A gastronomia é cheia de surpresas saborosas. É o caso, por exemplo, da clássica tarte tatin, que teria nascido no século XIX por puro descuido da chef, Stephanie Tatin. Era para ser mais uma das famosas tortas de maçã do Hotel Tatin, que fica em Lamotte-Beuvron, na França, quando, em um dia de muito movimento, a mestre-cuca se esqueceu de acrescentar a massa à receita. Percebendo o erro, tentou recuperar o doce transformando-o em uma torta invertida, com a fruta caramelizada por cima. Deu tão certo que virou uma das sobremesas mais tradicionais e apetitosas do país. No Rio, alguns quitutes de sucesso nos restaurantes também nasceram assim, totalmente ao acaso.
Receita clássica da Roberta Sudbrack, a tortinha de pera e tapioca era para ser totalmente diferente, com massa tipo sablé e peras assadas ao invés de salteadas. ?Ia servir a sobremesa em um jantar no Palácio do Planalto, em 1997, mas deu tudo errado. As peras ficaram muito cozidas e com uma cara horrorosa?, lembra a chef. Em alguns minutos, ela improvisou com os ingredientes que tinha à mão e reinventou o doce, que virou um clássico e não pode faltar no menu de seu restaurante. No Quadrifoglio, no Jardim Botânico, o chef Lomanto Oliveira também errou a mão em uma sobremesa, que por sinal é sua área de especialidade. Oliveira deixou cair muito cacau em uma calda de chocolate que estava preparando, mas, ao final, se surpreendeu com o sabor. Assim nasceu o cioccolatissimo, mousse de chocolate belga 70% com merengue italiano, um dos doces mais pedidos no restaurante.
Mais uma prova de que descuidos acontecem até na cozinha de grandes chefs é Claude Troisgros. Um dia, sem querer, ele deixou cair uma porção de arroz selvagem na frigideira. Ele estourou quase como pipoca e virou hit em seus pratos. No Chez L?Ami Martin, no Leblon, o chef Pascal Jolly conta que a fraldinha à moda bourguignon, um dos carros chefes do bistrô, seria, inicialmente, preparada no forno. O cozinheiro, no entanto, esqueceu a carne além do tempo e, para não perder a peça, voltou com a fraldinha para a panela, terminando de cozinhá-la com cebolas e champignon até ficar macia a ponto de desmanchar. ?Hoje, não posso nem pensar em tirar esse prato do cardápio, tamanho é o sucesso?, conta Jolly.
No Irajá, no Humaitá, a salada caprese ganhou uma versão totalmente inusitada, feita com mussarela de búfala líquida e servida com farofa de pão salteada por cima dos de tomates frescos. Por conta de um problema no caminhão refrigerado, o queijo chegou ao restaurante derretido. Foi quando o chef Pedro de Artagão teve a ideia de servi-lo assim mesmo. Apesar do menu itinerante, a salada nunca saiu de cartaz por ser muito requisitada pelos comensais. Um acidente envolvendo o mesmo prato aconteceu no Padano, na Barra. O chef Mauro Canellas estava preparando sua salada caprese, que leva queijo burrata aquecido na salamandra, quando sem querer acabou gratinando o laticínio. O resultado desastrado agradou tanto que o prato até mudou de nome. Virou queijo burrata levemente gratinado. Vem acompanhado por tomates assados, salsa de azeitona mais focaccia grelhada. E nem a ala das bebidas se salva. No Zazá Bistrô Tropical, em Ipanema, um barman certa vez errou na receita do bloody mary, usando tequila ao invés de vodca. O drinque ficou tão gostoso que foi batizado de mexican drácula, e foi direto para o cardápio da casa. Viva os estabanados.