Nariz vermelho, maquiagem extravagante, cabelos coloridos, roupas espalhafatosas, piadas e comentários divertidos, os palhaços se mantêm indispensáveis no mundo digital. Arrancam sorrisos nos ambientes físicos e virtuais, e se tornam especialmente terapêuticos diante do crescimento de transtornos mentais derivados da pandemia.
+ Um Rio que passou em muitas vidas
Essas performances inspiram trajetórias como a do artista e empresário Frederico Reder. O fundador e diretor do Reder Circus revigora a tradição de palhaços no Brasil, onde se comemora esse personagem eternizado no imaginário no dia 10 de dezembro. (Já a Semana Internacional do Palhaço é celebrada anualmente entre 5 e 12 de outubro.) A vida de Frederico seria influenciada, desde a infância, pelo icônico palhaço Carequinha.
Nascido em Rio Bonito, interior fluminense, Carequinha foi o primeiro artista de circo a fazer sucesso na televisão brasileira. Também lançou o formato de programas infantis de auditório. Frederico Reder estava entre as vidas marcadas pelo sucesso de Carequinha nos anos 1970.
Depois de assistir na plateia a um desses shows, ganhou um beijo do palhaço. Nem quis tomar banho naquele dia, para não limpar a marca no rosto. Carequinha faleceu em 2006, aos 90 anos, mas Frederico o carrega na sua história.
Com apenas 3 anos, começou a frequentar circos com os avós. Observava de perto a felicidade proporcionada ao público. Desde então, o palhaço se tornou seu personagem favorito e o circo, seu templo da alegria. “A minha relação com palhaços, com o fazer sorrir, nasceu muito cedo. O meu sonho, o meu propósito de existir, é fazer as pessoas felizes. Escolhi o circo para ser a minha vida. Por meio dele, falo com milhares de pessoas”, empolga-se.
Frederico é mestre de cerimônia do show circense que leva o seu nome. Provocam risos e reflexões ao receber o público. Logo pergunta: “Qual o seu sonho de infância?”. O dele, orgulha-se, é o circo.
O sonho de compartilhar alegrias ganhou nova dimensão na pandemia. Ao avistar um hospital de campanha, na fase mais aguda da crise sanitária, em 2020, imaginou lonas coloridas no lugar das brancas ali estendidas. Projetou um dia transformar a tristeza e a tensão em celebração da vida.
+ Palace Hotel acende alerta para a preservação do patrimônio cultural
A previsão se concretizou. Seu circo ocupa hoje a área que acolhera o hospital, no Leblon. O espetáculo Abracadabra, diz ele, também ajuda a tratar as pessoas: “O circo é um hospital de almas. Os médicos estavam naquele terreno curando o físico das pessoas doentes. Hoje, no mesmo lugar, o espetáculo cura as almas”, alegra-se.
A pandemia também trouxe, no entanto, novos desafios para Frederico. O circo teve de paralisar as atividades por dois anos. Seus artistas precisaram se reinventar longe dos palcos.
Ele produziu, no período pandêmico, o programa Novos Caminhos, no Teatro Claro, com transmissão simultânea nos canais 500 da Claro TV e do teatro, no YouTube. Discutia com outros artistas temas como os rumos do circo, do teatro musical, da música e do humor.
+ Arquivo Nacional e os perigos do apagamento da memória
Assim como Frederico, Jodson Brito, de 29 anos, o palhaço Piriquitovisk do Unicirco Marcos Frota, ficou afastado do picadeiro por força dos cuidados sanitários. Pela primeira vez em 14 anos de carreira, deixava de escutar risadas e aplausos. Mas encontrou na internet um caminho para reciclar o seu trabalho.
Jodson criou, no YouTube, o canal Circo em Casa, com entretenimento para crianças e adultos. Ele ressalta a importância de os palhaços, e o circo em geral, acompanharem as mudanças tecnológicas, inclusive para renovar as fontes de receita.
Alinhados às transformações digitais, palhaços desdobram-se em vários estilos e espaços. Versáteis por ofício, esses herdeiros dos bobos da corte ganham ruas, teatros, sites, canais de streaming, hospitais. Adquirem diversas formas. Alguns até dispensam maquiagem. Mas Jodson lembra:
+ Do pioneirismo à poesia: a trajetória da sufragista Almerinda Farias Gama
“É no picadeiro que o maior espetáculo da Terra acontece. O circo precisa do calor do público”. Ele completa: “Minha primeira apresentação pós-pandemia foi em 2021, em Niterói, no festival Miscelânea, exatamente no Dia Nacional do Circo, 27 de março. Um dia emocionante. Senti o desejo das pessoas pela arte, pelo entretenimento, depois de um momento tão difícil.”
A arte reforça seu lado terapêutico em meio ao avanço dos transtornos mentais impulsionados pela pandemia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com maior índice de depressão na América Latina.
O Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) indica aumento de 41% dos casos no país. A psicóloga Christina Nogueira destaca a importância do entretenimento e da vivência de emoções positivas para recuperar os nervos abalados com a pandemia:
+ Bandas de barbeiros: música era único setor que aceitava população negra
“O distanciamento social mudou o padrão de comportamento da sociedade e provocou um aumento significativo nos índices de depressão e ansiedade. A arte pode ser um remédio. Com ela, damos espaço para os sentimentos agradáveis e cuidamos da saúde mental. Por isso, a arte é indicada muitas vezes em trabalhos terapêuticos”, ressalta.
Tal importância acentua os esforços voltados a expandir e valorizar a arte circense. Até para que cada artista – cada palhaço – desenvolva uma linguagem própria, enfatiza Frederico. E deixe sua marca no coração e na memória das pessoas.
*Gabriela Sisto, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui