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Redes sociais potencializam compras por impulso e dependência em consumo

Por meio de dados dos usuários, plataformas constroem perfis e direcionam propagandas adequadas ao estilo de cada um

Por Luís Felipe Azevedo*
16 jan 2023, 15h53
Foto mostra homem adulto usando celular
Redes sociais: podem ser um perigo para quem tem dependência do consumo (./pixabay)
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Abrir a caixa de correio eletrônico é um ato sofrido para Maria. “É uma tentação. É o capeta tentando falar com a gente”, desabafa, após ler uma infinidade de ofertas de cartões de crédito. Ao comprar um relógio usado de R$ 2 000,00 pela Internet durante a pandemia e ter sido abandonada pelo ex-companheiro, Maria descobriu-se dependente em compras.

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Frequentadora do grupo Compradores Anônimos desde março de 2021, ela agora tem ferramentas para se defender da chuva de tentações de consumo que inundam a sua caixa de e-mails e perfis nas redes sociais a todo instante. Aos 55 anos, a mulher enxerga o meio digital como um “facilitador” da compulsão. 

“Parece que só de pensar, a rede social recomenda. Faço coleção de suculentas e volta e meia aparecem ofertas delas, sendo que eu nunca pesquisei sobre isso na internet. É um troço de doido”, afirma.

Doutor em psiquiatria e professor do departamento de Psicologia da PUC-Rio, Marco Aurélio Negreiros aponta que a dependência em compras se manifesta quando a pessoa tem um gasto excessivo, desnecessário e irracional. Segundo o especialista, as redes sociais são produtos do capitalismo construídos para estimular o consumo.

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Negreiros destaca que o termo aplicado a quem tem perfis em redes sociais é “usuário”, o mesmo utilizado para denominar aqueles que possuem dependência em drogas. De acordo com o psicólogo, a pessoa no ambiente on-line é exposta e estimulada a construir o desejo direcionado aos objetos de consumo apresentados.

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“A valorização do consumismo na sociedade vai fazer com que indivíduos que tenham perfis de vulnerabilidade psicológica fiquem mais suscetíveis ao consumo desenfreado, a ter o seu humor regulado por isso”, diz o especialista.

Busca por anestesiar frustrações

Fazer compras em lojas físicas também é um desafio para pessoas que sofrem com a adicção. Apesar de nunca ter se endividado, a também dependente Luísa percebeu ser “devedora de si mesma” ao participar de sua segunda reunião com os Compradores Compulsivos  e ter relembrado o dia em que comprou três sapatos idênticos.

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“Não me considerava doente até participar da segunda reunião e ouvir a história de uma mulher que tinha comprado sapatos iguais para ninguém perceber o alto consumo. Naquele momento, me lembrei de quando fui a uma boa sapataria e comprei três iguais, de uma só vez. Cheguei a brigar com a vendedora que tentava me ajudar. Disse que se ela não atendesse o meu pedido, eu falaria com a dona da loja”, revela Luísa, que confessa sentir-se arrependida e envergonhada. 

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A compradora compulsiva afirma que a irmandade a ajuda muito e que “sozinha é uma quadrilha”. Luísa enfrentou problemas com consumo digital durante a pandemia, em especial com lojas on-line de produtos baratos e importados. Ela conta que, por meio do apoio do grupo, percebeu como os algoritmos são “terríveis” e estimulam o desejo pelos produtos. 

“Minhas compras buscam anestesiar frustrações. Para evitar esses gastos desenfreados faço a oração da serenidade e declaro a minha impotência. Logo depois, ligo para a minha madrinha ou para uma companheira da irmandade e conto sobre o que aconteceu comigo. A pessoa que recebe a ligação também costuma se sentir ajudada”, relata.

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Caminho de tratamento

Segundo Marco Aurélio Negreiros, ainda não há um perfil comportamental descrito de uma pessoa viciada em consumo, pois esta é uma condição ainda pouco estudada. No entanto, ele ressalta que existe uma associação forte entre a adicção e o transtorno bipolar do humor

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O psicólogo aponta que a forma de tratamento adequada varia de caso para caso. De acordo com Negreiros, existem técnicas psicoterápicas utilizadas na área de transtornos adictivos para ajudar pessoas que têm quadros de compulsão por compras e também de dependência de redes sociais.

“O primeiro passo é desenvolver no adicto a consciência do trabalho que está sendo feito. Depois vai se trabalhar a motivação para mudança, que também requer outro conjunto de técnicas psicoterápicas apropriadas. Se essa pessoa está no quadro que não consegue parar, sugiro que procure um profissional da área de psicologia ou de psiquiatria especializado”, diz Negreiros.

