Por sete anos, não houve assunto na cidade que não passasse pela realização dos Jogos Olímpicos. Tudo girou em torno do maior evento esportivo do planeta, que se materializou em mudanças radicais na paisagem urbana carioca. Agora, com o encerramento da festa, entramos em outra etapa de nossa história, a do pós-Olimpíada. VEJA RIO convidou nove personalidades para escrever sobre as perspectivas que temos pela frente
A agenda perdida
Eduarda La Rocque, economista, presidente da associação sem fins lucrativos Cariocas em Ação
Em 2010, no prefácio do livro Rio: a Hora da Virada, seus organizadores, Fabio Giambiagi e o nosso saudoso Andre Urani, listaram as principais razões para a revitalização do Rio: o tardio alinhamento das três esferas de poder pelo desenvolvimento do nosso estado, o que não acontecia desde o tempo em que deixamos de ser a capital do país; o boom do óleo e do gás, com destaque para a suposta preocupação dos governos de deixar um legado efetivo para as gerações futuras; e um grande resgate da cidadania. Seis anos depois da euforia por termos tido a chance de organizar a primeira Olimpíada da América do Sul, chegamos aos Jogos desesperançados, num tremendo mau humor. Restava-nos a cidadania. Conseguimos recuperar o ânimo e o orgulho de sermos cariocas pelo clima de festa que se instalou na cidade e pela percepção dos ganhos trazidos por importantes obras de infraestrutura urbana.Mas e depois? Temos de encarar a perda da oportunidade de traçar um caminho sustentável para a nossa metrópole. Faltaram resiliência, integração entre as políticas públicas e um modelo de gestão de riscos urbanos. Sobrou hardware e faltou software. Apostaram-se todas as fichas num modelo de desenvolvimento concentrado na indústria do petróleo, com valores superestimados de receita, que não economizou em obras de grande porte, sem o planejamento nem o cuidado necessários, especialmente com as pessoas. O Estado seguiu uma lógica a partir da política de segurança pública — condição necessária para a retomada de um ambiente favorável aos negócios — que não foi acompanhada pela prefeitura, que optoupor uma expansão rumo à Zona Oeste, em vez da alternativa mais em conta de renovar a infraestrutura já existente na Zona Norte. Prometeu-se a volta do Estado Democrático de Direito aos moradores das favelas, que hoje vivem sem esperança, depois de tantas promessas não cumpridas dos nossos políticos, entre o poder retomado dos traficantes, da milícia e de outros “donos do morro”.É importante, no esporte, na carreira, na vida — e também na gestão urbana e do país — que se tenha uma ou mais metas a atingir. A essência do problema, não só aqui, mas no mundo inteiro, é que estamos perseguindo a meta errada, o PIB per capita. Vivemos, pobres e ricos, numa situação de baixíssima qualidade de vida, principalmente por causa da insegurança, hoje o maior desafio no mundo. A violência advém da intolerância e da desigualdade de oportunidades. Os governos têm de ser avaliados pela qualidade dos serviços que de fato chegam à população, e não apenas pela cobertura que oferecem. Sabemos do abismo que existe entre uma coisa e outra, devido ao desperdício, à má gestão e à falta de instrumentos adequados de avaliação e de controle social. A Olimpíada trouxe ao Rio um enorme investimento econômico, e o que vamos avaliar no futuro próximo é como se pode mensurar esse investimento em termos de qualidade de vida para a população.
