Dados sobre a LGBTIfobia no Rio não são transparentes, aponta pesquisa
Pesquisadores recomendam uma integração entre os registros de órgão públicos para o monitoramento dos casos
Uma pesquisa do Grupo Arco-Íris e da Aliança Nacional LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero e Intersexuais) recomenda maior transparência em dados sobre violência LGBTIfóbica ( Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero) nos órgãos fluminenses.
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Chamado de Painel da Violência Contra a População LGBTI+ Rio, o estudo foi lançado na última sexta (9) e traz sugestões à Polícia Civil, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Tribunal de Justiça do Rio, além de projetos de lei de âmbito federal e estadual.
Os pesquisadores consideram que “não há hoje como saber quantos registros de ocorrência são feitos em cada delegacia do estado do Rio de Janeiro sobre violência em razão de orientação sexual e identidade de gênero de forma clara, objetiva, direta e transparente”.
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Conclusão do estudo aponta ainda que não é possível gerar uma base de dados sobre casos e processos envolvendo LGBTIfobia na Polícia Civil e que a base de dados existente “não é transparente o suficiente para a realização de estudos autônomos de forma contínua e independente”.
A pesquisa recomenda a integração das bases de dados e o fluxo de encaminhamento dos casos entre Defensoria Pública, Ministério Público e Tribunal de Justiça para monitoramento dos atendimentos e processos envolvendo essa população.
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Os pesquisadores avaliam que, no Tribunal de Justiça do estado, por meio do processo eletrônico, seria possível suprir a insuficiência de dados com a criação de uma classe que identificasse casos sobre homofobia e transfobia.
Considerado um dos principais serviços de enfrentamento à violência LGBTIfóbica no estado, o Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis) da Defensoria Pública do Rio não possui dados organizados e sistematizados sobre seus atendimentos, segundo a pesquisa, que recomenda a criação de um banco de dados institucional sobre o tema.
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Sobre o Ministério Público do Rio, a pesquisa aponta que não há uma coordenação específica para atendimento e orientação das demandas da população LGBTI+, assim como monitoramento dos processos e denúncias que envolvam violência em razão de orientação sexual e identidade de gênero.
Diante disso, a recomendação é a criação de um local especializado, bem como a comunicação com a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância e controle externo da atividade policial.
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Procurado pela Agência Brasil, o TJ-RJ respondeu que “não emite opiniões sobre pesquisas”. Já a Polícia Civil não enviou resposta até o fechamento desta reportagem. A Defensoria Pública, por sua vez, afirmou que “reconhece a necessidade de aperfeiçoamento da base de dados de seu Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual”.
“Desde 2015, a instituição vem investindo na produção e análise de estatísticas, com a criação de uma diretoria de pesquisa sobre o acesso à Justiça, que vem promovendo uma série de estudos sobre a atuação da instituição, inclusive no combate à violação de direitos de públicos minoritários, como o LGBTI+”, disse.
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O órgão acrescentou que as principais demandas que recebe da população LGBTI são pedidos de alteração de prenome e gênero de acordo com a autopercepção, de reparação civil e criminal nos casos de transfobia e cirurgias de transgenitalização.
Segundo a defensoria, o Nudiversis “tem como missão auxiliar os defensores de todo o estado em casos que envolvam os direitos das pessoas LGBTI+ e fomentar a criação de políticas públicas voltadas para esse público”.
No primeiro semestre deste ano, foram realizados 438 atendimentos por meio do seu Polo de Atendimento Remoto (WhatsApp 96551-3806).
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O Ministério Público respondeu que reconhece a experiência do Grupo Arco-Íris e da Aliança Nacional LGBTI sobre as questões LGBT e afirmou que vai concentrar esforços no cumprimento das recomendações da pesquisa.
“O MPRJ coloca à disposição duas estruturas recém-criadas para o atendimento, registro e monitoramento de demandas LGBT: a Coordenadoria-Geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana e a Coordenadoria de Direitos Humanos e de Minorias. Cabe ressaltar que o controle externo da atividade policial é exercido por duas Promotorias de Investigação Penal com atribuição para atuar junto à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância”, declarou.
Dados defasados
Um dos responsáveis pelo estudo, o cientista social Rogério Sganzela explicou que o dossiê só conseguiu detalhar dados sobre o perfil das agressões motivadas por LGBTIfobia em anos anteriores a 2016, porque, a partir daí, os dados sobre a motivação homofobia e transfobia deixaram de ser públicos e passaram a ser considerados informações sensíveis das pessoas envolvidas.
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“A motivação presumida de homofobia ou transfobia foi tratada como dado sensível nos registros de ocorrência que são realizados com essas motivações presumidas, não temos mais como filtrar [por motivação]”, detalhou Sganzela. Segundo ele,um percentual muito pequeno dos registros de ocorrência detalha a orientação sexual e a identidade de gênero das vítimas, o que inviabiliza usar esse dado como alternativa.
Pessoas LGBTIs que denunciaram violência no estado entre 2009 e 2016 apontaram pessoas conhecidas como os autores da agressão em 60% dos casos, segundo o estudo. Ambientes privados, como residências, foram o local das agressões em 50,7% das denúncias. “Correlacionando as duas variáveis, violências na residência, por pessoas de vizinhança, relação doméstica e parentesco e afinidade somam 35%”, diz a pesquisa.
Outros cruzamentos de dados permitem observar que 10% das violências foram praticadas em vias públicas por desconhecidos, 9% por colegas no ambiente de trabalho e 8% em ambientes comerciais.
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Os registros de violência em locais públicos somaram 49,3% dos casos. Nesses registros, um em cada dez envolve mais de um agressor (chegando até grupos de 15 pessoas), e os episódios acontecem com maior frequência em horários noturnos.
O estudo informa ainda que quase um terço do total de usuários do programa estadual Rio sem LGBTIfobia, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio, e da Casa Arco-Íris, do Grupo Arco-Íris, é de pessoas transexuais. “Isso mostra que pessoas trans seguem sendo as mais perseguidas”, disse o coordenador da pesquisa, Cláudio Nascimento, ao apresentá-la no auditório do Museu do Amanhã.
Outro dado trazido pelo estudo é a tendência de diminuição no número de registros de ocorrência com o preenchimento de testemunhas.
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“Os crimes de LGBTIfobia estão aumentando e às escondidas de testemunhas e público. Uma hipótese que aqui se vislumbra é que muitas pessoas que poderiam ser testemunhas se omitem, rejeitam ou não se sentem implicadas com a demanda de violência. Outra hipótese, não excludente à anterior, é que houve uma diminuição da cifra oculta e o número de registros oficializados (e o percentual de testemunhas baixo) evidencia um número mais condizente com a realidade.”
Capital x Interior
O estudo também traz dados do programa estadual Rio sem LGBTIfobia, segundo os quais os atendimentos a pessoas LGBTI cresceram entre janeiro de 2019 (260) e julho de 2020 (507). Neste último mês, 58% das demandas levadas ao programa se concentraram nos municípios periféricos da Região Metropolitana, 10% foram na capital e 32%, no interior.
Apesar disso, 57% das demandas relacionadas à LGBTfobia estão na capital, segundo dados da Polícia Civil para o período 2009-2016 e dados de 2018-2020 somente da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), localizada no centro do Rio.
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“A concentração na capital e a quantidade de casos nos demais municípios do estado do Rio de Janeiro, abaixo dos 15%, demonstram que é necessária uma interiorização da política pública de segurança pública”, diz o estudo.