Quem avista a Catedral de São Pedro de Alcântara, localizada no centro de Petrópolis, não tem ideia dos fragmentos da história do Brasil ali guardados. Para começar, ficam no interior da capela os túmulos com os restos mortais do imperador dom Pedro II, que a inaugurou, de sua esposa, a imperatriz Teresa Cristina, e da filha princesa Isabel.
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A área superior abriga o maior órgão da América Latina, com 2 227 tubos, 33 registros e três teclados manuais. Noutros tempos, além dessas atrações, a igreja ainda proporcionava a subida à torre, de onde se vislumbrava uma bela vista a 70 metros de altura. Depois de anos sem manutenção, hoje todas essas áreas estão interditadas por questão de segurança. Mas, para alegria dos que buscam na serra mais do que um clima ameno, essa fase do tesouro petropolitano está com os dias contados.
Com um aporte de 13 milhões de reais do BNDES, a restauração do prédio deve ser iniciada em novembro, para ser concluída em 2021. “Vamos resgatar uma parte da nossa história que, embora conhecida, é pouco aprofundada”, enfatiza o bispo dom Gregório Paixão, há quase uma década à frente da Diocese de Petrópolis.
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A fim de recuperar o edifício, cuja pedra fundamental foi lançada em 1876 sob o patrocínio da família imperial e levou 37 anos até ter a primeira parte concluída, as intervenções seguirão um plano ambicioso. Além da instalação de rampas de acessibilidade, de um sistema contra incêndio e da modernização da parte elétrica, a própria estrutura passará por uma imensa reforma.
Os reparos vão desde as paredes laterais (uma tempestade na década de 80 provocou uma rachadura que vem perigosamente se alastrando) até a imponente fachada em estilo neogótico, desenhada sob inspiração de importantes catedrais europeias.
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O portal e suas múltiplas arquivoltas, bem como as esculturas em mármore dos quatro evangelistas, vão ser inteiramente restaurados, enquanto os vitrais coloridos confeccionados na França, mais precisamente no Atelier Champigneulle, que também ornou a Notre-Dame de Paris, passarão por um processo de limpeza para retomar as cores deterioradas com o tempo. No interior, muitos elementos decorativos, hoje sob o risco de despencar, estão incluídos no rol de melhorias.
O primeiríssimo projeto da catedral tinha a fachada voltada para o Palácio Imperial. Por sugestão da princesa Isabel, porém, ela acabou instalada defronte à Avenida Koeler, con siderada a rua mais nobre da cidade. Apesar de ter sido projetada pelo engenheiro Francisco Caminhoá, quem a finalizou foi Heitor da Silva Costa, responsável por outro monumento religioso para lá de famoso: o Cristo Redentor.
A torre, o elemento mais recente adicionado à igreja, na década de 60, contém um carrilhão de cinco sinos de bronze fundidos em Passau, na Alemanha, que pesa 9 toneladas. Isso dá uma ideia da envergadura da empreitada, cujo passo a passo será reunido em uma galeria com recursos multimídia, como animações computadorizadas e óculos 3D para a visualização de documentos históricos. “A experiência será bastante interativa, oferecendo uma imersão total nos ambientes”, afirma a gerente do projeto, Kátia Duque Rossi.
Uma vez conhecida como “cidade das hortênsias” pela profusão de flores espalhadas por todos os lados, transformada na era moderna em polo cervejeiro devido à quantidade de fábricas ali espalhadas e destino para quem adora luzinhas de Natal (fica toda enfeitada nessa época do ano), Petrópolis sempre teve vocação turística.
Em 1822, dom Pedro I conheceu a região a caminho das reservas de ouro de Minas Gerais e decidiu comprar terras ali após se encantar com o clima fresco que lhe lembrava o da Europa. Segundo dados da prefeitura, 2 milhões de turistas sobem a serra todo ano, dos quais 300 000 visitam a Catedral de São Pedro de Alcântara.
Estima-se que a restauração elevará em 10% o número de visitantes, com uma perspectiva de incremento à economia local de 10 milhões de reais. “Além de templo religioso, trata-se de um importante centro cultural, que vai ganhar ainda mais peso com a reforma e a reabertura das áreas fechadas”, avalia Samir El Ghaoui, presidente do Petrópolis Convention & Visitors Bureau.
As obras dessa joia arquitetônica, uma das quatro igrejas em estilo neogótico do Brasil, têm forte valor simbólico em um país que muitas vezes não zela por seu patrimônio. São vários os episódios alimentados pela negligência e que acabam levando a desastres, como o incêndio que consumiu por completo a capela da UFRJ, em 2011, fazendo desabar a estrutura posta de pé em 1850.
Anos mais tarde, o fogo também se apossou do Museu Nacional, devido a um curto-circuito em instalações elétricas antiquérrimas. Grande parte do valioso acervo desapareceu nas chamas. De acordo com o último levantamento do grupo SOS Patrimônio, o Rio de Janeiro, cidade com a maior concentração de monumentos históricos na América Latina, registra 192 bens abandonados, destruídos ou sob risco de ruir. Colocar a mão na massa na catedral petropolitana é um sinal salutar de que é possível virar essa página da história