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Reclamações contra o Uber aumentam vertiginosamente

Recebido como alternativa salvadora aos taxistas e seus desmandos, o aplicativo de motorista particular bate recorde de queixas dos passageiros

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Renata Magalhães
Atualizado em 21 jan 2017, 16h00 - Publicado em 21 jan 2017, 16h00
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  • No início, era só alegria. Balas sortidas, chicletes, chocolatinhos, água gelada, sem contar a gentileza à moda antiga: alguém para abrir e fechar a porta do carro. Hoje, no entanto, o aplicativo de motorista particular Uber, que surgiu como uma alternativa aos mal-afamados táxis, vive uma crise no relacionamento com seu mais de 1,2 milhão de passageiros no Rio. Após as promessas de conforto, cordialidade e praticidade a preços competitivos, o serviço só piorou ao longo do ano passado. O fenômeno vem sendo chamado de “taxirização do Uber”, em alusão à má qualidade dos amarelinhos. Quem começou a recorrer às corridas pelo celular não esconde, por exemplo, a insatisfação com a omissão de detalhes sobre a tarifa dinâmica — o gatilho automático que multiplica o preço da viagem quando a procura é grande e a oferta de veículos é baixa vem surpreendendo muita gente. Há duas semanas, a empresa anunciou ainda o custo fixo adicional de 75 centavos por corrida. Há mais, muito mais, quando o assunto é o UberX, que pode custar até 40% menos do que um táxi. As reclamações vão de cobrança incorreta a falta de conhecimento geográfico da cidade, incluindo comportamento inadequado dos motoristas. Estudante de engenharia ambiental, Giulia Borges, 20 anos, já removeu o aplicativo do celular. “Não uso mais Uber desde o ano passado”, afirma, antes de explicar: “Além de motorista entrando na contramão porque não sabia usar o GPS, dois já deram em cima de mim falando da minha roupa e do meu perfume”.

    Os números não mentem. Apenas no site Reclame Aqui, exatas 7 028 queixas foram registradas no estado em 2016. Trata-se de um aumento digno de tarifa dinâmica, de quase vinte vezes em relação ao ano anterior, quando houve 354 protestos contra a plataforma americana, introduzida no Brasil em maio de 2014. Com frequência, o aplicativo aparece na lista das empresas que mais recebem reclamações em um único dia — na última terça (17), ocupava a 17ª posição. “Uso a ferramenta desde o começo, e antes não havia nada do que reclamar. Hoje, meu principal problema é a dificuldade de ser ressarcido por um cancelamento que muitas vezes o próprio motorista me obriga a executar, porque está perdido e não consegue chegar até onde estou”, afirma Bruno Costa, 27 anos, empresário do ramo musical. Esse problema, os desentendimentos com motoristas e a cobrança abusiva brigam pelo alto do pódio no ranking do descontentamento com o Uber na cidade. Não faltam exemplos. Em uma viagem de Botafogo ao vizinho Leme, o casal Paula Bazzo e Ricardo Ourique desembolsou 70 reais — o preço comum para esse trajeto gira em torno de 10 reais. Segundo Ourique, o sistema não indicou na hora a estimativa de preço, e ele só se deu conta mais tarde da quantia cobrada em seu cartão. “Hoje, usamos o Google Maps para verificar o valor médio da corrida. Voltamos até a usar táxi em algumas ocasiões”, completa Paula.

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    Há casos que beiram o surrealismo, e chegam até a parecer piada. No fim de 2016, o engenheiro de computação Paulo Mattos, de 42 anos, solicitou um carro na Barra da Tijuca, onde mora, para buscar a mãe no Aeroporto do Galeão. “O motorista estava inscrito no Uber havia apenas seis meses, então fui mostrando o caminho até a Ilha do Governador. Chegando lá, expliquei que era só seguir as placas”, conta Mattos. Quando o rapaz anunciou a chegada ao destino, o engenheiro, que estava distraído mexendo no celular, levantou a cabeça e tomou um susto. “Estávamos parados em frente a uma borracharia chamada Galeão, na entrada de uma favela”, conta. A baixista Eliza Schinner, de 35 anos, foi expulsa de um UberX de madrugada, na Zona Norte. Após pedir educadamente para trocar a estação de música gospel no rádio, foi ignorada e resolveu então provocar, dizendo que era satanista. A brincadeira foi levada a sério pelo motorista, que perdeu o controle. Já a terapeuta holística Carolina Lobão, de 30 anos, passou por sufoco ainda maior. Certa vez, ao sair do trabalho em Santa Teresa, perguntou se o motorista sabia como sair do bairro e a resposta foi sim. “O cara pegou uma rua esquisita e demos de cara com bandidos armados. Por sorte, nos deixaram passar em paz, mas fiquei em pânico. O motorista olhou para trás e começou a rir do meu nervosismo”, lembra. Segundo Carolina, a qualidade dos carros também caiu muito. Além de serem modelos antigos, os veículos rodam constantemente em­porcalhados. É tanto perrengue que a blogueira Carolina Rabello, de 32 anos, criou a hashtag #CarolnoUber para narrar nas redes sociais suas desventuras com o aplicativo, que incluem até mesmo um episódio em que ela e os amigos precisaram trocar um pneu furado.

