Atenção, passageiros e passageiras, afrouxem os cintos. Após quase dois anos de aperto econômico, eis que despontam no horizonte os primeiros sinais de que a pandemia começa a ser controlada. E as luzes da cabine se acendem justamente quando o Rio se prepara para a chegada do verão, temporada em que a cidade exerce toda a sua vocação para o turismo.
Com expectativas elevadas para o réveillon e o Carnaval, depois de um 2020 à míngua, sem festas nem dinheiro no bolso, os preparativos para a decolagem deste setor, que tanto alimenta a economia carioca e transforma a paisagem, seguem embalados em velocidade de jatinho.
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Hotéis investem em serviços inéditos para manter os visitantes por mais tempo nestas praias. A prefeitura trabalha para melhorar a infraestrutura dos pontos turísticos e criar roteiros temáticos. Esforços em prol da segurança nas vias de acesso para quem chega de carro buscam atrair mais gente de outros estados, enquanto os empresários se empenham na abertura de novos endereços e na retomada de eventos emblemáticos.
“Por toda a demanda reprimida, este será o nosso verão do século”, aposta Alfredo Lopes, presidente do Sindicato dos Meios de Hospedagem do município, fazendo referência à efervescente celebração momesca de 1919, realizada ao fim da sombria gripe espanhola, que ingressou para a história como “o Carnaval do século”.
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A vacinação avançada e o declive na curva do vírus vêm despertando o afã empreendedor de uma turma que enxerga lá na frente. “O nosso turismo não pode viver só de belezas naturais”, diz o empresário Alexandre Accioly, lembrando que, dos quase 7 milhões de estrangeiros que vieram ao Brasil em 2019, não mais do que 1,2 milhão passaram pelo Rio. E é aí que ele detecta espaço para expansão. “Precisamos de novos destinos e atrações. O que o turista tem para fazer de noite, além de andar pelos quiosques da orla de Copacabana?”, cutuca Accioly, que não fica parado.
Dono da rede de academias Bodytech, que acaba de ganhar uma nova unidade de 10 milhões de reais no Shopping Leblon, seu ambicioso projeto para o setor abarca mais 25 milhões de reais em investimentos em distintas áreas: são dois novos restaurantes, o Casa Tua Cucina e o Casa Tua Forneria, na Barra, com estreia prevista para o início de 2022; uma casa de shows, o Qualistage, que abre as portas no lugar do saudoso Metropolitan, no mesmo bairro, em janeiro; e a reabilitação do Noites Cariocas, no Morro da Urca, com apresentações de grandes nomes entre março e abril.
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Nos próximos dias, Accioly ainda selará contrato para abrir mais uma casa de espetáculos, mirando atrações no estilo Broadway. “O Rio responde de forma espetacular aos investimentos em entretenimento e lazer. A maior prova disso é o Carnaval de rua, que virou um fenômeno de público e renda”, frisa.
De duas décadas para cá, o número de foliões atrás dos blocos que desfilam por toda cidade quase triplicou, e os patrocinadores foram chegando. No ano 2000, o Rio recebia cerca de 300 000 turistas nessa fervilhante janela do ano. Em 2010 já eram mais de 700 000 até que, em 2020, no derradeiro Carnaval pré-pandemia, 2 milhões de pessoas afluíram nesta maravilha de cenário, de acordo com dados da RioTur, injetando 4 bilhões de reais por aqui.
No mundo inteiro, o turismo é um motor que faz mover a economia das cidades e de regiões inteiras, levando a reboque uma extensa cadeia de serviços que envolve agências de viagem, transporte, hotelaria, restaurantes, passeios e casas de shows. No Rio, trata-se de uma frente vital ao caixa. Para se ter uma medida, em 2019 o turismo trouxe 5,9 bilhões de dólares para o município, conforme cálculos do Ministério do Turismo.
“Atualmente representa de 5% a 6% do PIB”, informa o economista Claudio Considera, da Fundação Getulio Vargas. É fatia semelhante à de outras cidades que arrastam multidões curiosas para sorver sua cultura e seus ares únicos, como Madri e Lisboa — Paris é o ponto fora da curva, com 10%.
