Por quase uma década, o engenheiro de produção Marco Fisbhen, de 32 anos, foi apenas o Tio Marco, professor de física muito popular entre os alunos do colégio e do curso pré-vestibular pH. Lecionar havia sido sua principal ocupação desde os tempos de faculdade, até que, dois anos atrás, decidiu ter o próprio negócio. Sua proposta era preparar, pela internet, jovens para a prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Seguindo um modelo americano, Fisbhen gravava microaulas temáticas de até cinco minutos em vídeo e as divulgava no YouTube. Os interessados pagavam mensalidade de aproximadamente 20 reais pelo serviço. Assim nasceu o Descomplica, um projeto que, de imediato, chamou a atenção de investidores especializados em aplicar recursos em pequenas empresas de tecnologia. O primeiro aporte, de valor não revelado, foi feito pelo Gávea Angels, um fundo carioca. Em setembro do ano passado, às vésperas do exame, as aulinhas atraíram 600?000 interessados, número que deve dobrar neste ano, pois 80% dos alunos-clientes tiveram nota acima da média nacional. Agora, um segundo fundo de investimento, este de origem americana, está apostando na novidade, e grandes companhias, como Natura e Vivo, já aderiram como patrocinadoras. Fisbhen dedica-se quase integralmente ao novo trabalho, e as aulas no cursinho se restringem a duas horas semanais. “É apenas para manter o contato direto com os alunos, porque é a empresa que paga minhas contas”, diz.
O site Descomplica não nasceu em uma garagem nem em um dormitório universitário – na verdade, foi criado em uma salinha do playground do prédio de Fisbhen, no Jardim Botânico, onde funciona até hoje. Mas compartilha do mesmo DNA que deu origem a colossos como Microsoft, Apple, Google e Facebook, essas, sim, frutos dos subúrbios e universidades dos Estados Unidos. Seu início segue a fórmula básica que junta uma ideia inovadora, profissionais entranhados nos meandros do universo digital e providenciais injeções de recursos fornecidos por investidores que apostam seu dinheiro em negócios da internet. Da mesma forma que aconteceu com o portal de vídeos do Tio Marco, um punhado de outras microcompanhias virtuais começa a dar os primeiros passos por aqui (confira os exemplos nos quadros ao longo desta reportagem). A cidade se transformou em um vibrante berçário de startups – a palavra inglesa para designar essas pequenas firmas da área de tecnologia – e rivaliza com o estado de São Paulo quando o assunto é volume de recursos investidos. Segundo um levantamento do setor, dos 5,5 bilhões de reais aplicados nesse tipo de negócio no Brasil, 2,5 bilhões vieram para cá. “O Rio tem características muito especiais, que acabam transformando-o em um importante catalizador para esse tipo de iniciativa”, explica Jeff Brody, sócio da Redpoint, investidora americana recém-chegada ao país, onde planeja aplicar 200 milhões de reais até 2013.
Aclamado como um dos principais especialistas em negócios voltados à inovação digital, o americano Paul Graham, pioneiro entre os empreendedores do Vale do Silício, na Califórnia, costuma dizer que há condições muito específicas para que uma cidade ou região se torne solo fértil para a germinação de negócios digitais. De acordo com ele, o empreendedorismo virtual só tem condições de florescer na presença de dois elementos cruciais: o nerd e o rico. Nesse sentido, o Rio está entre os poucos lugares do planeta com o caldo primordial perfeito para tal ramo de atividade. As universidades cariocas oferecem 155 cursos de graduação e pós-graduação em áreas tecnológicas (engenharia, física, química, computação e negócios), de alta qualidade, ante apenas noventa em São Paulo. Concentra ainda sete parques tecnológicos, contra somente três em Campinas e dois em Porto Alegre e no Recife. Grandes centros de pesquisa, como o do gigante de softwares e computadores Cisco – que planeja investir 1 bilhão de dólares em três anos – ou da IBM, estão em fase de instalação e começarão a operar em breve. Portanto, nerds não faltam. E, para custear suas ideias e soluções originais, as ruas do Leblon e de Ipanema abrigam mais da metade dos fundos de pensão e private equity do país, além de mais de 40% das gestoras de recursos brasileiras, o que equivale a uma fortuna de 645 bilhões de reais pronta para ser aplicada em boas oportunidades.
Como uma espécie de bônus, a capital fluminense tem ainda um estilo de vida informal, despojado e propício a devaneios criativos, muito parecido com o ambiente californiano. Foi justamente essa combinação de fatores que levou os três sócios do site de compras coletivas Peixe Urbano a escolher o Rio para sediar a empresa, criada em novembro de 2009 e hoje considerada uma das grandes revelações da internet brasileira, com mais de 20 milhões de usuários cadastrados em todo o país. Ironicamente, nenhum dos fundadores é carioca – os economistas Júlio Vasconcellos e Emerson Andrade nasceram, respectivamente, em Brasília e em Curitiba, e o programador Alex Tabor veio da Califórnia. “A Zona Sul tem uma espécie de vocação natural para o encontro, muito semelhante ao que ocorre com a cidade de Palo Alto, onde é comum se sentar em um bar e puxar papo com o criador do Skype, por exemplo”, compara o brasiliense do grupo.
