Cercado por tapumes, um imenso buraco com mais de 10 metros de profundidade, entre a Avenida Presidente Vargas e a Rua Benedito Hipólito, está abandonado há dois anos, acumulando água da chuva em meio a colunas inacabadas e ferragens expostas. Desde 2014, quando as obras do que seria a nova sede do Tribunal Regional Eleitoral foram paralisadas, a enorme cratera tornou-se pivô de uma guerra velada nos bastidores do mundo das togas no Rio. Alvo de denúncias de irregularidades, desperdício e favorecimento da empreiteira que executava o projeto, o caso foi objeto de um contundente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). O documento indica falhas no processo de autorização da obra, que não observou as restrições e os trâmites legais para a liberação da construção pelos órgãos competentes. Proferido no fim do ano passado, o voto da ministra Ana Arraes, do TCU, é categórico e aponta os desembargadores Luiz Zveiter e Letícia Sardas como diretamente responsáveis em caso de danos aos cofres públicos.
A novela que deu origem à cratera da Avenida Presidente Vargas começou em 2012, quando Zveiter, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral, decidiu construir uma nova sede para a instituição. Pelo projeto inicial, o prédio custaria 94 milhões de reais e teria treze pavimentos, três andares subterrâneos de garagem e heliponto para uso dos desembargadores. Vale ressaltar que já não era a primeira vez que Zveiter exibia sua vocação para construir prédios para o Judiciário. O desembargador já havia, como presidente do Tribunal de Justiça do Rio, comandado uma polêmica ampliação da sede da instituição, que custou 174,8 milhões de reais, em 2010. A empreitada, que levou a questionamentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi realizada pela construtora Delta, de Fernando Cavendish, acusada de fazer parte de um esquema de corrupção envolvendo obras públicas na CPI de Carlinhos Cachoeira.
Um ano depois de iniciada, a obra da nova sede do TRE entrou na mira do TCU, que identificou três falhas graves na execução: deficiências no projeto básico, indícios de superfaturamento e a falta de licença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A última exigência decorre do fato de os canteiros ficarem ao lado do Hospital Escola São Francisco de Assis, um complexo do século XIX pertencente à UFRJ e tombado pela União. A sucessora de Zveiter no comando do TRE-RJ, a desembargadora Letícia Sardas, entretanto, deu prosseguimento à iniciativa, embora os problemas persistissem.
A obra no Centro enfrentou uma reviravolta a partir de maio de 2014. Foi quando o desembargador Bernardo Garcez assumiu o comando da Justiça Eleitoral fluminense e ordenou a paralisação imediata dos trabalhos. O terreno foi devolvido à prefeitura do Rio, que havia cedido a área ao TRE, e o contrato com a empreiteira Lopes Marinho, responsável pela obra, foi cancelado. A empresa, entretanto, já havia recebido 12 milhões de reais para construir a estrutura das garagens subterrâneas — o tal buraco hoje abandonado. Somados os custos financeiros e as despesas de água, esgoto e energia do conjunto montado no local, a conta bate em 17 milhões de reais. O dinheiro é todo federal, repassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e por isso a fiscalização do TCU. “Considerando a gravidade dos fatos, deve ser fixado prazo para que as partes envolvidas informem as medidas adotadas”, cobra a ministra Ana Arraes no relatório.
O TCU ainda analisa se houve direcionamento na licitação para favorecer a Lopes Marinho. No relatório, Ana pede investigação mais detalhada a respeito da atuação de Janine Figueira, técnica responsável pela área de licitação de obras do TRE. Ela é casada com Pedro de Alencar Machado, sócio de um escritório de advocacia que presta serviços à empreiteira há oito anos. Diante do imbróglio, os desembargadores Luiz Zveiter e Letícia Sardas entraram em guerra aberta com Bernardo Garcez. Ambos rebatem as acusações de irregularidade. “O prédio atual do TRE é uma pocilga. Se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo”, argumenta Zveiter. Sua sucessora adota o mesmo tom: “Eu nunca teria parado aquela obra. Hoje, o tribunal funciona em um edifício alugado”.
Uma possível solução para a encrenca do buraco da Cidade Nova passa pelo prefeito Eduardo Paes. Desde a devolução do terreno, a prefeitura afirma que vai reaproveitar a área e construir um prédio no local para abrigar secretarias e órgãos municipais hoje instalados em sedes alugadas. Também promete ressarcir o TSE pelos 17 milhões gastos na obra. A questão é que, passados dois anos, o município ainda não apresentou nenhum projeto para erguer um edifício ali. E com prioridades muito mais prementes para resolver, seja na política, seja na organização dos Jogos Olímpicos, é bastante remota a possibilidade de o prefeito retomar uma obra para lá de enrolada.