Casas com paredes rachadas, imóveis em becos invadidos por água acumulada de chuva e esgoto, jacarés soterrados e capivaras mortas por retroescavadeiras. Este é o cenário descrito por moradores da comunidade 8W, localizada ao lado do terreno onde, há cerca de um ano começaram as obras do Orla Recreio, da Cury, na Av F-W, na esquina com a Rua Zelio Valverde. Em reportagem do jornal O Globo, eles contam que algumas residências afetadas chegaram a ser condenadas pela Defesa Civil. O novo condomínio terá dois prédios, um com 353 unidades e outro com 280 apartamentos. São um, dois ou três quartos a partir de R$ 264 mil, voltados para famílias com renda familiar superior a R$ 6 mil mensais.
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“Era obrigatório que a construtora apresentasse o plano de manejo dos animais silvestres antes do início das obras. Infelizmente isso não aconteceu, e os animais foram mortos. Não houve responsabilidade ambiental em relação a fauna e flora e nem em relação a canalização de água e esgoto. Aterraram uma área que era uma espécie de brejo e funcionava como um sistema de deságue natural”. disse ao jornal Júlio Cesar Ribeiro da Costa, fundador da ONG Onda Carioca, que atua na comunidade. Ele conta que cerca de 80 casas foram invadidas por água da chuva e esgoto após um temporal, em 11 de janeiro. E que os moradores cujas casas foram condenadas tiveram que se mudar, mas não foram indenizados: receberam aluguel social por um curto período.
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O motorista Luciano Silva, que mora na 8W há 50 anos, foi um dos que perderam sua residência. Ele morava com seus quatro filhos e a ex-mulher. “Eles fecharam o escoamento da água e subiram o nível do solo. Com isso, a água da chuva entra o esgoto agora volta para dentro das casas. Isso nunca tinha acontecido antes. Quando chove, muitas pessoas nem conseguem sair de casa. A obra também deixou rachaduras nas minhas paredes. Perdi tudo, fui morar com minha tia e não recebo mais o aluguel social. Cinco casas foram condenadas, e somente uma recebeu indenização“, afirmou. Sol de Pinho Inácio, moradora da 8W há 30 anos, conta que desde o início das obras animais silvestres têm buscado refúgio dentro da comunidade. “Eles começaram a fugir e corriam para cá. Infelizmente sabemos que não vamos mais ver animais silvestres por aqui. Já estávamos acostumados e os respeitávamos. Sabemos da importância da sua preservação”.
Procurada pelo Globo, a Prefeitura do Rio informou que emitiu todas as licenças para a obra do empreendimento Orla Recreio. Nova responsável pela emissão de licenças ambientais, no lugar da Secretaria de Meio Ambiente (Smac) — numa medida que, segundo o município, visa a incentivar a legalização de processos —, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS) disse que constam quatro processos para o local, sendo três deles com o início da obra condicionado à obtenção da Autorização Ambiental para Manejo de Fauna Silvestre emitida pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). No outro, a licença é sem restrição para a execução de obras. A SMDEIS informou também que foi autorizada, em caráter emergencial, a supressão da vegetação em uma área de 19,80m² para realização de obra de drenagem, em decorrência de alagamentos ocorridos no local. Já construtora Cury afirmou que está ressarcindo os moradores afetados — o que estes, no entanto, negaram ao Globo. A construtora garantiu que a obra está devidamente legalizada e que, para implantação do empreendimento, vai recuperar o solo da região e fará um projeto de urbanização.
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Quanto às denúncias ambientais, a prefeitura disse apenas que não foram feitas denúncias à Patrulha Ambiental na região. O Inea, por sua vez, explicou que a concessão da Autorização Ambiental para Manejo de Fauna pedida pela construtora está em análise, e salienta que a atividade de resgate de fauna deve ser realizada antes da supressão de vegetação e demais intervenções no terreno.