Um passeio pelos dois prédios que a empresa 21212 ocupa em Botafogo revela o tipo de ambiente em que as novas ideias prosperam e viram dinheiro. No primeiro, funciona o negócio em si, especializado em estruturar a expansão de outras startups. A cada semestre, dez novos empreendimentos são selecionados pelos oito sócios e funcionários, com idade entre 26 e 40 anos. Uma vez escolhidos, seus donos cumprem um programa intensivo de quatro meses, com aulas diárias de negócios, oratória, direito empresarial e toda sorte de habilidade necessária a um empresário do mundo digital. Ali, as mesas de trabalho são feitas de placas de madeira (reciclada) apoiadas em cavaletes, todas equipadas com computadores Apple estalando de novos. As salas coletivas são brancas e a única a destoar do cenário é a destinada a reuniões – o piso é revestido de grama sintética. “A ideia é justamente mostrar que a aparência do lugar não importa, e sim os conceitos que são desenvolvidos aqui dentro”, afirma Marcelo Sales, um dos sócios da 21212, cujo nome vem da associação dos códigos telefônicos do Rio e de Nova York, uma referência à cidade onde vivem os sócios que providenciam os dólares para manter as engrenagens funcionando.
Do outro lado da rua, o espaço é alugado a oito startups, entre elas a Resolve Aí, que desenvolveu um programa para localização de táxis a partir de um único aplicativo para celular. Ao entrar no edifício, esqueça o estereótipo do nerd com aparelho nos dentes e óculos de aro grosso. Nesse território, o figurino é majoritariamente composto de bermuda, chinelos e camiseta. Instalada no meio do escritório, reina uma geladeira, sempre abarrotada de latas de cerveja e energético, combinação que embala as longas noites de cálculos, algoritmos e programação da moçada. “O bom é que aqui fica todo mundo junto, compartilhando problemas e, principalmente, soluções”, diz Gabriel Santos, sócio do empreendimento, que acaba de lançar seu programa em Brasília e, em agosto, começa a implantá-lo no Rio e em São Paulo. Ao todo, contabilizado o prédio inteiro, cerca de quarenta jovens trabalham no lugar. Apenas seis são mulheres. Conclusão: o visual mudou, mas a velha dificuldade dessa turma com o sexo oposto permanece.
Pelo sucesso e poder de inovação, o Vale do Silício e sua peculiar cultura são, sem sombra de dúvida, uma referência constante dessas companhias. Na tentativa de repetir o feito de seus principais ícones, algumas delas começam a jornada reproduzindo o ambiente de trabalho encontrado nas sedes do Yahoo! e do Google. Surgida há dois anos, a Xangô funciona em uma ampla cobertura no 13º andar de um prédio na Rua Siqueira Campos, em Copacabana. No apartamento de 1?200 metros quadrados, 63 funcionários (entre eles, quinze estrangeiros) têm à disposição comodidades como mesa de pingue-pongue, TV com videogame e um espaço para refeições com um vistão de toda a praia. Quando não estão disputando uma partida do joguinho Fifa 2012, eles se dedicam a atividades tão complexas quanto desenvolver antivírus para computador ou sistemas de armazenamento remoto de dados em cloud computing (computação em nuvem). Entusiasmado com o bom momento do país, seu fundador, o engenheiro Marco de Mello, 42 anos, voltou à cidade natal depois de duas décadas nos Estados Unidos. Desembarcou acompanhado dos sócios americanos Ram Rao e Ben Myers, que se mudaram com a família. “Tente convencer um gringo a morar em São Paulo e perceberá que não há dinheiro capaz de trazer o sujeito”, brinca. “Mas mencione Ipanema para ver o que acontece.”
Assim como tentam recriar por aqui o vestuário, o vocabulário e a rotina de trabalho de seus pares americanos, os nerds cariocas também começam a realizar eventos e atividades que só são conhecidos dos leigos por aparecer em filmes como A Rede Social, versão romanceada da criação do Facebook. É o caso das Hackathons, maratonas em que programadores competem entre si para solucionar desafios complexos. Há ainda encontros como o Geeks on Beer, normalmente realizados em torno de uma mesa de bar, ou ainda o Geeks on a Plane, em que recebem visitantes estrangeiros para reuniões de trabalho e diversão, iguaizinhas às que acontecem em Palo Alto. Talvez eles não sejam tão bonitos quanto os surfistas do Leblon, nem charmosos como o pessoal do teatro, mas ninguém deve desprezar o valor dessa turma. Eles podem valer centenas de milhões daqui a alguns anos.