Todo ano, 2 milhões de turistas percorrem os 4 quilômetros de estradas sinuosas que levam ao monumento do Cristo Redentor, de onde se descortina uma paisagem impactante da cidade. Mas não reina exatamente uma paz celestial em torno da estátua. A cerca de 400 metros do mirante, um enorme clarão na mata dá a dimensão da encrenca, levantada pelo jornalista Leonel Kaz em seu blog no portal de VEJA. Só naquela área foram ao chão 196 exemplares de vegetais, alguns deles centenários. A intervenção é o passo inicial para pôr de pé um complexo de lazer com 20?000 metros quadrados onde funcionou o antigo Hotel Paineiras. Com investimento de 65 milhões de reais, o projeto contempla a construção de dois restaurantes, um bar, espaço para exposições e um centro de convenções com capacidade para 300 pessoas. O ponto alto da discórdia é um estacionamento com 395 vagas, parte delas espalhada por dois andares subterrâneos, à margem da estrada de ferro do Corcovado. Iniciado em julho, o trabalho foi interrompido já no primeiro mês, tornando-se alvo de embate judicial. “A obra muda a morfologia do Maciço da Tijuca, que é tombado”, argumenta Alfredo Piragibe, presidente da ONG My Green, fazendo menção à escavação da rocha no subsolo. “Se a ação for adiante, vai alterar a paisagem de forma irreversível.”
Uma iniciativa com o propósito de recuperar o Hotel Paineiras, cujo imóvel estava em ruínas, em tese, merece elogios. Mas determinados procedimentos e modificações efetuados ao longo do processo suscitaram controvérsia (veja o quadro). Escolhido em concurso promovido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal encarregado da gestão do Parque Nacional da Tijuca, o projeto está sob a responsabilidade de um consórcio formado pelas empresas Beltour, Trem do Corcovado e Cataratas do Iguaçu, administradora do parque paranaense. O primeiro questionamento partiu do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em janeiro, um parecer da arquiteta Izabelle Cury, que é membro da entidade, mostrava-se contrário à obra devido ao risco de causar um dano irreparável à região. Apesar de algumas alterações feitas depois no esboço, ela se manteve irredutível. Outro item que chama atenção, também posto em xeque pela arquiteta, é o estacionamento, que ganhou sucessivas ampliações desde o lançamento do projeto, há cinco anos. Estavam previstas originalmente 150 vagas, número que hoje quase triplicou. No parecer, Izabelle destacou que pela dimensão ele se assemelha a um edifício-garagem. Em junho, entretanto, a reforma foi liberada pela superintendência regional do Iphan.
Mas as polêmicas prosseguiram. A autorização ficou condicionada à apresentação de um documento com minúcias arquitetônicas da empreitada. Mesmo sem exibi-lo, o consórcio iniciou o trabalho de limpeza do terreno e reforma do imóvel, que acabou embargado pelo órgão. No dia 31 de outubro, outro capítulo se somou ao imbróglio. Uma medida cautelar expedida pelo Tribunal de Contas da União suspendeu todas as liberações referentes ao empreendimento. De acordo com a ação, apresentada pelo Instituto My Green e por associações de moradores de Cosme Velho e Santa Tereza, faltam documentos básicos para a obra, como os estudos de impacto ambiental e viário. “O plano de manejo feito pelo Instituto Chico Mendes é mais detalhado que o Estudo de Impacto Ambiental”, argumenta Carlos Henrique Velásquez Fernandes, chefe substituto do Parque Nacional da Tijuca. “Já o estacionamento vai apenas retirar os automóveis que param ao longo da rua, não acarretando aumento do tráfego. De qualquer forma, vamos também providenciar o estudo de impacto viário.”
Inaugurado em 1884, por ordem do imperador dom Pedro II, o Hotel Paineiras viveu seu apogeu na primeira metade do século XX, quando hospedava presidentes da República, como Washington Luís e Getúlio Vargas. Em razão do sossego, serviu de concentração para a seleção brasileira em preparação para a Copa de 1970. Aos poucos, porém, ficou decadente, e a falência definitiva veio nos anos 80. “Pretendemos tornar a região uma referência de conforto e sofisticação para o turismo mundial”, diz Luiz Fernando Barreto, gestor do consórcio. “Imagine um casamento aqui, com os convidados chegando no Trem do Corcovado.” Para que um matrimônio perdure é preciso bom-senso e respeito ao contrato, dois pontos tão criticados no projeto.