Entre os rompantes de grandeza dos últimos anos, o Parque Olímpico da Barra da Tijuca é o que melhor representa o contraste entre o futuro idealizado e as amarguras do presente. O local, que deveria estar sendo preparado para receber atividades educacionais e esportivas, segue quase do mesmo jeito desde que os portões foram fechados, em setembro do ano passado. Na área antes ocupada por estacionamentos mastodônticos, núcleos de serviço e infraestrutura, onde seriam iniciadas as obras de um novo bairro — planejado a partir de conceitos de sustentabilidade —, não há mais previsão para o projeto sair do papel. No entanto, é justamente nesse ponto que começa a germinar uma solução para dar utilidade ao imenso espaço subaproveitado à beira da Lagoa de Jacarepaguá. Na última semana, um grupo de operários passou a trabalhar nas novas instalações do Rock in Rio, que estima receber um público de 700 000 pessoas em sete dias de shows. Espera-se que o evento, marcado para setembro, funcione como uma injeção de ânimo em uma parte da cidade que anda sorumbática. “É um claro exemplo de que estamos prontos para abrigar qualquer tipo de grande evento e lucrar com isso. Basta pôr toda a nossa capacidade realizadora para funcionar novamente”, atesta o economista Luiz Gustavo Barbosa, coordenador de projetos da Fundação Getulio Vargas.
O mantra de que os Jogos não eram um desperdício de dinheiro e deixariam um legado para a cidade foi uma espécie de lema informal da Rio 2016 — repetido pelos gestores locais e pelas autoridades olímpicas internacionais. Oito meses depois do fim da festa, é inegável a transformação da cidade, mas o impacto real que essas mudanças têm na vida do carioca ainda está por ser aferido. Isso é particularmente perceptível em relação ao principal local de competições, que consumiu mais de 2 bilhões de reais, entre fundos públicos e privados. O que deveria ser um parque aberto à população é apenas um trecho de passarela franqueado aos visitantes nos fins de semana. As arenas a ser exploradas pela iniciativa privada e ainda se tornariam escolas e centros de treinamento esportivo permanecem fechadas, sem interessados em ocupá-las, e foram passadas pela prefeitura ao Ministério do Esporte. O ginásio e o estádio aquático, que seriam desmontados e transformados em unidades educacionais, continuam em pé, sem data para ganhar nova configuração. Os edifícios para receber jornalistas, construídos para ser convertidos em escritórios, encontram-se fechados, aguardando os planos das incorporadoras imobiliárias que os ergueram. A prefeitura do Rio e o consórcio Rio Mais, dono da parte privada do complexo, foram procurados pela reportagem, mas não quiseram falar sobre a situação do parque.
Todas as cidades que sediam eventos como os Jogos Olímpicos precisam de tempo para adequar os espaços criados para as competições às necessidades cotidianas da população. Londres, Pequim e Atenas, apenas para ficar nos exemplos mais recentes, viveram essa situação em maior ou menor grau. No caso do Rio, uma conjuntura de problemas transformou o momento pós-olímpico numa tempestade perfeita. A linha de BRT Transolímpica, criada para conectar o parque ao Aeroporto do Galeão, cruzando boa parte das zonas Norte e Oeste, deveria transportar 70 000 pessoas por dia, mas não leva mais que 28 000. O Terminal Centro Olímpico recebe, em média, 220 passageiros diários — a expectativa era de cerca de 2 200. “A lógica de ligar as regiões não se completou, pois ficou faltando o trecho importantíssimo da Avenida Brasil, a Transbrasil”, diz Suzy Balloussier, diretora de relações institucionais do BRT, sistema que, como um todo, acumula um prejuízo de 5,2 milhões de reais por mês. “Mas é notório que precisamos de um projeto para a área do Parque Olímpico”, opina.
