Eles avançam perigosamente pelas pistas enquanto seus condutores falam ao celular. Nas curvas, chegam a beirar os 30 graus de inclinação. A descrição acima serviria a um roteiro de filme de ação, mas pode ser experimentada por quem se aventurar pelos ônibus que circulam na cidade. Uma avaliação realizada por VEJA RIO em cinquenta linhas urbanas revelou que, em 30% das viagens, os motoristas fazem algum tipo de bandalha ou manobra arriscada como as citadas. No levantamento constatou-se ainda que sete em cada dez veículos circulavam imundos e quase metade estava completamente lotada nos horários de pico. Durante dois dias (6 e 9 de março), dez repórteres da revista viajaram nos coletivos com o objetivo de mensurar a situação dos carros, o comportamento dos motoristas, a qualidade da viagem e o estado de conservação dos pontos. A conclusão: exceto para quem gosta de viver perigosamente e não se incomoda com sujeira, andar de ônibus na capital fluminense é sinônimo de sufoco. “Os ônibus que tomava para ir ao trabalho na Gávea eram tão lotados e tão ruins que eu passei a ir a pé”, afirma a psicóloga Karin Muller, 25 anos, moradora do Jardim Botânico. “Tempos atrás, quando ainda estudava no Fundão, cheguei a ver um dos ônibus da linha que eu usava, a 485, tombar bem na minha frente, tamanhas a lotação e a imprudência do motorista”, lembra a terapeuta.
Se na Zona Sul a situação já é complicada, ela piora nas regiões norte e oeste da cidade. Em alguns bairros, nem sequer há placas que indicam a localização dos pontos. Na Freguesia, é preciso aguardar pela linha 341 embaixo de uma árvore. Na Central do Brasil, o ponto inicial do 180, a espera na fila durou quase meia hora e o veículo já saiu lotado da estação. Algumas pessoas nem sequer fizeram questão de se sentar quando vagou assento, já que alguns bancos cheiravam mal ou estavam rasgados. Tentar apreciar a vista do Rio é quase uma utopia nessas situações — até porque as vidraças de muitas conduções encontravam-se embaçadas de tanta sujeira, o que demonstra um descaso claro com a manutenção dos veículos. “Garantimos que eles saem limpos da garagem, mas o nível de depredação é muito grande, falta consciência às pessoas”, argumenta Lélis Teixeira, presidente do Rio Ônibus, sindicato que reúne as empresas operadoras dos ônibus municipais. “Poderíamos retirar os veículos de circulação para fazer manutenção durante o dia, mas isso agravaria a lotação. Uma solução plausível seria multar as pessoas que sujam”, completa. O sistema seria semelhante ao adotado com os foliões nos blocos de rua do Carnaval. Para piorar o cenário, de todos os carros testados, 70% não tinham ar-condicionado.
Composto de 9 105 veículos que alimentam 723 linhas, com cerca de 20 500 motoristas e 9 000 cobradores, o serviço da Rio Ônibus também tem parte de sua qualidade comprometida pela infraestrutura precária das vias, cujos engarrafamentos esticam o tempo de deslocamento. Nesse sentido, as obras públicas impulsionadas pela Copa e pela Olimpíada para expandir a malha viária, como é o caso dos corredores expressos BRT, podem ser encaradas com otimismo. Hoje, porém, apenas 3,5% da frota circula por eles. Implantado com sucesso em cidades como Bogotá, na Colômbia, e reproduzido aqui, o sistema do Rio, no entanto, já apresenta sobrecarga de passageiros. ���A demanda do BRT é maior do que planejamos, mas já prevemos um aumento de 10% no número de coletivos rápidos nos próximos três meses”, diz Teixeira. Também há planos de melhorias para os ônibus convencionais. A retirada de 35 linhas que trafegam pela Zona Sul, prevista para julho pela prefeitura, promete aliviar o trânsito, mas não garante excelência no atendimento. Faltam informações sobre o trajeto percorrido por quase 70% dos veículos. E 44% dos motoristas são ríspidos ou grosseiros com os passageiros. Essa é uma deficiência que pode ser amenizada, já que teve início uma parceria entre o Rio Ônibus e a FGV para capacitar os funcionários com cursos de cidadania.
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Cada vez mais saturadas de veículos, as grandes metrópoles do mundo costumam se apoiar em sua estrutura de transporte público para estimular os moradores a trocar a condução individual pela coletiva. Essa é a condição básica para levar as pessoas a deixar o carro em casa e com isso contribuir para a diminuição dos engarrafamentos. “Isso só vai acontecer quando as pessoas tiverem acesso a sistemas de transporte dignos de uso”, diz Ronaldo Balassiano, do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ. Pelos resultados aferidos na pesquisa de VEJA RIO, tal condição ainda não existe por aqui. ■