Pelo menos quatro vezes por semana, a desenhista industrial Natália de Oliveira, 26 anos, marca presença em uma academia de ginástica no Leblon, onde se esmera em lapidar as curvas com muita musculação e exercício aeróbico. Bonita e bem-sucedida, ela divide um apartamento com a irmã um ano mais velha no bairro da Zona Sul e trabalha no setor de marketing de uma empresa de tecnologia da informação. Em uma concessão à vaidade, acaba de passar por um implante de próteses de silicone nos seios. Com tal perfil, seria natural imaginar que, solteira e desimpedida, ela fosse cortejada por um séquito de admiradores interessados na vaga de titular de seu coração. E, de fato, cada vez que vai a um bar ou a uma boate, o que não faltam são pretendentes. O problema é que Natália não vê em nenhum deles “o” companheiro, aquele sujeito dedicado, amoroso, romântico e seguro de si, para quem simplesmente assistir a um filme nas noites de sábado ao lado da amada já é um programão. Neste ano, Natália vai passar o Dia dos Namorados em casa ? sem crise, pesar ou frustração. “Os homens hoje são imaturos e rejeitam qualquer compromisso, porque isso significaria abrir mão do que a vida tem de bom”, analisa. “Eles acham que para namorar é preciso deixar de ir ao Posto 12, à noitada. E, sinceramente, só de pensar em ter de convencer alguém do contrário já dá preguiça. Prefiro ficar sozinha.”
Do que elas reclamam…. e o que eles respondem
A designer que mora no Leblon não é um caso isolado. Nas duas últimas semanas, VEJA RIO ouviu trinta cariocas jovens, refinadas, elegantes e inteligentes que enfrentam dificuldades para encontrar o parceiro ideal. Parte do problema advém de uma circunstância demográfica. A realidade fria e contundente dos números dos últimos recenseamentos aponta um sensível desequilíbrio entre a quantidade de homens e mulheres na população. Assim como acontece em outras partes do Brasil, no Rio elas são maioria e perfazem 53% do total, enquanto eles ficam em 47% ? ou seja, de cara há um déficit de quase 400?000 homens, levando-se em conta apenas a capital fluminense. Da mesma forma, os índices de mortalidade entre jovens na faixa etária dos 15 aos 29 anos é bem maior na ala masculina do que na feminina ? uma consequência do abuso na velocidade ao volante, do comportamento mais atirado e da violência urbana de maneira geral, fatores que vitimam mais rapazes que moças. Um terceiro componente se junta ao conjunto: a opção sexual. O Rio é a cidade do país que concentra proporcionalmente a maior soma de lares com casais homossexuais. Oficialmente, existem aqui aproximadamente 5?000 homens que escolheram dividir o teto e a vida amorosa com um companheiro do mesmo sexo. Esse contingente, claro, é bem superior. “A situação está bem complicada e os homens, é óbvio, tiram proveito da oferta maior que a procura. Basta olhar para a quantidade de campanhas de festas e casas noturnas voltadas para o público feminino, predominante nesses lugares”, diz Larissa Lopes, especialista em marketing promocional, sem namorado há três anos.
O fator numérico, apesar de importante, está longe de explicar isoladamente tamanha disponibilidade de tantas mulheres interessantes. O fenômeno é decorrência de drásticas transformações históricas e sociais que alteraram os padrões sociais e de relacionamento. Desde a popularização da pílula anticoncepcional, há quase cinquenta anos, as mulheres consolidaram sua presença no mercado de trabalho, viram a renda crescer e conquistaram o direito de fazer o que bem entendessem de sua vida sexual. A própria ideia do namoro como etapa que antecede o casamento foi subvertida em novos formatos de relacionamento capazes de abrigar o sexo sem compromisso ou a exclusividade de parceiro (veja a crônica de Joaquim Ferreira dos Santos na pág. 39). De figuras frágeis, à espera da abordagem masculina, as mulheres partiram para um papel mais ativo, em que escolhem e interpelam, elas mesmas, os pretendentes, às vezes de forma voraz. É o que se chama na noite carioca de shark attack, ou ataque do tubarão, em português. Trata-se de uma tática em que métodos de sedução clássicos, como se fazer de difícil e recusar certas intimidades no primeiro encontro, estão absolutamente fora de questão. “O problema é que, com comportamentos como esse, os homens acham que todas as mulheres são fáceis e disponíveis, o que não é verdade”, afirma a administradora de empresas Juliana Cazarzim, 24 anos, e há pelo menos um em busca do seu príncipe encantado.
A angústia vivida pelas cariocas que buscam mas não acham um namorado tem nome e definição. No início da década, o sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman cunhou o termo “amor líquido” para definir a instabilidade que a atual geração vive em seus relacionamentos. Cada vez mais flexíveis, os vínculos afetivos geram, na opinião de Bauman, níveis de insegurança sempre maiores e uma enorme dificuldade para manter laços a longo prazo. Em uma cidade como o Rio, onde vigoram uma cultura de tolerância e até certa permissividade, é natural que os padrões de comportamento sejam mais elásticos e maleáveis. Muitos dos que vêm de fora estranham. A estudante de direito Mariana Jasmin, 21 anos, nascida em Rio Bonito, interior do estado, adora as festas, os bares e todo tipo de lazer, mas ainda hoje se ressente de um relacionamento frustrado com um médico de 34 anos. “Ele tinha enorme resistência a assumir nossa relação como um namoro, um relacionamento sério, até que optei por terminar porque achei que era mais imaturo que eu”, conta ela.
Muitas das mulheres que hoje são independentes financeiramente e têm a possibilidade de fazer o que bem entendem sonham justamente com homens de perfil mais tradicional, com qualidades como fidelidade, discrição, estabilidade e maturidade emocional. Basta levar em conta uma enquete a respeito dos ídolos das moças ouvidas nesta reportagem para identificar justamente atores, esportistas e celebridades que seguem esses padrões e são típicos bons moços (veja o quadro à esquerda). De certa forma, eles materializam os dotes de lorde Fitzwilliam Darcy, personagem criado pela escritora inglesa Jane Austen em Orgulho e Preconceito, de 1813, e recentemente modernizado como Mark Darcy por Helen Fielding em o Diário de Bridget Jones. Sociólogos, antropólogos e psicanalistas não hesitam em conectar essa idealização de um parceiro praticamente inacessível a um desconforto com as recentes rupturas na lógica dos relacionamentos. “A conquista de toda essa liberdade acabou criando uma contradição. De um lado as mulheres estão mais independentes, de outro, tornaram-se extremamente exigentes na escolha do homem com quem querem viver ou estabelecer um compromisso. O felizardo tem de valer muito a pena”, explica a antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg.
Isso significa que uma legião de mulheres lindas está fadada a ficar solteira para sempre ou penar em busca do parceiro ideal? Não necessariamente. Quem estuda relacionamentos dá por certo que vivemos uma fase de adaptação, abalada por terremotos e tsunamis na forma como as pessoas encaram a maneira de se relacionar com os outros, mas que inevitavelmente chegará a uma fase de acomodação. “Tanto as mulheres quanto os homens ainda estão tentando entender as próprias emoções e o que querem de fato. A tendência é que com o tempo essas arestas sejam aparadas”, acredita a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) da Universidade de São Paulo. Com isso, é bem provável que boa parte das moças retratadas nesta reportagem esteja acompanhada na comemoração do Dia dos Namorados do ano que vem. Pelo menos, essa é a nossa torcida.