O show é o carioca
Luis Justo, engenheiro e CEO do Rock in Rio
Como em todo bom espetáculo, o efeito-surpresa foi fundamental. Em 5 de agosto, revelou-se no Maracanã um novo Rio, até então escondido pelo mosquito, pelos anos de obras e pelo mau humor, fruto da pior crise político-econômico-moral de nossa vida. Também tinha minhas dúvidas se conseguiríamos deslumbrar o mundo, mas o grande feito foi surpreender os maiores críticos de todos: nós mesmos, os cariocas.Cinco bilhões de pessoas ficaram boquiabertas com a genial cerimônia de abertura que mostrou nossa cidade e nosso país em toda a sua pluralidade cultural, mas de uma forma sofisticada. Exibimos nossa alegria, nossa favela, nossa sustentabilidade, nossa Gisele e nosso Jobim. Mas apontamos também para o futuro, para o moderno e para a diversidade genuína e autêntica do Rio, para um mundo aterrorizado que clama por coexistência.Não é papel de uma Olimpíada resolver os problemas sociais de uma cidade. Ela não substitui os políticos nem a nós, cidadãos, empresários e trabalhadores, que devemos ser os protagonistas da mudança. Mas ela trouxe um statement para fora e, principalmente, para dentro de casa: quando a gente quer, a gente faz direito. Esse orgulho é o maior legado.O Rio para mim pode ser o novo Uber, o novo Airbnb. A ruptura que vivemos na era da economia da experiência devemos levar para o turismo. O Rio pode e deve se tornar a Capital Mundial da Experiência. O hardware está pronto: uma nova rede hoteleira, um sistema de transporte impecável, museus de primeira linha, um boulevard de dar inveja a qualquer zona portuária do mundo. Sem falar do cenário natural, bonito por natureza. Mas isso, por si só, dezenas de outras cidades turísticas também têm. O que elas não têm é o nosso “peopleware”. O carioca, o Jobi, a Lapa, o Maraca em dia de jogo, o Baixo Gávea, o Carnaval, um dia de praia clássico em Ipanema. A experiência de ser carioca por uma semana é a maior venda que nossa cidade pode ter, e, certamente, depois da Olimpíada, teremos milhares de embaixadores pregando isso mundo afora. Agora é com a gente: parou o mimimi e ‘bora trabalhar.
A fonte da juventude
Marcelo Neri, economista, diretor da FGV Social e Professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE/FGV) https://www.fgv.br/fgvsocial
O Rio de Janeiro não é uma cidade de jovens, mas de idosos, igualmente bronzeados. Entre as 27 capitais brasileiras, temos a segunda maior parcela de idosos e de renda da Previdência (25,4% do total). Dos benefícios previdenciários recebidos pelos cariocas, 92,1% superam o salário mínimo. Perdemos nesse quesito apenas para Florianópolis e Vitória. Somos a Flórida brasileira, ícone dos idosos americanos. A fonte da juventude, como na lenda de Ponce de Léon, parece estar aqui, mas gera vulnerabilidades. Em 2024, a parcela de idosos cariocas vai superar a daqueles com até 15 anos.Quanto menor a quantidade de crianças, melhor deve ser a sua formação. O Rio deve aproveitar o estágio avançado de sua transição demográfica para revolucionar o desenvolvimento infantil. Cuidar melhor das nossas crianças, proporcionar-lhes uma educação de qualidade e mais creches. Felizmente essas são tendências em curso. A meta é oferecer educação integral para 35% da rede de ensino municipal até o fim deste ano. Chegou a hora de mirar a máxima de “toda criança na escola integral”, e não se satisfazer com a jornada mínima legal de quatro horas diárias de ensino. A proporção de crianças de 0 a 4 anos em creches subiu 23% desde o anúncio olímpico, sendo 87% desse salto coberto pela rede municipal. A creche tem um duplo sentido. Ela cuida do futuro das crianças produzindo retornos sociais sem comparação no portfólio de políticas sociais, mas também libera a mãe para o mercado de trabalho, condição essencial, dada a transição demográfica em curso. A renda das mães com creche aumenta 120 reais por mês. O estuário de jovens cariocas são as favelas, onde a educação é a pior, e que deveriam ser torrentes de talentos. A nossa menina de ouro Rafaela Silva, da Cidade de Deus, ilustra todo esse potencial. Há outro no contingente de cariocas com boa formação educacional morando em outras terras. Promover o retorno dos filhos deste solo é essencial. Também é necessário aproveitar o delta dos Jogos Olímpicos como atração de talentos estrangeiros. Depois de descermos do Olimpo, temos de aprender a fazer ascender a nossa juventude — a real, a que interessa ao futuro do Rio.