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O retorno dos eventos oficiais por si só já irá ajudar a dar a chacoalhada que o momento pede. “Mas o Rio não é só réveillon e Carnaval. Até março será uma temporada de muita festa, com todos os cuidados sanitários necessários, claro”, avisa a presidente da Riotur, Daniela Maia. Para dar a guinada, o órgão está tratando de promover uma faxina no entorno dos principais equipamentos turísticos — e começou pelo trio Corcovado, Pão de Açúcar e Escadaria Selarón, em Santa Teresa (veja no quadro abaixo).
A força-tarefa, em parceria com órgãos como Comlurb e CET-Rio, inclui não apenas a limpeza, mas questões de conservação de tão valioso patrimônio. Recentemente, a prefeitura também criou o Comitê de Regulamentação, que já está dedicado a pôr ordem em toda a orla: lixo, barraqueiros, estacionamento, chuveirinhos — problemas a resolver não faltam.
Pois o cartão-postal à beira-mar também contém novidades no rol dos 309 quiosques do Orla Rio, distribuídos do Leme ao Pontal: com 27 operações brotando desde novembro de 2020, uma atrás da outra — entre elas De Lamare, Starbucks, TGI Fridays e Unidos da Prainha, que reunirá Casa do Porto, Bafo da Prainha, Tendinha e Pequeno Museu num espaço no Leme —, a empresa lançou a campanha “Vai dar praia”, que ao longo da estação promoverá aulas de ioga, surfe e kitesurfe, exposições culturais e workshops de culinária. Até um concurso para eleger a melhor caipivodca dos 34 quilômetros de faixa de areia agitará aquelas pedras portuguesas.
Muito comuns fora do Brasil, os roteiros temáticos são outra iniciativa para embalar este verão e as demais estações por vir. Eles existem em toda parte — Londres, Paris, Nova York e ainda em cidades como Memphis, que entrou no mapa do turismo americano lançando os holofotes sobre a música. Berço de alguns dos maiores artistas do blues e do rock, a terra onde Elvis Presley viveu por mais de vinte anos concentra atrações como sua antiga casa, Graceland; o lendário Sun Studio, onde ele, Jerry Lee Lewis e Johnny Cash gravaram seus primeiros discos nos anos 1950; e museus como o Rock ‘n’ Soul Museum e o Stax Museum of American Soul Music.
“O Rio, por sua vez, é o berço da bossa nova, um movimento musical conhecido no mundo inteiro, e o turista que desembarca aqui não encontra nada que o faça mergulhar no assunto”, enfatiza Daniela Maia, que vem conversando com especialistas no tema, como a cantora Bebel Gilberto, empenhada em mapear locais em que músicos brasileiros viviam, se encontravam e tocavam, entre eles o lendário Beco das Garrafas, em Copacabana. Todos ganharão plaquinhas informativas com QR code e terão alta exposição nas redes. Uma segunda frente à vista descortinará rotas gastronômicas: correspondentes internacionais, influenciadores e jornalistas de estados como São Paulo, Minas Gerais e Goiás estão sendo convidados a conhecê-las e divulgá-las.
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Não é trivial pôr para andar uma engrenagem que ficou enferrujada por um período tão esticado em decorrência da crise pandêmica. Antes dela, em março de 2020, a ocupação média da rede hoteleira andava em torno de 70%, de acordo com o SindHotéis. A Covid-19 derrubou o número para módicos 5%. Setenta e oito estabelecimentos fecharam as portas temporariamente; doze encerraram definitivamente as operações. Agora, os ventos estão tomando nova direção. “O comércio e a indústria foram os primeiros a dar sinais de recuperação. O setor de serviços, no qual se incluem os hotéis, demorou mais porque envolve a circulação de pessoas”, analisa o gerente de estudos econômicos da Firjan, Jonathas Goulart.
Como o turismo não embalava, a economia fluminense, que tanto depende dele, também custou mais a sair da inércia pandêmica, se comparada à de outros estados. “Mas neste momento o retorno entrou num ritmo mais forte”, pontua o economista. Na tentativa de reaver os patamares do mundo pré-coronavírus, o Rio Convention Bureau, que promove a cidade no exterior, trabalha para ventilar informações sobre o ritmo da vacinação e os protocolos adotados por aqui.
