Dores de cabeça, de estômago e alteração no apetite e no sono são alguns sinais de alerta da depressão infantil. Os pais também devem ficar atentos a dificuldade de atenção, angústia, agressividade, isolamento e cansaço.
Segundo especialistas, o isolamento social enfrentado neste período de pandemia de Covid-19 pode agravar a ansiedade e depressão nas crianças, já que a maioria das tarefas estão restritas ou até mesmo proibidas.
A psicanalista Elizandra Souza destaca que nesta realidade de pandemia, as crianças tiveram que se adaptar ao novo, “tentando entender também o comportamento de todos dentro de casa, pois esta mudança não se restringe unicamente a elas, já que os pais também tiveram que se reinventar”.
Passados nove meses do início da pandemia, anunciada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março, nada mais é novidade. A psicanalista ressalta que, no início, “ficar em casa, não ir à escola parecia algo bom”. “O novo virou tédio! As crianças acabam ficando entediadas pela falta do que fazer e é aí que podem começar a surgir os problemas”, destaca.
Rotina
Para ajudar a vencer o tédio durante o isolamento, a psicanalista orienta a seguir uma rotina as crianças. “A rotina gera segurança e sensação de proteção”. Ela ainda acrescenta que é preciso incentivá-las a fazer atividades motoras. “As crianças precisam se mexer”, ressalta.
A psicopedagoga Thaisa Rocha Moura concorda que manter uma rotina é essencial, tanto para as crianças, quanto para os pais e aconselha a criar juntos um quadro de rotina com atividades que sejam prazerosas para a criança. “Brincar com animais, pesquisar receitas e cozinhar juntos, resgatar brincadeiras da infância dos pais, fazer uma sessão pipoca com filme escolhido por ambos e participar de brincadeiras que a criança propor”, sugere Thaisa.
Sensação de normalidade
Na opinião da psicanalista, a aproximação da aplicação da vacina contra a Covid-19 no próximo ano ainda não é fator que possa ajudar a melhorar os sintomas das crianças depressivas.
Ela explica que as crianças precisam da “sensação” de normalidade. “Portanto, mais que a questão da vacina, que é muito racional e cognitiva, o que melhora o humor das crianças é parecer se integrar com outras crianças, ainda que em quantidade reduzida, bem como participar de atividades onde o corpo possa se expressar”, diz Elizandra.
Ela destaca ainda que a criança tem menos elementos linguísticos para expressar sua dor e seus conflitos. “Contudo, o corpo, os movimentos são mais afetados e sofrem mais. Se a criança está há muito tempo em isolamento, dar uma volta no quarteirão já ajuda”, diz. Ela acrescenta que o medo e insegurança dos pais são “os piores vilões, pois aqueles que deveriam ser fortes e proteger, também estão sem chão”, afirma Elizandra.
Sintomas
Entre as prováveis causas da depressão infantil, pode estar uma experiência frustrante como separação dos pais, morte de um parente, bullying na escola.
A psicanalista Elizandra explica ainda que a probabilidade da criança desenvolver algum transtorno aumenta consideravelmente quando há casos de depressão na família. “O fator genético também pode exercer influência, mas a convivência com pessoas depressivas ou com histórias de depressão na família, faz a criança ‘aprender’ a ser”, diz a especialista.
Mas é possível contornar a situação para que, mesmo com adultos com depressão no convívio familiar, diminua a tendência da criança a desenvolver a doença. “É comum que crianças apresentem os mesmos sintomas que um adulto apresenta. Isso por causa da identificação e necessidade de pertencimento que crianças e adolescentes buscam, de forma mais evidente. Para contornar, é interessante apresentar para a criança outras formas de ser e de lidar com o mundo. Na infância, os exemplos de comportamento e pensamento são os maiores influenciadores de personalidade”, frisou.
Os primeiros sinais de que a criança pode estar com depressão são físicos. Muitos pais podem confundir estes sintomas com “manha”.
“As crianças com depressão podem se apresentar mais irritadas ou agressivas, perdem o interesse pelas atividades que normalmente gosta, ficam mais retraídas, apresentam alterações de apetite [excesso ou recusa], dificuldade de concentração e/ou aprendizagem, problemas com o sono [aumento ou diminuição]”, elenca Elizandra.
A especialista ainda alerta sobre os sintomas mais evidentes. “Falta de paciência ou tolerância, culpabilidade, problemas na aprendizagem, afastamento e desinteresse por atividades favoritas e dores”.
A criança também pode ficar muito tempo quieta, com medo de se separar dos pais ou cuidadores, evitar o contato interpessoal com as pessoas mais próximas e até mesmo perder o interesse pelas brincadeiras que costumava achar divertidas. Segundo a psicanalista, o que diferencia a depressão dos episódios de mau humor é a intensidade e a persistência.
Por isso, orienta a profissional, quando a criança apresentar os sintomas por tempo prolongado, mais de um mês por exemplo, é preciso procurar ajuda médica. “Ou quando a relação com a criança fica muito difícil – nada que se faça a demove desse lugar de apatia”, completa Elizandra.
“Quando falamos em saúde, pode ser comum pensarmos somente no aspecto físico e esquecemos do lado emocional. É fundamental que os pais busquem o profissional logo que perceber essas mudanças, para assim ajudar compreender e orientar da melhor forma”, acrescenta a psicopedagoga.
Tratamento
A depressão na infância pode comprometer o desenvolvimento da criança interferindo no processo de maturidade psicológica e social. O tratamento envolve psicoterapia e combinação de medicamentos que são adaptados à gravidade dos sintomas e como eles afetam o seu desenvolvimento.
“Além da orientação profissional, a participação dos pais é muito importante para a reabilitação da criança. São eles que vão lidar com a criança dentro de casa e ajudá-la a sair desta condição o mais rápido possível”, completa a psicanalista.
Sistema Único de Saúde
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento para a depressão infantil. Segundo informou o Ministério da Saúde, a assistência às crianças e adolescentes com transtornos mentais é ofertada de forma integral e gratuita em diversas unidades do SUS em todo o Brasil.
Entre os serviços de referência para acompanhamento, estão as cerca de 41 mil Unidades Básica de Saúde e os 266 Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSI), que ofertam acolhimento e tratamento às crianças e adolescentes em sofrimento ou com transtorno mental e seus familiares. Nesses serviços eles são atendidos e, caso necessário, encaminhados para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Em 2020, a pasta repassou cerca de R$ 650 milhões para aquisição de medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica utilizados no âmbito da saúde mental, em virtude dos impactos sociais ocasionados pela pandemia da Covid-19.