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    Lançado em 2010 em São Francisco, na Califórnia, e presente em 554 cidades do mundo, o Uber apresenta queda de qualidade no serviço que presta em função do crescimento desordenado da empresa, ao menos no Rio. “O alto índice de desemprego contribuiu para o aumento do número de motoristas e, consequentemente, para a queda do padrão. Muitos estão ali simplesmente fazendo um bico”, afirma o professor de engenharia de transporte da Coppe, Paulo Cezar Ribeiro. Frente à crise econômica, a alternativa aparentemente fácil se torna sedutora. Enquanto no início da implementação do Uber no Brasil era realizado um treinamento com os candidatos a motorista, hoje as exigências se limitam à apresentação de documentos e licenças para o transporte de passageiros e atividade remunerada. O procedimento pode ser realizado on-line, o que dificulta a fiscalização. “Quando quis me cadastrar, passei mais de duas semanas fazendo aulas, provas de conhecimento da cidade e testes psicotécnicos. Era obrigatório o uso de terno e gravata e meu carro sofreu uma vistoria meticulosa. Coisa de primeiro mundo”, lembra Mauricélio Mesquita, técnico de contabilidade e um dos primeiros a aderir à empresa, em 2014, quando ficou desempregado. Por mês, ele tirava entre 9 000 e 10 000 reais. Hoje, percebe os problemas e observa que, da turma de 100 pessoas da qual fez parte, só ele e mais um continuam prestando o serviço. “Não consigo tirar o mesmo salário, e o tratamento do Uber com o motorista piorou muito. Tive meu carro roubado em serviço e fui aconselhado apenas a registrar um boletim de ocorrência.” Seu rendimento médio atual é de 4 000 reais. Segundo o professor Paulo Cezar Ribeiro, a saída estaria na regulamentação da plataforma. “É preciso haver o estabelecimento de políticas públicas para que esses serviços inovadores funcionem de fato, com respeito aos passageiros e também aos motoristas”, conclui.

    Taxista Pedro Garces
    (Felipe Fittipaldi)

    Inimigo número 1 dos taxistas, responsáveis por uma série de protestos, alguns bem violentos, pela cidade, o Uber começa a ser ameaçado no campo virtual. Já há plataformas rivais em atividade, como a espanhola Cabify e a indiana WillGo, em crescimento no Brasil, o que amplia ainda mais esse nicho de mercado nos grandes centros urbanos. Os profissionais de táxi também começam a se mexer para tentar recuperar o mercado perdido. Presente em 550 cidades, o aplicativo nacional 99 Táxis, dedicado aos amarelinhos, foi rebatizado de 99 e aposta em promoções competitivas. No ano passado, registrou um crescimento de 32% no Rio com o modo “desconto”, que faz frente às faixas mais baixas da tarifa dinâmica do Uber. Após o aporte financeiro de 320 milhões de reais que recebeu recentemente da chinesa Didi Chuxing, uma das principais concorrentes do Uber mundo afora, a startup planeja oferecer a opção de motoristas particulares na cidade ainda em 2017, e testar novidades como tuk-tuks e bike-tuks, que vão circular durante todo o verão carioca. Segundo pesquisa conduzida pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Nova York, os serviços de motorista particular aniquilarão em breve o táxi convencional. Modalidades mais em conta, como o UberX e o Uber Pool, podem absorver 80% da demanda pelo transporte particular convencional. Atento às mudanças, o taxista Pedro Garcês Augusto, 33 anos, tem investido na fidelização da clientela. Em seu Toyota Corolla ano 2015, dispõe de mimos como wi-fi, TV digital e até massageador para os passageiros, bem como aceita pagamento com cartões de débito e crédito. “Tem dado tão certo que me procuram inclusive para fazer viagens a outros municípios, como Angra dos Reis”, conta. Além da “taxirização do Uber”, temos outro fenômeno em curso, a “uberização dos táxis”. Melhor para o passageiro.

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