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Os prós e os contras da injeção que promete ajudar no combate à obesidade

A eficiência da liraglutida inspira corrida às farmácias, mas seu uso, como o de qualquer outro remédio, exige cuidados

Por Carolina Barbosa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 nov 2019, 18h32 - Publicado em 7 ago 2018, 08h00
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  • Renata Cotarelli
    Três anos de dieta frustradas: a consultora de imagem Renata Cotarelli conseguiu, enfim, enxugar 27 quilos (Felipe Fittipaldi/Divulgação)

    O recente e notório episódio do Doutor Bumbum foi um daqueles momentos em que a realidade supera, com sobras, o potencial criativo da ficção. Dono desse exótico apelido anatômico, o médico Denis Furtado prometia maravilhas estéticas nas redes sociais, fazia intervenções arriscadas em uma cobertura na Barra da Tijuca e foi preso, junto com a mãe, suspeito de ter causado a morte de uma paciente — a bancária Lilian Calixto Jamberci. Ainda no mês passado, também no Rio e no espaço de poucos dias, a história, trágica e verdadeira, se repetiu. Aventuras médicas envolvendo outros profissionais da saúde foram fatais para a professora Adriana Ferreira Capitão Pinto e a modelo Mayara Silva Santos. Por razões pessoais e variadas, as três vítimas queriam se enquadrar rapidamente nos padrões de beleza vigentes. Buscavam um atalho, o que quase nunca é boa ideia. Um dos caminhos curtos da vez tem forma de caneta, agulha milimétrica na ponta e é carregado de um líquido incolor. Trata-se de uma injeção, autoaplicável, vendida nas farmácias com o nome comercial de Saxenda. Popularizada, e bastante procurada, como aliada das dietas de emagrecimento, a novidade é um remédio, não uma moda — e deve ser encarada como tal, ou seja, a sério.

    Seu princípio ativo é a liraglutida. Essa substância mimetiza o hormônio GLP-1, que, produzido naturalmente pelo corpo humano, atua em órgãos diretamente ligados aos mecanismos de saciedade, como o nervo vago e o hipotálamo. Por isso, claro, brilham os olhinhos da turma que prefere um caminho mais curto — afinal, logo o verão vem aí, não é mesmo? O GLP-1 é liberado por nossas células toda vez que um alimento ingerido chega à porção final do intestino delgado. A partir daí ocorre um retardamento do esvaziamento gástrico, e a digestão torna-se mais lenta, o que gera a sensação de satisfação. “Continuo a frequentar minhas degustações de vinho e provo de tudo”, garante o sommelier Dionísio Chaves, 44 anos, que adotou o medicamento há dois meses, prescrito pelo seu endocrinologista junto com uma dieta, e já eliminou 16 quilos. “A diferença é que agora me bastam porções menores, não me entrego mais aos desejos da gula. Apesar de ter substituído uma garrafa por dia por uma taça, estou feliz”, diz o empresário, para quem não faltam tentações. Ele é sócio de quatro redutos gastronômicos na cidade, como o Gusto Cucina Bar, no Leblon, e o Duo, na Barra. Mas atenção: o medicamento, vale frisar, foi prescrito pelo endocrinologista.

    Dionísio Chaves
    O sommelier Dionísio Chaves: mesmo com vinho todo dia, o regime está funcionando (Felipe Fittipaldi/Divulgação)

    O Rio tem fama de ser a terra da galera de pouca roupa na praia e o lugar com grande quantidade de academias, sempre cheias, além de contar com uma multidão que aproveita esta maravilha de cenário para malhar ao ar livre. É também a cidade na qual a proporção da população acima do peso já chega a 57%; 20,2% das pessoas são diagnosticadas com obesidade — índices superiores aos da média nacional, cravada em 54% e 18,9%, respectivamente. Por questões de saúde, em primeiro lugar, qualquer recurso capaz de reverter esse quadro alarmante é bem-vindo. Não por acaso, nas sessenta unidades da rede Drogaria Venancio espalhadas pelo estado fluminense, o Saxenda foi o remédio para combater a obesidade mais vendido entre os meses de janeiro e junho de 2018. No período, superou concorrentes como o Síbus, tarja preta à base de sibutramina, que diminui a vontade de comer, e o Orlistat, variação do pioneiro Xenical, que atua na absorção de gordura pelo organismo. O produto, à base de liraglutida, representou 49% do total das vendas na categoria e alcançou crescimento de 43,7%, em comparação com o primeiro semestre de 2017.