Nos planos de desenvolvimento da região, o condomínio Ilha Pura, a antiga Vila dos Atletas, com seus 31 prédios e 3 604 apartamentos, deveria funcionar como uma alavanca imobiliária, com potenciais moradores de alta renda. Entretanto, apenas 260 unidades foram vendidas, e ainda assim não há previsão para a entrega das chaves dos imóveis, todos já prontos. A empresa construtora, que vende as unidades e administra o empreendimento (de propriedade da incorporadora Carvalho Hosken e da encrencadíssima Odebrecht), negocia uma forma de juntar o máximo possível de proprietários em uma ou duas torres para viabilizar o funcionamento do complexo. “Organizamos tudo para os Jogos Olímpicos, mas pouco se pensou no que faríamos depois. Essa foi uma falha. Deveríamos ter trabalhado melhor esse cenário”, avalia Arthur Repsold, presidente da GL Events, multinacional francesa que administra a antiga HSBC Arena, hoje rebatizada de Jeunesse Arena, e o Riocentro, o maior complexo de feiras da cidade, ambos no epicentro da zona olímpica.
A realização de um festival do porte do Rock in Rio em um cenário tão desolador já é motivo de comemoração. Em se tratando de um lugar tão emblemático, com uma seleção de astros e estrelas que esgotou todos os ingressos disponíveis a quatro meses de a festa começar, o evento ganha uma dimensão quase épica. E, de fato, adaptar o espaço que recebeu os Jogos não é coisa simples. Os operários e as máquinas que chegaram ao local darão forma a uma ampla área de 300 000 metros quadrados. A maior parte dela será ocupada por canteiros que consumirão 80 000 metros quadrados de grama artificial e piso intertravado, semelhantes aos que existiam na sede anterior (que, por sinal, foi transformada em depósito de entulho pelo Comitê Rio 2016). Serão construídos dois lagos artificiais, com um espelho total de 1 600 metros quadrados. Serão instalados no local 120 quilômetros de cabos e 10 000 toneladas de equipamentos. E só de banheiros serão 1 000 cabines. Ao lado dos palcos Mundo, Sunset e Eletrônico e da Rock Street, o festival terá novidades como uma área de alimentação, a Gourmet Square, e o Rock District, um bairro em miniatura. Paralelamente, os fãs de jogos eletrônicos poderão se divertir na Game XP, uma parceria com a Comic Con Experience, que ocupará as Arenas 1 e 2 do complexo de forma integrada à Cidade do Rock. “Já temos um sistema bem mais eficiente de transporte para o público, boa estrutura e bons hotéis na região. Esperamos com nosso trabalho mostrar que é possível que outros grandes eventos se instalem por aqui”, elogia Roberta Medina, vice-presidente do Rock in Rio.
De fato, a ressaca pós-olímpica tem sido uma dura lição para gestores e profissionais ligados à área de turismo do Rio. Os números preocupantes da temporada de verão acenderam uma luz amarela para o mercado. A Riotur, empresa municipal de promoção do setor, lançou recentemente uma campanha publicitária chamando a atenção dos próprios cariocas para as novas atrações e decidiu mudar sua sede para a Cidade das Artes, em maio. A ideia é concentrar esforços na promoção da Barra da Tijuca como polo turístico. “A Olimpíada nos deu visibilidade, mas precisamos nos comunicar mais e atrair o brasileiro e o estrangeiro, especialmente para usufruir a Barra. Esse será nosso foco”, explica Marcelo Alves, presidente da Riotur. Além de se promover no mercado internacional, o Rio precisa se posicionar sobre qual imagem quer passar para o mundo. “Os gestores da cidade se preocuparam em mostrar os Jogos, mas não a nova cara do Rio. Essa é a missão que teremos daqui por diante com os eventos que realizaremos. E o Rock in Rio é só um deles”, avalia Luiz Gustavo Barbosa, da FGV. A estrutura está aí: basta agora arregaçar as mangas e, mais uma vez, provar que sabemos como agradar a nossos visitantes.