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Conteúdo é programado para estimular engajamento e desejos

Quando o internauta rola o feed na rede social, uma série de recomendações de conteúdo aparece na tela. Elas são escolhidas para que os usuários permaneçam o maior tempo possível no site, prática que estimula o consumo e tende a agravar a dependência em compras.

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Segundo o doutor em Informática pela PUC-Rio e pesquisador em data science, Augusto Baffa quem determina essa seleção é o algoritmo daquela plataforma.

“Algoritmos são como receitas de bolo. São programas, códigos que fazem o computador funcionar. Eles estão trabalhando com o monitoramento de algumas informações de modo a filtrar o que é parecido e o que não é. Isso ocorre de forma bruta mesmo, juntando o que é mais parecido e separando que é diferente”, aponta Baffa.

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O pesquisador explica que a partir do monitoramento e dos dados concedidos às plataformas, as redes sociais conseguem construir perfis dos usuários. Os algoritmos agrupam pessoas com interesses parecidos e, a partir das métricas observadas, apresenta conteúdos que possam interessar quem está passando pelo feed.

A filtragem é sempre pela semelhança dos dados. As redes mais modernas tentam otimizar o consumo de conteúdo por meio de sugestões bem encadeadas. Eles conseguem verificar o tempo de consumo do conteúdo”, diz.

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O doutor em Informática acrescenta que os algoritmos fazem um ranqueamento dos conteúdos que o usuário pode se interessar, ou seja, publicações que são mais bem aceitas por aquele perfil têm prioridade na hora da escolha. Porém, há o entendimento de que é necessário intercalar as recomendações para que o internauta não fique entediado e deixe de gastar tanto tempo na plataforma.

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“A rede social vai mostrando muito daquilo que a pessoa gosta e depois de algum tempo recomenda a segunda opção. Dessa forma, o usuário descansa da primeira e não enjoa. Esse é o encadeamento do algoritmo. A ideia é você não deixar o usuário pensar”, conclui o pesquisador.

Publicidade a partir dos dados 

Os dados pessoais além de determinarem as recomendações de conteúdo, também definem os produtos que serão ofertados para cada usuário. No dia a dia, é comum que o Instagram exiba propagandas que correspondam exatamente ao interesse do consumidor que navega na rede. 

Como explica a advogada e professora do departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, Mariana Palmeira, a sociedade se encontra em um contexto da chamada publicidade comportamental. Esse modelo é baseado na formatação de propagandas direcionadas conforme o perfil do usuário. 

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“A internet permite uma maior segmentação do público. Antigamente, a mídia era muito restrita aos veículos tradicionais como a TV, rádio e impresso. Os anunciantes criavam peças para falarem com grandes massas. Com as redes, o consumidor coloca à disposição uma série de dados que dizem à plataforma o nosso perfil de consumo”, fala a especialista.

A professora acredita que a segmentação e construção dos perfis permite que as marcas consigam identificar o público alvo e enviar a mensagem certa no momento ideal. Segundo a publicitária, o meio digital potencializa a criação de desejos, mas oferece um sentimento de satisfação cada vez mais curto. 

Facilidades on-line

A possibilidade de comprar com apenas um clique é parte do contexto de uma sociedade de consumo mais acelerada e baseada no impulso. Essa facilidade é onde mora o perigo, que é ainda maior para quem sofre com a dependência em consumo. Mariana Palmeira aponta que a vontade de mostrar o que tem e de consumir o que é recomendado pelos influenciadores digitais também são pontos destacados pela especialista.

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“O mercado de influenciadores vêm crescendo muito. O digital potencializa a exposição, de você se mostrar e exibir o que tem. E a sensação de pertencimento a grupos e comunidades se dá por esse caminho. O influenciador tem uma maior proximidade com o público, o que causa uma identificação e influência, coisas que interessam as marcas”, explica. 

Regras gerais se aplicam ao digital 

O Código de Defesa do Consumidor não possui regras específicas para o meio digital, porém tem princípios gerais que norteiam a publicidade e que devem ser aplicados na internet. A advogada destaca que a lei determina que o consumidor deve estar alerta que está diante de uma manifestação comercial, portanto, são proibidas publicações com conteúdo pago sem identificação.

De acordo com a professora da PUC-Rio, a Lei de Proteção de Dados Pessoais também contempla indiretamente a publicidade. A legislação estabelece o que é permitido e o que não é em termos de marketing digital a partir dos dados do consumidor. 