Jogos de transição
Ronaldo Lemos, advogado e professor, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio)
O maior legado da Olimpíada carioca não será municipal, estadual nem nacional. Será um legado mundial. Os Jogos no Rio deixam claro que o modelo dos megaeventos se tornou insustentável tanto do ponto de vista político quanto do econômico.Andrew Zimbalist, economista especializado em esportes, mostra no seu livro Circus Maximus que uma Olimpíada custa entre 10 e 20 bilhões de dólares e o retorno não ultrapassa os 5 bilhões (além de deixar custos exorbitantes de manutenção das estruturas construídas). A consequência é que se torna cada vez mais difícil encontrar países interessados em receber esses megaeventos, especialmente no mundo desenvolvido. Todas as quatro cidades europeias que enviaram propostas para a Olimpíada de Inverno de 2022 retiraram sua candidatura. Sobraram Almaty (Cazaquistão) e Pequim, que venceu. Para a Olimpíada de 2024, Boston e Hamburgo também voltaram atrás em sua candidatura depois de protestos e resistência dos moradores.Ao mesmo tempo, entre 2008 e 2018 todos os Brics terão organizado ao menos um megaevento (sendo que o Brasil e a China terão realizado dois). Isso só agrava a situação, porque os custos nesses países são muito maiores pela falta de infraestrutura e por causa dos recursos mais limitados. Sem contar fatores como a instabilidade política.Nesse contexto, o próprio COI já fez mudanças. Em 2014, lançou quarenta propostas focando temas como eficiência, redução de custos, transparência e, sobretudo, sustentabilidade. No entanto, há outras possibilidades de reforma na mesa. A jornalista Megan Greenwell escreveu artigo recente na revista Wired propondo que os Jogos deveriam ser divididos entre vários países.Isso permitiria um enorme ganho de eficiência e redução de custos. Nações que já têm infraestrutura para um determinado tipo de esporte atuariam como sede daquela modalidade. Esse modelo já vai ser implantado na Eurocopa de 2020, que se dividirá entre vários países-sede.Outro elemento é o uso da tecnologia e da inteligência. Em vez de elefantes brancos, deve-se privilegiar o compartilhamento de infraestrutura e o modelo de “economia colaborativa”. Um exemplo é o acordo firmado pela empresa Airbnb, o “fornecedor oficial de acomodação alternativa” para os Jogos do Rio, com 20 000 opções de hospedagem na cidade. O impacto é tão relevante que a empresa foi incluída diretamente na plataforma de ingressos da Rio 2016. Tal modelo permite também que o dinheiro circule entre os habitantes da cidade, não apenas entre empreiteiras e algumas poucas empresas.O modelo empregado pela Olimpíada do Rio é uma transição, pois emanou diretamente da crença na riqueza do petróleo, do delírio que tomou conta do país em torno do pré-sal, e também adota novas soluções. Os próximos megaeventos serão derivados de outros modelos econômicos mais inteligentes, em que valores como sustentabilidade, eficiência e tecnologia serão os diferenciais.
