Amultidão que se aglomera quase todas as madrugadas no balcão e nas mesas da Pizzaria Guanabara, no Baixo Leblon, parece não se importar. Entretida com saideiras de chope gelado, uma turma eclética se diverte alheia às condições em que são preparadas as pizzas servidas ali. Uma visita rápida à cozinha — franqueada por lei a qualquer cliente — revela instalações longe das condições ideais. Logo na entrada, uma grande lixeira aberta chama atenção pela proximidade com o fogão e a copa. A área de preparo de massa não prima pela limpeza e há traços de gordura nas paredes. Vestiário e câmara frigorífica dividem espaço — situação estabelecida desde 2013, quando uma decisão judicial confiscou e levou a leilão parte do segundo piso do imóvel a fim de pagar dívidas trabalhistas. O tour feito por VEJA RIO se deu na última terça, 22, quatro dias após a casa ser autuada pelo Procon-RJ, que encontrou quase 38 quilos de alimento sem identificação, além de 2 litros de chope fora da validade. “Só tinham dois dias de vencidos”, minimiza o empresário Francisco Recarey, dono do negócio.
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Aberta das 11 às 5 horas, a casa na Avenida Ataulfo de Paiva recebe milhares de clientes por mês. Frequentar o estabelecimento, porém, tornou-se um ato de bravura gastronômica. “Parei lá em outra noite, depois de um show, para comer uma pizza e ela não desceu bem. Fiquei mais de 24 horas ‘entalado’ com aquilo”, revela o estilista Carlos Tufvesson, frequentador assíduo nos bons tempos da Guanabara. “Mas é um dos poucos lugares que ficam abertos de madrugada no Rio. Acho que isso acaba atraindo as pessoas”, completa ele, que chegou a postar a experiência desastrosa em sua página do Facebook, um dia antes da operação do Procon. De fato, o histórico de negligência por ali é alarmante. Somente nos últimos doze meses, o restaurante aberto em 1964, epicentro do agito na Zona Sul nos anos 80, recebeu quinze autos de infração, que geraram 27 592 reais em multas. Geralmente, são advertências por infestação de baratas, falta de higiene na manipulação de comida e áreas de produção imundas. “São condições que põem a saúde dos consumidores em risco”, afirma Luis Carlos Coutinho, coordenador de alimentos da Vigilância Sanitária.
Nas filiais, a situação é mais grave. Segundo denúncia recebida pelo órgão, a unidade da Lapa está com a água cortada há sete anos. “Nesse tempo, eles têm usado caminhão-pipa, o que é ilegal em áreas que contam com distribuição pública”, diz Coutinho. A unidade, assim como a da Barra, está oficialmente interditada e não pode funcionar, mas continua operando em horários alternativos para driblar a fiscalização. Na quarta (23), um funcionário da Barra informou por telefone que a casa estava abrindo das 19 às 3 horas. “Encaminhamos ofício para a Defesa Civil alertando sobre o estado do edifício na Lapa, que corre o risco de desabar”, acrescenta o coordenador da Vigilância.
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Equilibrando-se entre a ilegalidade e a morosidade dos órgãos de fiscalização, Recarey continua à frente dos negócios. Espanhol de Coristanco, 73 anos, ele chegou ao Rio na década de 50 e começou a trabalhar como garçom. Abriu a Pizzaria Guanabara em 1964, ainda adolescente, e, na década de 80, já era um dos maiores empresários da noite carioca, quando chegou a comandar trinta restaurantes, bares e casas de show. Tinha tanto prestígio que a inauguração do Asa Branca, em 1983, um de seus negócios na Lapa, contou com a presença do então rei da Espanha, Juan Carlos. Foi enredo da Mangueira e fez parte do livro Sociedade Brasileira, até ser defenestrado. Seu império começou a ruir no fim dos anos 90, quando quase perdeu, de uma só vez, 70% de suas empresas. Mas sempre conseguiu reverter a situação. Em 2013, chegou a ser preso por furto de energia num de seus restaurantes, em Ipanema. Agora, em mais uma derrota na Justiça trabalhista, publicada no Diário Oficial no dia 27 de outubro, o empresário terá seu apartamento na Avenida Vieira Souto leiloado para o pagamento de quase 9 milhões em dívidas. O reinado, parece, está perto do fim.
UM ANO RUIM
Exemplos de falhas encontradas ao longo de 2016 nas três filiais
Janeiro
No Leblon, a Vigilância Sanitária acha baratas vivas, ralos entupidos, panelas imundas, caixa-d’água sem tampa e banheiros sem condição de uso.
Fevereiro
O Procon-RJ isola área de estocagem do Leblon por péssimas condições de higiene, com baratas, alimentos no chão, paredes mofadas e ralo sem tampa.
Fevereiro
A Vigilância interdita a filial da Barra. Fiscais acham baratas circulando pela cozinha, lixo acumulado e o teto quase desabando.
Outubro
A unidade da Lapa é fechada depois que a Vigilância Sanitária detecta a existência defezes de rato na cozinha e equipamentos imundos.
Novembro
No Leblon, o Procon-RJ encontra 36 quilos de produtos sem especificação de validade e 2 litros de cerveja vencidos.