Os desafios da Barra da Tijuca depois da Olimpíada
Renovado ao custo de 25 bilhões de reais, o bairro agora se prepara para a parte mais difícil: explorar com eficiência a herança deixada pelos Jogos
Quando as primeiras escavadeiras, os tratores e os caminhões tomaram as avenidas Salvador Allende, Embaixador Abelardo Bueno e das Américas, artérias do Recreio dos Bandeirantes, de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca, em meados de 2010, pouca gente conseguia vislumbrar o que brotaria daquele cenário apocalíptico, feito de terra bruta (que virava lama ou poeira, dependendo da meteorologia), engarrafamento e muito barulho. Seis anos e mais de 25 bilhões de reais depois, o carioca finalmente começa a tomar pé de todas as novidades que vieram a reboque da Olimpíada. Dotada de moderna (porém já lotada) rede de ônibus rápidos e metrô, a região que compreende os três bairros e que, para todos os fins, é tratada genericamente como Barra, mudou muito. No ramo imobiliário, surgiram 17 000 unidades habitacionais e comerciais e os leitos da rede hoteleira ali instalada passaram de 2 000 para 12 500. O Riocentro, espaço de convenções de dimensões titânicas, cresceu ainda mais e ganhou como vizinho o Parque Olímpico, com suas megaestruturas esportivas. Erguido sobre as ruínas do Autódromo de Jacarepaguá, o complexo começa a ser reocupado com a finalidade de entretenimento — a realização da Maratona da Alegria Villa Mix, festival de música para 60 000 pessoas com atrações do naipe de Ivete Sangalo, Wesley Safadão e Anitta, no domingo (13), marca a inauguração desse novo modelo. E, no ano que vem, será a vez de o Rock in Rio instalar no local seus palcos feéricos, com espaço de sobra para 85 000 pagantes. “Toda essa infraestrutura disponível se transformou em uma grande oportunidade”, comemora o empresário Roberto Medina, o pai do Rock in Rio.
O entusiasmo de empreendedores seriais como Medina, entretanto, não esconde a realidade que acompanhou a súbita expansão: a Barra e o Rio, em última análise, ainda estão aprendendo a lidar com todo o potencial que existe no território além do Túnel do Joá. O próprio Parque Olímpico é um exemplo. A prefeitura ainda tenta viabilizar a concessão à iniciativa privada das instalações esportivas que permanecerão no local — a primeira concorrência não teve interessados. Com uma proposta mais atraente aos investidores, a expectativa é que a segunda concorrência, cuja divulgação do resultado está marcada para o dia 21, resolva o impasse. Profundo conhecedor da região, onde foi um dos pioneiros na exploração imobiliária, o empresário Carlos Carvalho, dono da incorporadora Carvalho Hosken, costuma dizer que, com o frenesi olímpico, construiu-se ali, em cinco anos, o que levaria duas décadas em condições normais. Apenas sua empresa, em parceria com a construtora Odebrecht, pôs de pé trinta torres com 3 600 apartamentos no condomínio Ilha Pura, a Vila Olímpica dos Jogos. Das 600 unidades disponíveis, pouco mais de 200 foram comercializadas. “Esperávamos que as vendas fossem um sucesso, mas a crise econômica nos levou a mudar os planos iniciais. Agora, estamos trabalhando com um cenário de pelo menos quatro anos para comercializar todo esse empreendimento”, explica o empresário, de 92 anos. “Acredito, no entanto, que o Ilha Pura está alinhado com o que se espera do futuro da região, com condomínios de alto padrão, em estilo de resort. São unidades autossuficientes, mantidas e geridas pela iniciativa privada, que não precisam do poder público em questões como, por exemplo, segurança”, diz Carvalho.
Assim como o sonho olímpico, o projeto de desenvolvimento e expansão da Barra da Tijuca foi gestado no embalo da euforia do pré-sal e na crença de que o Rio se tornaria uma nova Dubai, cidade cintilante em meio a reservas imensas de petróleo. Com a recessão, o governo estadual falido e a prefeitura sem perspectiva de investimentos, a paralisia que afetou o setor imobiliário se tornou um componente extra de tensão, principalmente em uma região onde a economia está escorada nesse tipo de negócio. Na Barra, edifícios comerciais construídos durante a fase de pujança batem hoje em 37% de vacância. Entre os imóveis residenciais, ofertavam-se para venda, em outubro, 4 413 unidades. Outros 1 892 apartamentos eram disponibilizados para aluguel, número três vezes maior que o registrado no mesmo mês em 2011. “O estoque de imóveis é enorme. Tanto que não é possível determinar quando será o próximo ciclo de lançamentos no bairro”, explica Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi Rio. Planos de expansão de empreendimentos, como o projeto de loteamento de metade do Parque Olímpico e também as novas etapas do chamado Centro Metropolitano, a poucos metros da sede dos Jogos, voltaram para a gaveta e de lá só devem sair quando a economia como um todo der sinais de recuperação.