Quase milagre
Sérgio Magalhães, arquiteto e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
Realizar uma Olimpíada não é tarefa fácil nem barata. Todos sabiam disso desde quando, pela primeira vez, ainda nos anos 1990, colocou-se a candidatura brasileira. Reiterada uma segundae uma terceira vez, a iniciativa, afinal, saiu vitoriosa em 2009.Nesses sete anos tudo mudou. O mundo, o Brasil, o Rio e nós mesmos. O que era otimismo virou temor, o que era sólido se esfarelou no ar. O tempo, a que o brasileiro tem a pretensão de enganar, continuou como sempre e foi implacável. E chegamos aos Jogos sem fôlego, à beira de um ataque de nervos.Valeu a pena a Olimpíada?Quanto ao evento, embora uma obra em progresso, o resultado tem sido positivo. Os equipamentos funcionam. As ações que neles se realizam, a meta de uma Olimpíada, foram espetaculares. A começar pela festa de abertura, um encantamento comprometido com o planeta e com as pessoas. E o desempenho dos atletas tem sido um bálsamo. Como não ficar emocionado à frente da nossa dourada Rafaela, de sobrenome Silva, e da Cidade de Deus?Quanto aos resultados para a cidade, são díspares. Cumpriu-se o amplo roteiro de obras (ou quase). O Centro está muito melhor. O povo se apropriou dos novos espaços, em uma área que, para mim, é o instrumento mais poderoso para fortalecer a cidade metropolitana e reduzir o modelo de expansão predadora do território, uma das bases da desigualdade urbana. Faltaram a despoluição da Baía de Guanabara, a qualificação das linhas de trem e o chamado maior legado social, a plena urbanização das favelas.No bojo da crise monumental que dura anos, é quase milagrosa a realização da Olimpíada — ainda que com graves questionamentos. Para o Brasil, fica um bom legado dos Jogos: a demonstração de que é possível congregar esforços e criar sinergia desde que haja metas bem definidas e compartilhamento de objetivos. Tudo o que o país tem com grande escassez.Tal legado será útil para o Rio se quisermos enfrentar responsavelmente o desafio desta geração: redesenhar a cidade e o sistema urbano brasileiro para garantir nossos compromissos quanto ao clima, ao planeta e à vida urbana — no momento em que o país construirá novos 30 milhões de moradias (hoje são 60 milhões). Como as faremos? Os Jogos de 2016 valerão a pena por muito tempo — desde que saibamos ver.
O poder do esporte
Isabel Salgado, ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei, disputou duas Olimpíadas (1980 e 1984)
Como não sou economista e nada entendo de finanças públicas, não me sinto habilitada a falar aqui da equação custo/benefício em relação ao legado dos Jogos Olímpicos. Adoro o Rio, e ver a nossa cidade tão bonita me dá muita alegria. Existe, entretanto, um outro legado, imaterial, e é desse que eu gostaria de falar. Vivenciar uma Olimpíada em seu país é bem diferente do que só vê-la pela televisão. Dessa forma, temos a possibilidade de, através do esporte, nos olhar e constatar quanto aprendemos com ele. Esse pode ser um momento de reflexão para redefinirmos qual o papel do esporte na sociedade brasileira, não com o objetivo de sermos uma nação de grandes atletas, mas sim sobre a força que ele pode trazer para a educação. Todos sabemos que a prática esportiva traz valores indispensáveis para a formação de um indivíduo, como noções de ética, justiça, sentido de coletividade, compromisso, respeito às regras e mais um sem-número de aspectos que têm feito tanta falta em nosso país.Então por que não aproveitar o esporte em sua total potencialidade? Dizer que educação é a base de uma sociedade não é suficiente; temos de acreditar nisso e promover mudanças concretas na nossa maneira de educar. Claro que não acredito que o esporte, por si só, vá resolver os problemas da educação no Brasil, mas tenho certeza de que ele constitui uma das mais importantes ferramentas para esse fim.O simples ato de assistir a uma competição esportiva pode nos ensinar muita coisa sobre a vida em sociedade – e a Olimpíada nos mostrou isso. Vimos a honestidade do esgrimista Jiri Beran, da República Checa, que perdeu a chance de avançar na competição ao pedir ao juiz a anulação do ponto que o beneficiaria. Assistimos à perseverança de Diego Hypólito na conquista de sua medalha depois de duas Olimpíadas frustrantes. Constatamos a humildade demonstrada pelo nadador de Singapura depois de vencer seu ídolo Michael Phelps. Vimos as suecas parar de comemorar para consolar as colegas da seleção de Marta. Celebramos a quantidade de atletas declaradamente homossexuais, tornando essa Olimpíada emblemática nessa questão tão importante que é a liberdade de sexualidade, na contramão de um movimento homofóbico crescente em nosso país. Depois desta Olimpíada, essa questão não poderá mais ser ignorada.Temos neste momento único uma oportunidade de ressaltar essa herança que pode ser determinante para a construção de uma nação mais justa e feliz. A Olimpíada realizada aqui nos dá a chance de perceber quanto ainda estamos distantes de um ideal de educação. Praticar esporte nos fortalece não só fisicamente, mas sobretudo eticamente. Dessa maneira, temos a oportunidade de dar ao mundo o melhor de nós mesmos.
