Museus de grandes novidades: a realidade pós-pandemia
Sem data definida para reabrirem, instituições cariocas começam a se reposicionar diante das limitações impostas pela cartilha de segurança contra o vírus
Grandes museus do mundo reabriram suas portas com o rico acervo de sempre, mas de um jeito diferente, adaptados à vida pós-coronavírus. Em Madri, o Prado reorganizou sua coleção diante da necessidade de reduzir o fluxo, agora limitado a 1 800 pessoas por dia, um terço da frequência de antes. O Reina Sofia, também na capital espanhola, já avisou que estes tempos serão sem exposições de maior porte, para evitar longas filas. De volta à ativa no dia 6 de julho, o Louvre exige agora que as visitas sejam agendadas com antecedência e instituiu o uso obrigatório de máscara em todos os ambientes.
A retomada das atividades culturais nos países europeus, à frente do Brasil na batalha contra a pandemia, vem sendo acompanhada com atenção pelas instituições do Rio, que, a princípio, passam a funcionar no fim de julho, embora tudo possa acontecer nesse cenário de tantas imprevisibilidades. Certo é que os desafios serão muitos. Para garantir um programa prazeroso e seguro ao mesmo tempo, um ponto fundamental é a adoção de normas para a circulação dentro dos espaços, como já se vê na Europa. A ideia é criar trajetos de mão única para que não haja engarrafamento de pessoas e, com isso, se aumente o controle.
O tempo de visitação também será limitado. “Ao montarmos uma exposição nos dias de hoje, teremos de construir a narrativa dela levando em conta a nova realidade”, diz Sueli Voltarelli, gerente-geral do Centro Cultural Banco do Brasil. Com uma programação que costuma arrastar multidões – foram 2,6 milhões de visitantes em 2019 -, o CCBB tem feito uma série de estudos com engenheiros e a brigada de incêndio para quando as portas se abrirem.
Os museus estão se replanejando com base em um protocolo do Conselho Internacional de Museus e em recomendações da Organização Mundial da Saúde, que inspiraram um documento do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), com orientações e medidas bem práticas de prevenção ao contágio.
São ações como uma rotina mais assídua de higienização e limpeza de acervos e áreas comuns, disponibilização de álcool em gel (hoje item básico), ingressos eletrônicos com hora marcada, redução de pessoas circulando no mesmo horário e uso de máscara ó que, assim como fez o Louvre, deverá ser obrigatório. “O mais importante neste momento é pensar o retorno observando as características de cada espaço e suas reais condições de adaptação”, ressalta Pedro Mastrobuono, presidente do Ibram.
Em meio a toda essa repaginação, mostras interativas estão, por ora, descartadas no MAM. Felizmente, a escala monumental do museu, desenhado pelo mestre modernista Affonso Eduardo Reidy, com enormes vãos livres, salas amplas e jardins, facilita visitas com distanciamento social. As últimas exposições por lá, dos Irmãos Campana e de Wanda Pimentel, forma inauguradas em 14 de março, mas, dadas as circunstâncias pandêmicas, ficaram somente um dia em cartaz. O diretor Fabio Szwarcwald aguarda a data em que poderá reabri-las, enquanto põe no papel projetos para mais programação a céu aberto, como sessões de cinema com o acervo da cinemateca.
Os próprios acervos estão se expandindo de modo que possam acolher arte inspirada neste estranho momento que atravessa a humanidade. Nos Estados Unidos, diversos museus têm adquirido obras produzidas em meio ao confinamento. O Autry Museum of American West, em Los Angeles, comprou o diário de uma criança no qual ela reflete, em desenhos e frases, o tédio depois do cancelamento das aulas. A peça integra uma coleção que está sendo formada para retratar como o povo da Costa Oeste americana enfrentou esta crise. O Museu de Arte do Rio (MAR) segue caminho semelhante: quer adquirir peças para a mostra Casa Carioca, sobre os lares na cidade – agora transformados. “Estou conversando com artistas para trazer esse ângulo para a mostra. É nossa missão registrar a história”, afirma o diretor do MAR, Carlos Gradim.
Trabalhos de grandes nomes da arte brasileiros, como Carlos Vergara e Luiz Aquila, realizados em meio à quarentena, também já têm lugar garantido. Vão ser exibidos na Casa Roberto Marinho, que vem fazendo entrevistas com artistas sobre o atual cotidiano. Sem receber recursos públicos desde o início do ano, o Museu do Amanhã, da Prefeitura, está cauteloso – como outros que ficaram à míngua enquanto as roletas não giravam. Parceira do Museum of Tomorrow International (MOTI) e integrante da aliança Forms (sigla em inglês para Future Oriented Museum Synergies), a entidade tem observado experiências no exterior para tentar recuperar o tempo perdido. “Temos nos mantido através de patrocinadores privados, mas sem receitas de bilheteria e eventos”, conta Roberta Guimarães, diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Gestão, que administra o museu. “Na volta, vamos analisar o impacto da diminuição de público no orçamento. A reabertura, por isso, será lenta e gradual.”
Os museus necessariamente terão de se mexer para se reposicionar diante das limitações impostas pela cartilha de segurança contra o vírus: afinal, receberão menos visitantes e precisarão frear por tempo ainda não definido as megaexposições, um prato cheio para aglomerações.
Mas a crise pode se converter em oportunidade, como às vezes acontece. “Entendemos que abriu-se uma janela para os nossos museus repensarem seu papel e refletirem sobre como se manterão instituições acolhedoras e relevantes”, diz Mastrobuono, do Ibram. Não há dúvida de que estamos pondo os pés (ainda timidamente) em um admirável mundo novo.