O despertador na casa de Victor Travancas, de 35 anos, toca todos os dias, religiosamente, às 3 da madrugada. De pijama, o advogado especialista em direito constitucional liga o computador e começa a ler as mais de cinquenta páginas do Diário Oficial da cidade do Rio. No último dia 1º, em meio à leitura, uma nomeação chamou sua atenção: o prefeito Marcelo Crivella indicou o próprio filho, Marcelo Hodge Crivella, conhecido também como Crivellinha, para a Secretaria da Casa Civil. Imediatamente, Travancas escreveu a petição em que acusava o burgomestre carioca de nepotismo, querela que acabou no Supremo Tribunal Federal. Oito dias depois, o ministro Marco Aurélio Mello acatou o pleito do advogado, o que impediu a nomeação. “Não é nada pessoal contra os Crivellas, mas acho que agora outros governantes vão pensar duas vezes antes de nomear parentes”, argumenta Travancas.
Desde a troca de comando na prefeitura do Rio, em janeiro, ele virou uma espécie de pedra no sapato do atual prefeito. Em pouco mais de um mês, entrou na Justiça com quatro ações populares contra o novo gestor. O primeiro processo surgiu quatro dias depois da posse. Numa canetada, o alcaide decidiu mudar o desenho e as cores da logomarca da prefeitura. “Imagina o dinheiro que teríamos de gastar com a mudança? Não houve licitação para a troca, portanto era ilegal”, explica o advogado. Crivella voltou atrás e manteve a marca antiga.
Se hoje Travancas e o prefeito estão em lados opostos, antes da sagração do político do PRB nas urnas, os dois compartilhavam os mesmos ideais e projetos. No ano passado, o então senador convidou o advogado nascido na Tijuca para ajudá-lo na sua campanha eleitoral. Travancas, ex-seminarista que advogou para a Arquidiocese do Rio, foi incumbido da estratégia para baixar a rejeição do candidato entre os católicos. Segundo ele, a ideia de distribuir santinhos nas portas das 250 paróquias da cidade adotada pela campanha foi sua. “Foi um desastre, uma iniciativa que só expôs o candidato a uma situação constrangedora”, diz um político próximo a Crivella.
Discussões de campanha à parte, a política não é novidade para Travancas. Em 2002, aproximou-se do então prefeito César Maia, que, impressionado com a combatividade e a persistência do então estudante, o nomeou para o gabinete de Ronaldo Cezar Coelho, secretário de Relações Institucionais. Ali ele ficou até a gestão de Eduardo Paes. Fora do governo, passou a marcar pesadamente as ações de Paes e lhe impingiu algumas derrotas, como derrubar, com uma liminar, a intenção da prefeitura de cobrar uma taxa pela iluminação pública.
O azedume com a atual gestão começou a tomar corpo na viagem do candidato recém-eleito a Israel, da qual o advogado participou. Travancas não gostou de ver na entourage um ex-colaborador de Eduardo Paes, Marcelo Faulhaber. Na volta, enfureceu-se com a lista de nomeações para o secretariado e cargos importantes, que incluía, entre outros, a deputada federal Clarissa Garotinho (PRB). “Fui ingênuo em acreditar que algo poderia mudar. Quando vi o perfil de quem fazia parte do governo, comecei a cobrar as posições éticas que o prefeito havia assumido na campanha. Até que ele passou a não atender mais minhas ligações”, diz. A guerra foi declarada no dia em que foi barrado na porta do gabinete. Procurado, o prefeito não quis comentar as ações judiciais de Travancas. Entretanto, políticos próximos a ele definem a reação do advogado como vingança por não ter sido convocado para o governo. Travancas diz que nunca se interessou por cargos e que sua preocupação é moral. E sinaliza que novas ações judiciais estão por vir. Ou seja, o ex-seminarista promete seguir infernizando a vida de Crivella.
O calvário de Crivella: Os processos do advogado contra a prefeitura
Nepotismo
Travancas questionou na Justiça a nomeação do filho do prefeito Marcelo Hodge Crivella para a Secretaria da Casa Civil. Derrotado em primeira instância, o prefeito recorreu ao STF — e perdeu.
Nomeações
O advogado questiona os critérios para as nomeações feitas por Crivella para a presidência de empresas como a Riotur, que exigiriam, por estatuto, indicação de uma assembleia de acionistas.
Logotipo
Já no início do mandato, o prefeito decidiu na canetada mexer na logomarca da prefeitura. Travancas entrou com uma ação a partir da notificação no Diário Oficial. Crivella voltou atrás na decisão
Palácio da Cidade
O advogado bombardeou a intenção do prefeito de morar no imóvel ao argumentar que exigiria reformas, enquanto a prefeitura já tem uma residência oficial, a Gávea Pequena.