Área nobre da cidade, o Leblon tem um dos metros quadrados mais caros do país, com um IPTU nas alturas, em torno de 3 000 reais por ano. Nas ruas sombreadas pelas amendoeiras, prédios de apartamentos de alto padrão, restaurantes estrelados, botecos, livrarias e lojas de grife dividem harmoniosamente as calçadas. Manter esse reduto em ordem requer olhar atento das autoridades e rapidez na resolução de eventuais transtornos. Não é exatamente isso que os habitantes e comerciantes da área têm testemunhado ultimamente. Do ano passado para cá, a população de rua do bairro aumentou dramaticamente. A associação de moradores estima que o número seja 50% maior em comparação a 2010 ? procurada, a prefeitura afirmou não ter dados estatísticos a esse respeito. Qualquer visitante mais atento repara que a situação, de fato, é bem ruim. Sozinhos ou em bandos, mendigos ocupam praças e canteiros ou se refugiam nas entradas de bares, farmácias e bancos. Entre eles, chamam atenção os dependentes químicos, que consomem drogas sem ser incomodados e protagonizam brigas escandalosas durante a madrugada. “Não estamos mais lidando com o pedinte comum, mas com pessoas transtornadas que intimidam os moradores”, diz a relações-públicas Marcia Drumond, que vive ali há quarenta anos.
Alguns comerciantes têm sido muito prejudicados, particularmente os que têm marquise ou cobertura junto à entrada de suas lojas. Dona da doceria Colher de Pau, na Rua Rita Ludolf, Lucy Kaner já perdeu a conta das vezes em que seus funcionários deixaram de lado as tarefas normais para recolher lixo e detritos abandonados por um grupo que usa a calçada como quarto ? e banheiro. “Até um colchão imundo de casal já encontramos por aqui”, conta. Houve ocasiões em que brigas entre os mendigos, com arremesso de pedras, aconteceram à luz do dia, quando a loja estava cheia. Volta e meia, a clientela e a vizinhança sugerem a instalação de grades. Lucy, dona do ponto há 37 anos, se recusa: “Não sou eu que devo viver cercada. Cabe à administração pública resolver essa situação”.
Não é de hoje que a população de rua é um problema na cidade. A diferença é que no Leblon, e em outros bairros da Zona Sul, os comerciantes tentam agir por conta própria para garantir a sobrevivência dos negócios. Há cinco anos, os donos de alguns restaurantes da Rua Dias Ferreira se uniram para contratar seguranças, que dão plantão durante o funcionamento das casas e após o fechamento. Sócio do Quadrucci, Eduardo Bellizzi adotou o serviço depois que um grupo passou a dormir na varanda de seu restaurante. O proprietário de outra casa estrelada que prefere não se identificar afirma que, mesmo com seguranças, é complicado evitar a abordagem. “Os adultos instruem as crianças a pedir. É difícil lidar com essa situação”, diz. Dono do Andy?s, na Avenida Ataulfo de Paiva, André Cunha Lima conviveu por algum tempo com pedintes que dormiam sob a marquise de um prédio vizinho. O local só foi desocupado quando o condomínio instalou uma porta de vidro na entrada do edifício, bloqueando o acesso. “Era desagradável, os clientes ficavam assustados com as abordagens”, lembra.
Precisar o tamanho exato da população de rua de grandes metrópoles é uma tarefa complexa. O último censo da Secretaria Municipal de Assistência Social, em 2008, revelou que o Rio tem cerca de 4 800 sem-teto. Como eles migram de um bairro para outro, é impossível obter números fidedignos. Atualmente a cidade conta com 53 abrigos e cerca de 3 500 vagas, um déficit de quase 30%. Drogas, alcoolismo e conflitos familiares são os principais motivos que levam as pessoas a viver na rua. “A população de usuários de entorpecentes aumentou depois das UPPs porque muitos se viram obrigados a deixar as favelas ocupadas pela polícia. Isso complicou o nosso trabalho”, reconhece Rodrigo Bethlem, secretário municipal de Assistência Social. Para tentar minimizar o problema, a prefeitura aumentou a verba destinada ao setor de 15 milhões de reais em 2010 para 23 milhões de reais em 2011. Entre as principais medidas a ser adotadas está a instalação de um abrigo para crianças e adolescentes dependentes químicos em Laranjeiras e de unidades de reintegração social com cursos profissionalizantes na Zona Oeste. Cabe agora à população cobrar a execução desses projetos.