É conhecida a história da pessoa que, ao chegar em casa e se deparar com seu parceiro aos beijos com o amante no sofá, decide trocar o sofá. Raciocínio parecido acometeu na noite desta segunda (20) Cesar Benjamin, secretário municipal de educação do Rio. Em meio às comemorações pelo Dia da Consciência Negra e às discussões sobre o racismo no país, ele criticou em seu perfil no Facebook o que chamou de “racialização do Brasil” – segundo ele, uma criação exportada para cá pelo Departamento de Estado americano.
O comentário de Benjamin parece ter sido dirigido implicitamente à atriz Taís Araújo. Na última semana, o vídeo de sua participação no evento TEDXSão Paulo foi divulgado na internet. Nele, a artista fala sobre como o racismo afeta a vida de seu filho. “No Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas mudem de calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros”, comenta ela. Na postagem compartilhada ontem, o secretário de educação escreveu: “Se os brasileiros mudassem de calçada quando vissem uma pessoa morena ou negra, viveriam em eterno ziguezague”, diz ele. Ao que tudo indica, o que lhe incomoda é o sentimento de diferença entre as pessoas que as discussões cada vez mais recorrentes sobre raça têm gerado. “Nossa maior conquista — o conceito de povo brasileiro — desapareceu entre os bem-pensantes. Qualquer idiotice racial prospera”, defende Benjamin. “Quero que as raças se fodam”, chega a afirmar.
Em um parágrafo ao fim do texto, o secretário aproveita para desarmar o argumento de que “os negros estão nas prisões”. Com a autoridade de quem foi preso político da ditadura em Bangu entre 1971 e 1976, ele afirma: “As cores dos presos na galeria em que fiquei, e nas demais, e as cores que vejo na rua são exatamente as mesmas”. A reportagem se reserva o direito de não comentar a caracterização de Benjamin como “linda e cheirosa” da pessoa por ele denominada como “atriz global” – extendida, inclusive, a seu filho.
ALGUNS DADOS
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante a todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Entretanto, estudos recentes apontam que a cor da pele é decisiva para determinar em que medida o cidadão pode ou não usufruir dessas prerrogativas no país. Um levantamento com base em dados fornecidos pelo Ministério da Saúde indicou que quatro em cada 10 vítimas de homicídio no Brasil em 2015 eram pretos ou pardos na faixa entre 15 e 29 anos. Para organizações como a Anistia Internacional, essa situação configura genocídio.
Já dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística referentes ao terceiro trimestre de 2017 mostraram que o rendimento médio de pretos e pardos no período foi de R$ 1531 – contra R$ 2757 de brancos. Vale dizer que, entre sociólogos e outros especialistas, convecionou-se usar a palavra negro justamente para definir o grupo composto por pretos e pardos.
Quanto à população prisional, um levantamento feito em 2012 pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial revelou que negros não só eram a maioria dentro da população prisional brasileira como o grupo que mais cresce. Em 2005, havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos. Sete anos depois, 292.242 negros presos e 175.536 brancos. Ou seja, 60,8% da população prisional era preta ou parda.
As declarações do secretário Benjamin não devem motivar perseguições, mas aparentam ser imprecisas (como demonstram os dados acima) e são totalmente passíveis de crítica. Em vez de se preocupar com o crescimento do debate sobre um tema que é um problema real da sociedade brasileira, talvez ele devesse aproveitar sua posição atual para ajudar a diminuir a distância que existe entre brancos e o restante da população. Trata-se apenas de olhar mais para o amante e menos para o sofá, para usar o exemplo já citado.