Crivella foi eleito sem os votos da Zona Sul, mas é nascido e criado na Gávea. Já Paes teve seu berço político em Jacarepaguá. E locais como Ipanema e Leblon sempre foram redutos de seu antecessor, Cesar Maia. Ligados a bairros diferentes, os prefeitos citados conservam uma característica em comum: os três não vieram nem do subúrbio, nem de favelas. Para algumas pessoas, a falta de identificação dos políticos com esses territórios explica parte do descaso do Poder Público com as localidades. Para tentar reverter a situação, a Agência Redes para a Juventude começou na última semana um esforço, no mínimo, válido. Batizado de “Todo Jovem é Rio”, o projeto quer formar lideranças nas áreas mais pobres da cidade e eleger, até 2036, uma pessoa de origem humilde para a prefeitura. Para isso, a ONG realiza até janeiro 40 debates sobre política com jovens em 40 diferentes pontos do município. Para aproximar o tema dos cidadãos, as conversas acontecem não em auditórios, mas em casas. A iniciativa tem financiamento da Fundação Ford.
Localizada na Pavuna, a rua Herculano Pinheiro tem uma calçada só de galpões de logística e outra dominada por residências. A via abriga a casa que foi palco do primeiro evento do projeto, que reuniu cerca de 15 pessoas na noite da última quarta (29). Feita as apresentações, os organizadores perguntaram se o Rio poderia ter um prefeito de periferia hoje. As respostas se diviram, levando à segunda pergunta: o que impede um suburbano de comandar a cidade atualmente? O sistema eleitoral viciado, a falta de planejamento dos interessados e a própria descrença dos eleitores que moram longe do Centro no sucesso de um vizinho foram alguns dos fatores apontados. Depois disso, a plateia foi instigada a falar sobre os pontos positivos envolvidos na eleição de um suburbano. A suposta menor propensão a roubar, a abertura do espaço para outras lideranças com a mesma origem e o maior conhecimento dos problemas sofridos pelos cariocas foram algumas das vantagens apontadas. “Ele não trocaria a construção de um hospital por um contrato com empreiteira”, resumiu um dos participantes. Guadalupe, Rocinha e Sepetiba são alguns dos locais que receberão a série de debates nos próximos dias (veja programação completa no fim do texto).
Embora a cidade do Rio venha optando por mandatários ligados a áreas nobres nos últimos tempos, o Palácio Laranjeiras já teve uma ocupante de origem popular. Trata-se de Benedita da Silva (PT), nascida na favela da Praia do Pinto em 1942 e vice de Garotinho a partir de 1998. Quando o ex-governador abandonou o cargo para tentar a presidência em 2002, ela assumiu a cadeira por oito meses. A primeira mulher a comandar o estado chegou a tentar a prefeitura do Rio em 1992, mas perdeu no segundo turno para Cesar Maia por 100 mil votos de diferença ou 3,78% do total. Vale dizer que o fato de não ter berço de ouro não evitou que Benedita fosse alvo de acusações de corrupção ao longo da carreira. A última delas foi feita em janeiro, quando o ex-diretor de serviços da Petrobras Renato Duque afirmou que a empresa teria financiado material de campanha usado pela política na disputa de uma vaga na Câmara dos Deputados em 2010. A denúncia nunca foi comprovada.
É inegável que a presença de novos perfis no comando de grandes cidades é uma tendência global. Um exemplo é a espanhola Anne Hidalgo que, em 2014, se tornou a primeira mulher a gerir Paris. Quando se considera a questão das periferias, um caso interessante é o de Londres, que elegeu em 2016 o primeiro prefeito muçulmano de uma capital da União Europeia. Filho de um motorista de ônibus e uma costureira paquistaneses, Sadiq Khan foi criado em um conjunto habitacional com outros sete irmãos antes de se formar em direito e assumir a direção da metrópole de 8 milhões de habitantes. Que seu exemplo sirva de inspiração aos suburbanos no seu esforço rumo ao Palácio da Cidade, não por acaso situado em Botafogo.