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Para Palmeira, o Brasil tem arcabouço jurídico e regulatório para tratar de propagandas on-line, “o que talvez ainda não exista é um entendimento de que tudo aquilo que é aplicado à publicidade no âmbito físico, pode ser interpretado para o digital”.

Dívidas tiram o sono do brasileiro

Neto chegou ao Devedores Anônimos (DA), na Rua Senador Dantas, Centro do Rio, em 2016. Ele vivia sua quarta crise financeira, tinha cinco contratos estourados como pessoa física e outros três como jurídica. O empresário destaca enxergar o perigo da publicidade na internet para quem é dependente em compras e alega ter enfrentado tendências suicidas devido ao estresse e à insegurança.

“A doença falava na minha cabeça. Eu pensava que não tinha mais o que fazer neste mundo, meus filhos já estão criados. Quando olhava os trilhos de trem e metrô, eu pensava isso, mas graças a Deus não fiz essa besteira”, relata.

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Neto foi levado ao grupo pela esposa e conta que a troca com outros dependentes o possibilitou ter a tranquilidade necessária para quitar as dívidas.

“Eu cheguei ao DA com muita arrogância, pensava que sabia resolver os meus problemas, mas cada dia mais me identifiquei com os relatos. Consegui quitar todos aqueles contratos que tiravam o meu sono”, diz.

A pandemia fez com que Neto precisasse pegar empréstimos com juros baixos para manter os negócios abertos. Ele afirma que, neste mês, pagou a sexta parcela de quarenta e duas, e garante que aplica a programação financeira ensinada no grupo durante o dia a dia.

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Falta de planejamento no gasto

Assim como no caso de Neto, a inadimplência é uma realidade para 63 milhões 710 000 brasileiros, segundo pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Esse valor corresponde a quase 40% da população adulta brasileira. 

De acordo com a especialista em finanças da CNDL, Merula Borges, os principais motivos apontados pelos inadimplentes para terem entrado nessa situação são a alta da inflação e o desemprego

Borges também destaca o crescimento das compras on-line durante a pandemia. Segundo a CNDL, o “aumento de consumo na internet provocou o crescimento das compras por impulso”. Entre os itens mais procurados estão comidas e bebidas por delivery, moda e vestuário, itens para casa, eletrônicos e artigos de informática.

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“A nossa pesquisa constatou que 44% dos entrevistados disseram que nem sempre fazem planejamento antes de ir às compras. Entre os motivos para as compras por impulsos, eles apontam as promoções, ficar navegando pelas lojas e receber várias ofertas de lançamento”, explica.

Luta diária contra a compulsão

As tentações na internet costumam atingir de forma mais eficiente aqueles que gastam de maneira compulsiva. Amanda – nome fictício – chegou ao DA em 2004, com dívidas em dez cartões de crédito. Ela logo percebeu que convivia com uma doença incurável e que precisaria mudar importantes aspectos da vida, uma vez que o “salário era fixo, mas os gastos não”.

A servidora pública também é compulsiva por novidades e relata que sentiu tristeza e abstinência no início do tratamento, o que é atenuado por meio da relação de irmandade com os outros membros do DA e com o “poder superior” que rege o grupo.

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“Já percebi que não posso me afastar do DA, é uma luta diária contra os meus desejos. A internet apresenta uma gama de novidades muito maior que as lojas físicas, o que é tentador. Muitos compulsivos passam a madrugada toda comprando”, conta.

Como mostra o levantamento da CNDL, quase 83% dos inadimplentes são reincidentes. É no combate a tentação que o Devedores Anônimos atua. Amanda aponta que “a compra compulsiva é droga para quem tem a doença, assim como o álcool é para o alcoólatra, e que da mesma forma que os narcóticos se reúnem para não cheirar, o DA se reúne para não gastar compulsivamente”.

Nos momentos que os desejos irracionais falam mais alto, busca-se detectar a falta de controle e conectar-se com a espiritualidade por meio da Oração da Serenidade. O combate à dependência é uma luta diária e mais potente quando é coletivizada.

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“Concedei-me Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que eu não posso modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso, e sabedoria para distinguir uma das outras”, pede a oração.

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Este conteúdo integra o conjunto transmídia que reúne produções em texto, áudio e vídeo inspiradas nas Metas do Milênio, da ONU. Essas produções foram feitas por estudantes de Comunicação da PUC-Rio, com a orientação dos professores Alexandre Carauta, Chico Otavio, Creso Soares Jr, Felipe Gomberg, Luís Nachbin e Mauro Silveira.

*Luís Felipe Azevedo, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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