Em meio à colossal infraestrutura montada na Barra da Tijuca para os Jogos, a rede hoteleira atingiu um patamar inédito. Construídos para abrigar a enxurrada de forasteiros que vieram para a grande festa do esporte — um contingente de 1,2 milhão de pessoas —, empreendimentos das maiores cadeias internacionais agora lutam contra a ociosidade. Atualmente, a taxa de ocupação de leitos hoteleiros na região está em 22%. A principal aposta é que o bairro se transforme no epicentro das feiras de negócios, eventos e turismo da cidade. No entanto, tal expectativa acaba esbarrando em velhas mazelas do setor. Exemplo: para realizar um congresso no Rio, recolhem-se 5% de ISS sobre toda a operação, enquanto São Paulo oferece uma taxação mais camarada — 5% sobre a venda de ingressos e 2% sobre as demais receitas. “O fato de a Olimpíada ter sido bem-sucedida ajuda na captação de novos projetos, mas tanto o governo estadual quanto o municipal precisam estruturar novas políticas. O aspecto tributário poderia ser revisto”, reivindica Fátima Facuri, presidente da seção carioca da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc). Um sinal de que há muito a ser feito na área em prol da Barra e de suas claras vantagens é a agenda prevista para a cidade até 2020. Das 160 feiras e congressos planejados, apenas treze serão na Zona Oeste.
Uma das teorias em torno dos Jogos Olímpicos é que o número de visitantes de uma cidade que sedia o evento tende a crescer 25% ao ano nos cinco anos seguintes à festa, um fenômeno experimentado em metrópoles como Barcelona. Entretanto, o Rio está longe de se equiparar à capital da Catalunha, a começar pela segurança pública. Apesar das críticas do setor hoteleiro às mazelas locais e à ineficiência governamental, há recém-chegados que apostam na diferença para ganhar da concorrência. “Levamos dez anos para chegar ao Rio, mas viemos com uma proposta bem diferente do que já existe por aqui”, explica Christophe Lorvo, vice-presidente da rede americana Hyatt no Brasil e gerente-geral do primeiro cinco-estrelas aberto pela empresa na cidade. “Em vez de investir em mais um hotel urbano, apostamos no formato de um resort dentro de uma grande cidade. E isso não seria possível em outro lugar que não fosse a Barra”, diz o comandante do Grand Hyatt Rio de Janeiro, unidade com 430 quartos entre a Lagoa de Marapendi e a praia. Com perfil completamente distinto daquele dos demais bairros cariocas, a Barra nasceu da cabeça do urbanista Lucio Costa (1902-1998), em 1969. Criador do Plano Piloto de Brasília, ele foi convidado pelo então governador do Estado da Guanabara, Negrão de Lima (1901-1981), para projetar um novo bairro nos imensos descampados da Zona Oeste. O projeto previa a existência de vias expressas, zoneamento por atividade econômica e um centro administrativo que sediaria o governo do estado, na área onde hoje está o Shopping Metropolitano, junto ao Parque Olímpico. A região acabou se transformando em um Eldorado para quem buscava espaço em meio ao adensamento urbano do Centro e das zonas Sul e Norte. Mas o tempo e governantes pouco dispostos a seguir planos fizeram com que os projetos de Costa fossem abandonados e a Barra crescesse em um modelo próprio, escorado em uma efervescente expansão imobiliária. A preparação para os Jogos Olímpicos redesenhou a estrutura de transporte de massa e o uso de espaços públicos. “A sensação é que passamos duas décadas adormecidos e enfim acordamos. O Rio não tem outra saída que não o turismo, e ele passa pela Barra”, diz Roberto Medina, do Rock in Rio. De fato, todos os cariocas ganharam uma herança incomensurável na Zona Oeste. Agora cabe a todos nós descobrir maneiras de ganhar ainda mais com ela.
Com perfil completamente distinto daquele dos demais bairros cariocas, a Barra nasceu da cabeça do urbanista Lucio Costa (1902-1998), em 1969. Criador do Plano Piloto de Brasília, ele foi convidado pelo então governador do Estado da Guanabara, Negrão de Lima (1901-1981), para projetar um novo bairro nos imensos descampados da Zona Oeste. O projeto previa a existência de vias expressas, zoneamento por atividade econômica e um centro administrativo que sediaria o governo do estado, na área onde hoje está o Shopping Metropolitano, junto ao Parque Olímpico. A região acabou se transformando em um Eldorado para quem buscava espaço em meio ao adensamento urbano do Centro e das zonas Sul e Norte. Mas o tempo e governantes pouco dispostos a seguir planos fizeram com que os projetos de Costa fossem abandonados e a Barra crescesse em um modelo próprio, escorado em uma efervescente expansão imobiliária. A preparação para os Jogos Olímpicos redesenhou a estrutura de transporte de massa e o uso de espaços públicos. “A sensação é que passamos duas décadas adormecidos e enfim acordamos. O Rio não tem outra saída que não o turismo, e ele passa pela Barra”, diz Roberto Medina, do Rock in Rio. De fato, todos os cariocas ganharam uma herança incomensurável na Zona Oeste. Agora cabe a todos nós descobrir maneiras de ganhar ainda mais com ela.