Porta de entrada do bairro da Urca, a Avenida Pasteur conserva um importante pedaço da história do Rio graças ao seu majestoso conjunto de edifícios. Alguns são do tempo do Império. É o caso do Instituto Benjamin Constant e do antigo Hospício D. Pedro II, hoje ocupado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A poucos metros dali fica o câmpus da UniRio, outro guardião da memória carioca. O prédio-símbolo do Centro de Letras e Artes (CLA), por exemplo, é um dos remanescentes da Exposição Nacional de 1908, que celebrou o centenário da abertura dos portos às nações amigas. Herdado pela instituição, ele abriga a escola de artes cênicas que se originou do Conservatório Nacional de Teatro, fundado em 1937 por Getúlio Vargas. No mesmo complexo está localizado o Instituto Villa-Lobos, a escola de música da universidade. Ambos são referência no ensino superior de arte no Brasil. Por lá passaram nomes de destaque como Paulinho da Viola, Marco Nanini, Pedro Paulo Rangel, Dira Paes, Camila Pitanga e Mateus Solano. Pois não há vestígios desse passado glorioso para quem se arrisca, hoje, a dar uma caminhada por ali.
O retrato mais visível da degradação são as fachadas dos cinco blocos que compõem o complexo da Urca. Nem mesmo o pavilhão de 1908, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), escapa ileso. Na última semana, durante uma visita de técnicos do órgão para avaliar as condições do prédio, parte do reboco de uma parede despencou. Na área interna, a sala de espetáculos Glauce Rocha foi interditada por causa do risco de acidentes. Há pedaços de teto na iminência de cair e restos de material cenográfico espalhados pelo chão. A situação dos demais edifícios só reforça a maneira equivocada como são feitas as melhorias no patrimônio público ? sempre a conta-gotas. Em um mesmo andar da escola de artes cênicas, há ambientes recém-reformados ao lado de banheiros praticamente inutilizados à espera de obras. No Instituto Villa-Lobos, que ocupa vários blocos, a situação é semelhante. Espaços modernizados, como o estúdio de gravação Radamés Gnattali, convivem com outros de mobiliário desgastado, instalações elétricas aparentes e buracos no teto. “Temos problemas de conservação”, admite José da Costa, vice-reitor da universidade. “Mas há projetos de recuperação para todos esses espaços. Faltam os recursos.”
Lamentavelmente, a questão não se resume apenas à falta de dinheiro, e sim à maneira como ele é empregado. Os problemas de infraestrutura na universidade se agravaram a partir de 2008. Naquele ano, a UniRio aderiu ao programa do governo de reestruturação e expansão das instituições federais, o Reuni, que desde então repassou 114 milhões de reais à sua reitoria. Com essa verba, mais do que suficiente para recuperar toda a universidade, foram abertos dezesseis cursos, com um aumento de 70% no número de alunos. Evidentemente, a área para comportar os novos frequentadores não cresceu na mesma velocidade, contribuindo mais rapidamente para a sua decrepitude e gerando uma grande disputa por espaço físico entre os departamentos. Estudantes das graduações de letras e filosofia, criadas em 2010, não têm salas de aula próprias até hoje, migrando de acordo com a disponibilidade.
Devido à sua proporção, o caos nas instalações tem feito com que até o corpo docente se mexa em busca de recursos. Recentemente, o professor Silvio Augusto Merhy coordenou a recuperação do acervo das escolas de teatro e música, depois de entrar com um pedido de verba na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Atas originais, escritas a mão pelo compositor Heitor Villa-Lobos, documentos que atestam a passagem de alunos famosos, fotos e textos que guardam a história da universidade foram higienizados e ordenados em cerca de 1?500 caixas de arquivos, agora dispostos em um espaço climatizado. Depois de digitalizado, esse rico material será aberto à consulta pública. Uma boa notícia em meio a problemas que estão muito, muito longe do fim.