Tudo igual, mas diferente
Felipe Bronze, chef, premiado como o melhor do ano pelo especial Veja Rio Comer & Beber 2016
Era um sábado, e eu não vou esquecer jamais a sensação. Peguei pela primeira vez o metrô em direção à Barra da Tijuca e percorri um trajeto de aproximadamente 45 minutos em pouco mais de dez. Não fui o único emocionado: meu vagão inteiro aplaudiu quando, com o trem saindo do túnel, descortinou-se um pedaço da Lagoa de Marapendi. O legado da Olimpíada é inquestionável. O que vem pela frente depende de nós. E isso é o mais inquietante.Ganhamos muito mais do que algumas medalhas. Ganhamos realizações concretas que irão, sim, melhorar a vida de todos. E não falo apenas da prefeitura do Rio, que, gostem ou não, fez um trabalho histórico. Temos um belíssimo projeto para o fim do desperdício de alimentos, o Refettorio Gastromotiva, parceria entre um chef italiano de fama planetária, uma jornalista paulistana globetrotter e um obstinado curitibano que, juntos, escolheram o Rio (mais especificamente a Lapa profunda, aonde os olhos da cidade não chegam) para começar a mudar o mundo. E como a gente não quer só comida, quer também diversão e arte, lá temos o trabalho voluntário do nosso Vik Muniz, bem como intervenções do multitalentoso artista francês JR.O Rio, mesmo com a Baía de Guanabara imunda, ainda é capaz de inspirar projetos de alcance global. Nada disso seria sequer cogitado sem os Jogos. O know-how de viver entre a fantasia e uma realidade duríssima nós já temos e não é de hoje. Carnaval tem todo ano, violência, todo dia, e o carioca vai levando. O que me intrigou foi termos mudado de otimistas vorazes para doutores da catástrofe. Mesmo acostumados a viver no purgatório entre a beleza e o caos, ficamos todos com medo do vexame. Mas, tudo pronto, deu certo. Muito certo.A cidade está linda, muito mais integrada e promissora. Quem vai decidir se valeu a pena todo o esforço e investimento para os Jogos Olímpicos somos nós. Temos um 2016 ainda fundamental pela frente, com eleições municipais no caminho. Que nosso próximo prefeito, seja quem for, tenha grandiosidade e bom-senso para manter o que foi feito. E que nós, cidadãos, façamos nossa parte, conservando e respeitando toda a dinheirama que gastamos, sem deixar que as melhorias se percam em vandalismo ou mau uso. Precisamos querer mais, fazer mais, cobrar mais e doar mais. Estamos além das praias e, por que não, da Olimpíada exuberante. Cariocas, eu vos convoco: mãos à obra!