“As notícias que chegam lá fora são contraditórias, por isso nosso foco é levar o recado de que o Rio está pronto e apto para se abrir à visitação”, conta Roberta Werner, diretora-executiva do RCB, recém-chegada de uma viagem a Portugal, Espanha, França e Alemanha para encontros com centenas de agentes de viagens. “Recuperamos cerca de 30% dos visitantes estrangeiros, mas há um trabalho ainda grande pela frente”, avalia — e lembra: “O dólar alto é um fator a nosso favor.”
A disparada do dólar, aliás, também empurra o turismo nacional — e o Rio que é o Rio não quer nem pode ficar de fora. Estão no radar os 11 milhões de brasileiros que viajaram para o exterior em 2019 e que, neste ano, veem seus sonhos freados pelo câmbio nas alturas. “Queremos captá-los, estamos investindo neste turismo doméstico”, afirma Gustavo Tutuca, secretário estadual de Turismo do Rio. Em outubro, a secretaria pôs no ar a campanha “O Rio continua lindo. E perto!”, justamente para atrair gente de estados vizinhos. “Acreditamos que o réveillon será um divisor de águas. Para o fim do ano, já há hotéis na Barra e na Zona Sul com 80% de reservas confirmadas”, comemora Alfredo Lopes.
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Indicadores positivos chegam por terra, mar e ar. Em dezembro, o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim terá frequência de 4 200 voos, o que equivale a 65% do número de assentos registrados antes da pandemia no mercado nacional e de 27%, no internacional. “A redução do ICMS do querosene para empresas de aviação que operam no Galeão, em setembro, foi um passo importante para ajudar a restabelecer o Rio na rota aérea”, diz Philipe Karat, gerente de Desenvolvimento de Tráfego do RIOgaleão.
Vale aqui uma provinha do painel de embarque e desembarque do Tom Jobim a partir deste dezembro, que dá uma dimensão da demanda por viajar planeta afora: a American Airlines oferecerá voos diários para Miami e ampliará a frequência para Nova York para três por semana; A Air France irá cinco vezes por semana a Paris; a British Airlines volta ao Brasil pelo Rio, antes da retomada das operações por São Paulo; e a Lufthansa retorna a estas pistas com três voos semanais para Frankfurt.
Com a liberação dos cruzeiros, 25 navios são aguardados no Píer Mauá, carregando em torno de 170 000 passageiros até maio, e as maiores vias de acesso terrestre à cidade contarão com um novo programa de policiamento — prevê-se nas linhas Vermelha e Amarela patrulhamento com motocicletas, ampliação na frota de viaturas e uma central única de controle das ações em ambas.
Com o turista já nestas paragens, a estratégia é tentar mantê-lo bem entretido para dilatar seu tempo de permanência. Além de parcerias com pontos turísticos para passeios cheios de mimos, os hoteleiros estão enveredando pelo campo das experiências, tão em voga. “Fomos criando atrações como aulas de café, drinques e gastronomia, e chegamos a um cardápio com 115 opções à disposição tanto dos hóspedes quanto do carioca, que nestes novos tempos se tornaram um relevante consumidor do turismo local”, diz Michael Nagy, diretor do Fairmont, em Copacabana, que em dezembro ganha seu próprio quiosque na praia, o Tropik.
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Mesmo com a previsão de dias melhores, é preciso estar sempre alerta ao vírus que a ciência, dado seu curto tempo de existência, ainda não domina de todo. “Com a imunidade alcançada, tanto pela vacina quanto pela porção da população que já teve Covid-19, o cenário é favorável, embora demande atenção permanente”, diz o infectologista Edimilson Migowski, da UFRJ.
O Rio tem hoje 27 084 estabelecimentos formais nas chamadas Atividades Características do Turismo, segundo o Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises. São agências de viagens, alojamentos e empresas nas áreas de alimentação, transporte, cultura e lazer. “Turismo é tudo. Se ele vai bem, empurra toda a engrenagem para a frente”, resume o economista do instituto, João Gomes. Quando os visitantes aterrissam, o Rio decola.