Em meio à exuberante natureza ao redor da estrada que margeia o Rio Preto, em Visconde de Mauá, dois Porsche estacionados destoavam da paisagem bucólica no sábado 9. Pois o desfile de carros de luxo, que inclui ainda modelos Mercedes-Benz e Ferrari, tornou-se comum nos arredores do restaurante Rosmarinus, o mais bacana da região, classificado com uma estrela no GUIA Quatro Rodas. Mais conhecido por ser um remoto reduto hippie, o vilarejo vê o turismo de luxo florescer, da mesma forma que as localidades vizinhas de Maromba e Maringá. O ponto de partida para esse fenômeno foi a pavimentação, há dois anos, da Rodovia RJ-163, que conecta o vale encravado na Serra da Mantiqueira à Via Dutra. Com o acesso facilitado, o afluxo de visitantes tem crescido ao ritmo de 10% ao ano, trazendo ao lugar frequentadores com perfil diferente. O impacto é sensível na rede hoteleira, formada por 150 pousadas, e também entre os estabelecimentos gastronômicos da região, que registraram um aumento de 30% no faturamento. Além da movimentação de carrões, o início de prosperidade pode ser visto nas encostas escarpadas da Serra da Mantiqueira. Desde a chegada do asfalto, casas e construções de alto padrão agora dividem a paisagem com antigas fazendas de gado. ?Nosso quarto mais luxuoso é um chalé com diária de 1?400 reais?, conta Carlos Caniato, dono da pousada Mauá Brasil, que, entre outros requintes, tem um heliponto à disposição dos hóspedes. O preço salgado não assusta os clientes, entre eles a atriz Claudia Jimenez e Eduardo Colombo, dono da empresa de produtos alimentícios Piraquê. ?Esse chalé tem sempre fila de espera?, garante o proprietário.
Localizado na divisa entre o Rio e Minas Gerais e com cerca de 6?000 moradores, Mauá oficialmente é um distrito de Resende, embora se espraie também pelos municípios de Itatiaia e Bocaina de Minas. O desenvolvimento recente é mais visível no lado mineiro de Maringá e na vila de Visconde de Mauá, que passa por abrangente reurbanização. Outrora degradado, o centro do comércio local teve todo o calçamento substituído, a drenagem feita e mudas ornamentais plantadas. Os investimentos contemplam também a construção de três unidades de tratamento de esgoto, antes despejado em rios e fossas, e um teatro com oitenta lugares, com previsão de abertura para dezembro. Obra de mais fôlego, o trecho da rodovia entre Mauá e Maromba, passando por Maringá, deve ser concluído até o fim de 2014. Dono do restaurante Gosto com Gosto, localizado na parte revitalizada de Mauá, Cláudio Rangel aproveitou essa bonança para destinar 150?000 reais à reforma do estabelecimento. ?Compramos fogões de alta tecnologia e ampliamos a capacidade em vinte lugares?, conta. O panorama se repete no restaurante Rosmarinus. ?Nos tempos de estrada de terra nenhuma transportadora queria vir até aqui?, recorda o chef Júlio Buschinelli. Era inviável a compra de itens triviais, como camarão. Agora, carregamentos do crustáceo chegam em grandes quantidades. ?Certa vez, eu viajava com o carro cheio de compras e o motor despencou, tal a quantidade de buracos na estrada?, conta Buschinelli, que iniciou nesta semana a informatização do sistema de pedidos.
O bom momento encoraja muitos outros a apostar em negócio próprio. Dono de uma fazenda perto de Maringá, Roberto da Rocha investiu 200?000 reais para construir um alambique, onde vai fabricar uma cachaça premium. Numa iniciativa de cinco empresários locais, entre eles Carlos Caniato, foram plantadas 3?000 oliveiras em fazendas desativadas. Ao custo de 300?000 reais, o projeto visa a produzir anualmente 7?000 litros de azeite orgânico extravirgem, cuja garrafa de 1 litro sairá no mínimo por 150 reais. Esse espírito empreendedor, diga-se, tem raízes históricas. Colonizada por imigrantes europeus no século XIX, a região foi doada pelo imperador Pedro II ao industrial Irineu Evangelista de Sousa, o barão de Mauá. Posteriormente alçado a visconde, ele deu nome ao território, que até a primeira metade do século XX tinha a economia baseada na pecuária leiteira e de corte. O primeiro boom turístico deu-se nos anos 70, quando a turma do ?paz e amor? começou a subir a serra. Na esteira da contracultura espalharam-se ateliês e lojas de artesanato místico. Quatro décadas depois, ainda resistem na cultura local traços do movimento riponga, notadamente na comunhão com a natureza. Mas, com a crescente sofisticação, será cada vez mais difícil topar com as lojinhas do passado. ?Quem quiser investir deverá estar preparado?, afirma Caniato. ?A concorrência por serviços de qualidade ficará ainda mais intensa.? Podes crer, bicho.