A semente da mudança
Carlos Eduardo Prazeres, maestro, é o criador e diretor executivoda Orquestra Maré do Amanhã
Vou começar este texto com um depoimento pessoal. Eu estava contrariado com a ideia de o Rio de Janeiro ser a sede da Olimpíada. Também achava que a cidade e o país tinham inúmeras outras prioridades. Até que um belo dia recebi o convite para ser um dos 12 000 condutores da tocha olímpica. Não sei explicar bem o porquê, mas fui tomado por um certo “espírito olímpico”. Comecei por pensar no privilégio de, num país com milhões de habitantes, eu ser um dos escolhidos. Em seguida, eu me dei conta de que não veria outra festa como esta por aqui em minha vida. Nem vou falar da emoção de ter carregado a tocha olímpica e presenciar a festa do povo e os olhos brilhando das crianças que me pediam para tirar selfies. Esse “espírito olímpico” me fez enxergar o momento com menos pessimismo. E percebi que, na verdade, o Rio ganhou muito com a Rio 2016.Sejamos sinceros, não foram poucos os avanços, e o Centro é uma prova disso. Mas fomos além das intervenções estéticas. Segundo pesquisa do IBGE, dos 38 indicadores de qualidade de vida, o Rio de Janeiro mostrou avanço em 36 deles de 2009 para cá. Na educação, quase metade das crianças de 0 a 4 anos está em creches. E quase 100% das crianças entre 5 e 9 anos estão estudando. Grande parte das estruturas construídas, como a Arena do Futuro e a Arena 3, vai se transformar em escolas. E os demais complexos esportivos servirão, a partir de agora, como local de treinamento de esportes de alto rendimento. E o que dizer do exemplo dado ao mundo quanto ao meio ambiente e à sustentabilidade? E a inovação de fazer com que 11 000 atletas plantassem uma muda, dando origem à Floresta dos Atletas, em Deodoro?Tenho certeza de que o “espírito olímpico” que vivemos há de contagiar todos os cariocas, mexer com a nossa autoestima, acabar com o complexo de inferioridade que nos assola. Somos capazes, sim, de encantar o mundo. Acredito firmemente que a convivência com atletas internacionais no quintal de casa despertará muitas vocações. Será o início de uma nova era no esporte do país, podem acreditar. Por fim, desejo, de coração, que esse “espírito olímpico” permaneça em cada um de nós. E que possamos melhorar a nós mesmos, a cidade, o estado, o país, o mundo. Sei que há muito que mudar — a saúde, a segurança e mesmo a educação, assim como a remuneração para os profissionais dessas áreas. Mas outubro está aí, para nós, com nosso voto, construirmos o futuro que queremos.
Lições de Barcelona
Pedro de Lamare, restaurateur e presidente doSindicato dos Hotéis e Restaurantes do Rio (SindRio)
E a Olimpíada se foi. Sediamos o evento esportivo mais importante do mundo e, apesar das dificuldades que antecederam os Jogos, a missão foi cumprida. Transtornos e problemas de última hora existiram, mas o Rio e o Brasil fizeram bonito. O megaevento deixou legados importantes no transporte público e em áreas históricas, até então esquecidas. Mais de 800 000 pessoas passaram pela cidade, e isso, é claro, impactou o movimento de bares e restaurantes, que aumentou em média 35%. No entanto, os Jogos acabaram e os problemas que vínhamos apontando continuam. Em um levantamento feito em abril pelo SindRio com os associados, 87% disseram-se preocupados com o futuro depois do período olímpico. Esse número não nos surpreendeu, já que o setor viveu um primeiro semestre difícil. Em maio e junho, quando se esperava aumento no número de clientes em relação a 2015, houve uma queda de 35%. Devido à crise econômica, segundo o Ministério do Trabalho, de janeiro a maio, a cidade perdeu cerca de 47 000 empregos, sendo quase 3 000 no segmento de alimentação. E, se lembrarmos que nossa área é a que mais emprega jovens de 18 a 24 anos, ficamos ainda mais preocupados. Além disso, o setor sofre com a alta dos impostos. Desde janeiro, a alíquota de ICMS para bares e restaurantes dobrou. Para nós, o caminho pós-Olimpíada é fortalecer o turismo, o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Barcelona, nosso exemplo, passou de 1,7 milhão de turistas por ano para mais de 9 milhões depois da competição mundial. Como? Não restringiu o legado olímpico a obras, mas planejou e implementou uma política de atração de visitantes. A atual situação mostra que, para o Rio, é condição de sobrevivência adotar um plano de desenvolvimento do turismo que: 1) contemple toda a cidade e inclua as zonas Norte e Oeste; 2) ponha a cidade no mapa mundial dos visitantes. O sucesso desse plano depende, incondicionalmente, de políticas de segurança pública. Nenhuma medida de atração de visitantes sobrevive à violência. O Rio quer e precisa de soluções perenes que garantam paz e geração de emprego e renda para a população. Não pode mais viver de soluços, seja de pacotes de obras, seja de grandes eventos.