Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo já acumulam 396 casos de febre amarela e agora foi a vez de o Estado do Rio entrar em alerta. Na semana passada, confirmou-se que a doença foi a causa da morte do pedreiro Watila Santos, de 38 anos, na cidade fluminense de Casimiro de Abreu. De imediato, houve corrida aos postos de vacinação. Paralelamente, cientistas analisavam o sangue de cinco macacos encontrados mortos na capital em busca de sinais da virose. Desde 1942 não se registravam casos em áreas urbanas do país, mas, ainda assim, o risco de eclosão de um surto assusta. Para esclarecer dúvidas sobre a doença, VEJA RIO consultou o infectologista Edimilson Migowski, do Instituto Vital Brazil, e os biólogos Pedro Oliveira, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Entomologia Molecular, e Fernando Fernandez, da UFRJ.
Qual a relação entre a morte de macacos e o risco de uma epidemia no Rio?
Em uma cidade que tem uma grande floresta em seu limite urbano, a morte de primatas é um alerta sobre a alteração na circulação do vírus no ambiente silvestre. Esses animais, assim como os homens, podem ser contaminados pelo vírus e desenvolver a febre amarela, mas não são responsáveis pela transmissão da doença — quem a transmite é o mosquito, indistintamente. Mas as mortes mostram que ela existe por perto.
Como se dá a transmissão?
A febre amarela é uma doença infecciosa febril aguda causada por vírus transmitido por artrópodes — no caso, mosquitos infectados. Nas áreas urbanas, o vetor é o Aedes aegypti. Em áreas silvestres, os transmissores são os insetos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Não há risco de contaminação direta entre pessoas ou macacos.
Quem pode tomar a vacina?
Devem ser vacinadas pessoas com idade entre 9 meses e 60 anos. A medida não é recomendada para grávidas, mulheres que estejam amamentando bebê com menos de 6 meses, pessoas com baixa imunidade, como portadores de aids ou em tratamento contra câncer, e alérgicos às substâncias da vacina ou a derivados de ovo.
Será feita uma campanha de vacinação?
Não, mas o governo planeja imunizar a população ao longo do ano. O Estado do Rio incluiu a vacina contra a febre amarela no calendário regular. Postos de todos os municípios vão receber doses. Na capital serão abastecidas 233 unidades da rede de atenção primária (Clínicas da Família e Centros Municipais de Saúde) até o fim de março. Por enquanto, a aplicação pode ser feita em 34 locais. No estado, a previsão é que serão necessários 12 milhões de doses.
Quem foi vacinado deve repetir a dose?
No Brasil, o protocolo para a prevenção da doença é a administração de duas doses, com um intervalo de dez anos. Quem já tomou as duas doses tem a garantia de estar protegido por toda a vida. Uma terceira dose não dá uma proteção adicional. A propósito: a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma única dose para toda a vida.
Que cuidados devem ser tomados com crianças que precisam receber outras vacinas?
A criança pode receber outros tipos de vacina junto com a de febre amarela, exceto a tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba) e a tetraviral (sarampo, rubéola, caxumba e varicela). Para não atrasar o calendário de vacinação, a orientação é aplicar primeiro a dose de febre amarela e agendar a tríplice ou tetra para um mês depois.
Quais são as reações causadas pela vacina?
Quando aplicada pela primeira vez, a vacina pode provocar febre. Em casos raros são relatados sintomas semelhantes aos da doença.
Quais são os sintomas da doença?
As manifestações são muito parecidas com as da dengue: febre, calafrios, dor de cabeça intensa, dor nas costas e em todo o corpo, náusea e vômito, fadiga e fraqueza. Tais sinais costumam aparecer uma semana depois do contágio. A grande diferença entre ela e a dengue é que, em 15% dos casos, a febre amarela pode evoluir para um quadro de febre alta, icterícia (coloração amarelada da pele e do branco dos olhos), hemorragia (do trato gastrointestinal) e até insuficiência de múltiplos órgãos. A taxa de mortalidade em casos de maior gravidade varia de 20% a 50%.
O que fazer em caso de suspeita de contaminação?
A primeira iniciativa, sempre, é procurar o médico. Deve-se informar se houve viagem recente para áreas de risco, como os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Também é importante saber se o paciente já foi vacinado — e quando.
Qual é o tratamento?
Por enquanto não há. O que é feito é o combate aos sintomas, por meio do uso de analgésicos e antitérmicos.
Deve-se evitar algum medicamento?
Sim, qualquer remédio que contenha ácido acetilsalicílico. A substância diminui a função das plaquetas, que é bloquear hemorragias. Se a pessoa estiver doente, a medicação aumentará o risco de sangramentos, o que pode levar à morte, assim como acontece em alguns casos de dengue.
Qual é a diferença entre a febre amarela silvestre e a urbana?
Basicamente, é o vetor. Nas cidades, o transmissor é o Aedes aegypti, que também é capaz de espalhar vírus de dengue, zika e chikungunya. Nas regiões silvestres, a inoculação é feita pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. No entanto, o vírus é o mesmo, assim como a doença.
Como evitar a doença?
A vacinação é a forma mais eficaz. Ela está disponível durante todo o ano nas unidades de saúde, é grátis e deve ser realizada pelo menos dez dias antes do deslocamento para regiões de risco. Evitar as áreas mais atingidas e fazer uso de repelentes também pode ajudar.
Quais são as áreas de maior risco?
Grande parte dos casos notificados pelo Ministério da Saúde aconteceu em Minas Gerais. O Espírito Santo está em segundo lugar, seguido por São Paulo e Bahia. Já foram confirmadas 196 pessoas com a doença e setenta mortes.
Em que época do ano a doença é mais registrada?
O ciclo reprodutivo dos mosquitos depende das chuvas para que as larvas possam nascer. Portanto, períodos mais chuvosos e quentes, entre os meses de dezembro e maio, são mais propícios para o contágio.
Fatores ambientais podem estar contribuindo para o surgimento de novos casos?
Sim. Mudanças nos biomas podem ser imperceptíveis, mas causam modificações no comportamento do vírus e no ciclo de vida e reprodução dos mosquitos. Como não há registro de casos urbanos da doença desde 1942, o número de pesquisas de campo sobre a febre amarela diminuiu, o que também é um problema.