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    É um remédio caro. Nos pontos de venda, a caixa com três “canetinhas” chega a custar cerca de 740 reais. Muitas vezes, são consumidas duas dessas embalagens por mês. O sommelier Dionísio Chaves, por exemplo, começou o tratamento com dosagem de 0,6 miligrama, aumentada pelo médico conforme o organismo foi se acostumando e apresentou a necessidade de quantidades maiores — para efeito de comparação, cada injeção dessas vem com 18 miligramas da substância e a medida recomendada pode chegar a 3 miligramas por dia. “O fato de ser caro faz com que eu pense duas vezes antes de chutar o balde”, afirma a engenheira civil Gisele Bejgel Epelbaum, 58 anos e quase 23 quilos a menos depois de sete meses de uso. Após alguns tropeços ao recorrer a outros tratamentos em tentativas anteriores, ela está feliz. “Eu me sentia angustiada, ansiosa, mas agora venho emagrecendo e mantendo a pressão sob controle. Os efeitos colaterais também foram bem mais brandos”, conta. Sim: numa prova de que não existe milagre, o medicamento tem efeitos colaterais. Professora aposentada, Maria Regina Pinto, 60 anos, chegou a usar a substância por seis meses e perdeu 12 quilos. Ficou toda animada com os resultados, mas logo desistiu do tratamento, abalada por episódios frequentes de prisão de ventre, tontura e muita náusea. “Vivia irritada, com problemas de digestão, vômito, e sem qualidade de vida. Fiquei com o organismo debilitado, desregrada, e acabei engordando de novo”, relata Maria Regina, hoje às voltas com 100 quilos em 1,64 metro de altura.

    Gisele Epelbaum
    (Felipe Fitipaldi/Divulgação)

    “Apesar de ser uma droga relativamente segura, os resultados para emagrecer são bem variados. Alguns obtêm mais êxito e outros perdem muito pouco ou quase nada”, pondera o experiente endocrinologista Adolpho Milech, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. Lançada no Brasil em 2011, inicialmente como um antidiabético (intitulado Victoza), a liraglutida só ganhou o mercado como arma contra a obesidade no segundo semestre de 2016. Uma série de estudos comprovou sua eficácia nos tratamentos para emagrecer e impulsionou a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em pesquisa realizada pelo fabricante Novo Nordisk com 3 731 pessoas mundo afora, um grupo ingeriu o remédio, enquanto o outro recebeu placebo. Ambos foram orientados a fazer dieta e atividades físicas. Após um ano, no universo dos que receberam o medicamento se verificou que um em cada três voluntários havia perdido mais de 10% do peso inicial e tido a circunferência abdominal reduzida em 8,2 centímetros, em média. “Na prática, percebemos que uma grande parcela perde um peso considerável e, geralmente, apresenta menos efeitos colaterais do que os provocados por inibidores de apetite tradicionais”, observa Fábio Trujilho, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Ou seja: pode ser bom, mas não é milagre, tampouco para qualquer um.

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    quadro-1
    (Vigitel/Veja Rio)

    Consultora de imagem, Renata Cotarelli, 39 anos, até meados do ano passado sofria para comprar roupas. Além de enfrentar o olhar desconfiado das vendedoras, precisava garimpar, nas araras, as maiores medidas de saias, calças e vestidos. Na época com 86 quilos e índice de massa corporal (IMC) de 30 kg/m², o que caracteriza a obesidade em primeiro grau, ela enfrentava dificuldade para encontrar peças de roupa que lhe caíssem bem — ou que, ao menos, lhe coubessem. Insatisfeita com o que via no espelho, cansada da rotina de desconforto e do mau humor e sonolência causados pelos quilos em excesso, Renata procurou um renomado endocrinologista da Zona Sul. Fez uma bateria de exames e, em agosto de 2017, recebeu a prescrição de dieta com baixa ingestão de carboidratos, associada a uma injeção diária, autoaplicada, de liraglutida. Achou o método um tanto invasivo, mas decidiu experimentar. Com os resultados, ganhou ânimo para se manter na dieta, aderiu a exercícios físicos e enxugou 27 quilos após três anos de luta contra a balança. “Ao ver a evolução no dia a dia, consegui manter o foco e me senti estimulada para seguir adiante”, conta a consultora, orgulhosa de seus atuais 59 quilos, distribuídos por 1,68 metro. “Algumas pessoas têm vergonha de admitir que tomam o remédio, dizem que emagreceram fazendo ioga, mas isso é hipocrisia”, acrescenta.

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    Como a substância atua no corpo (Vitor Martinez/Veja Rio)

    Renata fez a coisa certa: buscou o acompanhamento médico de um profissional sério, já que a liraglutida é um remédio de tarja vermelha. Só deve ser recomendado pelos especialistas nas situações em que mudanças no cardápio e no estilo de vida não surtem mais efeito em pacientes com IMC igual ou maior que 30 — ou acima de 27 no caso de pessoas que apresentam ao menos um problema de saúde relacionado ao peso. É o caso da diabetes e da hipertensão, distúrbios que fazem do Rio líder no ranking nacional, à frente de São Paulo, Belo Horizonte e Vitória, entre outras capitais. “Como uma doença crônica e multifatorial, a obesidade requer acompanhamento médico e individualizado, além de práticas saudáveis”, afirma o clínico-geral e mestre em endocrinologia Fabiano Serfaty. Não há espaço, portanto, para automedicação, dicas da moda ou médicos com comportamento suspeito e nome artístico de astro pornô. A liraglutida é produto dos avanços da medicina e pode apresentar resultados louváveis, mas, tomá-la como um atalho, sem os cuidados necessários, é o pior caminho

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