Profissionais de 22 nacionalidades compõem o time do Rio 2016
Os estrangeiros emprestam a experiência em outras edições do evento e ajudam a criar o clima de integração dos povos, um dos ideiais olímpicos
Nos corredores do Comitê Rio 2016, o quartel-general dos Jogos Olímpicos, cruzar com grupos conversando em inglês é tão natural quanto com aqueles que falam português. Por ali, muitas mesas são enfeitadas com a bandeirinha de diferentes países, que indica a origem de quem ocupa o posto de trabalho. Entre os mais de 2 100 funcionários que estão dando forma à próxima Olimpíada, 107 deles são estrangeiros, num total de 22 nacionalidades. A presença desse time multinacional não acontece por acaso: a maioria traz na bagagem a experiência em grandes eventos esportivos e sua participação ajuda a incutir nos cariocas um dos ideais olímpicos — a integração dos povos. Imbuída desse espírito e apaixonada por esportes, a francesa Aurelie Berak, 35 anos, desembarcou na cidade em outubro de 2013 sem falar uma palavra de nosso idioma para atuar na área de ingressos. Passado pouco mais de dois anos, o português já deixou de ser um problema. A francesa mostra fluência, fala com o chiado característico do sotaque carioca e até adquiriu alguns hábitos locais. “Não sou de ir muito à praia, mas adoro tomar uma geladinha no fim de semana”, afirma Aurelie, que vive sozinha em um apartamento no Humaitá. Contudo, uma coisa ainda a intriga. “Desconfio muito dos homens brasileiros. Na França, sair para jantar por duas vezes já é sinal de namoro. Aqui, pode-se ficar junto um ano e não significa nada”, estranha.
Grande parte da mão de obra importada para o comitê é formada por pessoas que passaram por alguma Olimpíada. Contando com os Jogos de Inverno, 78% delas já trabalharam em edições do evento. Para essa turma, mudar-se de país de tempos em tempos, mais que necessário, é desejável. A economista italiana Raffaella Fresco, 43 anos, entrou nessa rotina em 2003. Na época, ela leu em um jornal sobre os preparativos dos Jogos de Inverno de Turim e candidatou-se. Depois da primeira experiência, trabalhou em Atenas (2004), nos Jogos da Juventude de Singapura (2010) e em Londres (2012). “Minha casa é o mundo, e é difícil voltar a ter uma vida com endereço fixo”, define a profissional, que cuida da área de protocolo. Ela é responsável pela logística da chegada de mais de oitenta chefes de Estado, entre outras atribuições, como a organização dos hinos nacionais e de mais de 12 000 bandeiras das 206 delegações participantes. “Gosto de viver a experiência de cada país. Escolhi morar em Botafogo para fugir dos roteiros comuns aos estrangeiros”, explica. Já o jornalista espanhol Paco Biosca, 35 anos, decidiu voltar ao Rio depois de trabalhar na Inglaterra. Ele havia feito parte da equipe dos Jogos Pan-Americanos de 2007. “Como vivo viajando, tudo o que possuo cabe em duas malas. O bom é que não tenho problemas com idiomas, sou praticamente o Shakespeare do portunhol”, brinca o responsável pela comunicação entre o comitê organizador e as delegações paralímpicas.
As diferenças culturais entre os estrangeiros e os brasileiros da Rio 2016 ficam para trás quando o espaço de convivência é a mesa do bar. No caso, o Sonho Azul, um típico boteco carioca, daqueles em estilo pé-sujo, localizado na Rua Joaquim Palhares, e conhecido pelos funcionários do comitê como Blue Dream. É lá que, a partir das 5, 6 da tarde, brasileiros e estrangeiros se reúnem para continuar o papo, mas com um copo nas mãos. As redes de vôlei na areia, as caminhadas na orla e o estilo de vida dos cariocas também são um convite aos novos e temporários moradores do Rio. Tanto que o casal de cubanos Ariel Valdes, 33 anos, e Mariela Gonzalez, 32 anos, rapidamente se adaptou à vida local. Em sua primeira experiência em Jogos Olímpicos, eles se mudaram da Cidade do México para um condomínio na Barra, onde estão desde 2012. O novo endereço os faz lembrar da vida em Havana. “Acredito que as pessoas que moram próximo do mar tenham um espírito bem parecido”, afirma Ariel, profissional de tecnologia de informação. Sua mulher atua nas relações com os comitês paralímpicos e está tão integrada que já se espelha nas cariocas. “Viver aqui é um convite à vida ao ar livre. Voltei a me exercitar”, diz ela, sem deixar de lamentar a possibilidade da partida após a Rio 2016. “Vai ser difícil deixar esta cidade.”
Com as instalações olímpicas prontas e entregues ao comitê organizador, o trabalho só aumenta. O número de funcionários da Rio 2016 tende a crescer exponencialmente, inclusive o de mão de obra estrangeira. Até março do ano que vem, mais de 1 000 novos funcionários vão compor a equipe. Na cerimônia de abertura esse número terá chegado a 6 500, sem contar os 70 000 voluntários e as 85 000 pessoas que trabalharão em serviços até o fim da Olimpíada. O caráter temporário dos Jogos também se aplica ao prédio construído para o comitê na Cidade Nova, em frente à estação de metrô do Estácio, instalado numa área de 20 000 metros quadrados. Para erguê-lo foi utilizada a tecnologia de módulos, que reduz o uso de concreto e permite que a edificação seja desmontada. O espaço é sustentável, reaproveita a água da chuva e utiliza mobiliário de madeira certificada, além de praticamente não ter divisórias nas salas. Lá, nas áreas de trabalho se misturam diretores, gerentes e funcionários, sem biombos nem separações. Tudo para aumentar a troca entre as equipes. “Nossa ideia é que os estrangeiros tragam sua experiência para ajudar também a aumentar nossa capacidade em gerenciar eventos esportivos”, aposta Henrique Gonzalez, diretor de recursos humanos. Uma contribuição mais que bem-vinda ao Rio.