Há 37 anos Maria da Glória Souza sai às 8h30 de sua casa, na Rua Cândido Gaffrée, na Urca, em direção ao trabalho, no Instituto Benjamin Constant (IBC), centro de referência nacional na área da deficiência visual, que fica no mesmo bairro. Às escuras desde os 6 anos, quando um tumor cerebral paralisou e atrofiou seu nervo óptico, a professora poderia ir caminhando até lá, mas prefere não se arriscar. “Acabo pegando um táxi porque sempre há um buraco novo ou um carro estacionado em local proibido. Sem falar nas faixas táteis, que deveriam servir de guias e estão instaladas de forma incorreta”, alerta, chamando atenção para um dos acessórios fundamentais na orientação e mobilidade de deficientes visuais em espaços públicos. Fixados no chão, em alto-relevo, com cores contrastantes e materiais antiderrapantes, os chamados pisos podotáteis auxiliam na identificação de desníveis, obstáculos e outros perigos, além de indicarem o caminho a ser percorrido com segurança. Se na teoria foram feitos para ajudar, na prática têm causado muitos problemas. “Prefiro me guiar pelos muros em certos lugares. Não sei quando posso confiar nos pisos”, conta João Batista Alvarenga, revisor de textos em braile do instituto, onde dá expediente diário, e morador do bairro do Sampaio, na Zona Suburbana.
Antes dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, o programa Rotas Turísticas Acessíveis, capitaneado pela Secretaria Municipal de Turismo, a RioTur, instalou 4 000 metros quadrados de faixas táteis nas redondezas de pontos turísticos cariocas com o intuito de beneficiar tanto visitantes quanto moradores da cidade — segundo o IBGE, cerca de 3,1% da população tem algum tipo de deficiência visual. Especialistas afirmam, no entanto, que o serviço foi feito às pressas, o que resultou em uma série de erros. Vizinho do Pão de Açúcar, uma das atrações contempladas, o entorno do IBC ganhou o piso especial, mas alguns trechos se tornaram verdadeiras armadilhas (veja o quadro). Outro ponto crítico é o Boulevard Olímpico, onde a passagem do veículo leve sobre trilhos (VLT) deixa os deficientes visuais ainda mais vulneráveis. Apesar do piso de alerta paralelo ao carril, a grande circulação de pessoas pelo calçadão já danificou alguns pontos. Em outros, o equipamento nem sequer foi instalado. Ainda há casos em que o pavimento especial foi posicionado depois de uma série de obstáculos na via. “Nas áreas abertas, como o Boulevard e a Praça Mauá, costumamos ficar desnorteados porque não existem muros ou guias que podem ser usados como referência”, relata Vitor Alberto, professor de história e geografia do IBC. Procurada, a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente informou que vai vistoriar os locais. embora as recentes obras de mobilidade urbana apontem para uma sociedade mais inclusiva, o caminho, ao que tudo indica, ainda será longo.