aceitação, sem informação, sem chão”. Mas, ao ressignificar a vida, percebeu mais ganhos que perdas, e passou a também atuar na defesa dos direitos das pessoas com estomia: “A garantia de direitos é fundamental. Não aceito o papel de vítima”, diz a enfermeira de Rio das Ostras, que preside a Associação dos Ostomizados da Baixada Litorânea.
“Transformei a minha dor em aprendizado e principalmente em luta, por qualidade de vida não só para mim, mas para os que, assim como eu, tiveram suas vidas transformadas. A ostomia me salva todos os dias, porque tenho tantos propósitos que esqueço minhas dores e vou à luta”.
A insegurança e a falta de informação fazem com que muitas pessoas se privem de uma vida normal depois da cirurgia. Segundo Richelly, esse comportamento é reflexo da falta de debate social sobre o tema. Por lei, quem faz a cirurgia de estomia tem os mesmos direitos de pessoas com outras deficiências.
Muitas recém-operadas chegam à Aeporj por indicação médica. As participantes, principalmente antes da pandemia, eram atendidas nos principais hospitais do Rio. Agora, as atividades são individuais e/ou no ambiente virtual, focadas no acolhimento e no resgate da autoconfiança das mulheres que fazem a cirurgia de estomia.
O próximo passo da associação é conseguir o apoio de uma sexóloga e uma psicóloga para suporte sobre o autocuidado e retomada da vida sexual. Além disso, a equipe acredita que uma das formas de empoderar as mulheres se dá por meio da profissionalização. Para isso, vai disponibilizar cursos como o de maquiadora profissional, manicure e pedicure.
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A luta contra o preconceito é uma das principais ações do movimento dos estomizados. A costureira Bernadete da Silva, 49 anos, conta que, ao saber que precisaria de uma bolsa de estomia devido à retirada de um tumor no intestino, em junho, encarou tudo com tristeza, medo e vergonha. Começou a ver diferente ao conhecer a Aeporj. Segundo ela, conhecer outras mulheres com histórias parecidas lhe deu força para continuar a vida.
“Eu tinha muitas dúvidas! Depois da cirurgia, eu nem saía de casa. Passava dias e dias chorando. Achei que não suportaria essa condição. Hoje sei que não estou sozinha. São muitas trocas de experiências. Estamos sempre nos ajudando”, afirma a costureira de Vaz Lobo, Zona Norte do Rio.
Muitas pacientes entram em aflição no pós-cirúrgico devido à nova condição física, e saem do hospital sem nenhum tipo de suporte ou informação. “Existe a fase da negação, sim. É quase que um luto pela perda da funcionalidade. Além disso, muitas mulheres ficam inseguras com a aparência e a sexualidade, acham que a bolsa vai deixar cheiro desagradável. São muitos desafios que essas mulheres passam, e ainda precisam lidar com a imposição social por um padrão de beleza, quando, na verdade, deveriam estar sendo acolhidas”, afirma a psicóloga Jessica Ferraz, da Central Ativa, iniciativa da empresa Coloplast, que desenvolve produtos de saúde e oferece atendimento gratuito e personalizado a pessoas com estomia e/ou incontinência urinária.
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“É importante que as pacientes busquem mais contato com o corpo e a região próxima à cirurgia. Tocar mais a pele e normalizar esse novo corpo, cuidar da saúde mental por meio de ferramentas como a psicoterapia, grupos terapêuticos nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e terapias integrativas são fundamentais para a evolução dos pacientes.
Por lei, quem faz uma cirurgia de estomia tem os direitos de uma pessoa com deficiência. Mas como o recém-operado vai saber disso, se estamos em uma sociedade que ainda trata a estomia como um tabu?”, questiona.
Para a psicóloga, uma possível maneira de começar a lidar com essa nova realidade é, aos poucos, ir se tocando, buscando entender as novas condições do corpo e claro, investir em um tratamento de terapia.
* Lorena Paiva, estudante de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.