Terceiro lugar no ranking nacional do roubo de fios, Rio sofre sequelas
Aumento crescente do furto de cabos à base de cobre prejudica serviços essenciais, como telefonia e transporte público, atrapalhando a vida do carioca
Do Oiapoque, no Amapá, ao Chuí, no Rio Grande do Sul: essa é a vastidão da distância que se poderia cobrir com os 4 100 quilômetros de cabos e fios de cobre roubados de ponta a ponta do país, segundo levantamento do setor de telecomunicações em 2021. No ranking dos estados que mais sofrem com o crime, o Rio de Janeiro desponta em lugar de destaque, na terceira posição, atrás apenas de São Paulo e Paraná. O expressivo volume surrupiado é capaz de paralisar serviços básicos e fundamentais. Prejudica o funcionamento de hospitais, os sistemas de transporte público e as redes de acesso a internet, energia elétrica e telefonia móvel. E nada indica que a curva vá se reverter nos próximos tempos. “Com a tendência de alta do valor do cobre no mercado internacional, o problema deve persistir e se agravar”, avalia Daniela Martins, gerente de Relações Institucionais da Conexis, entidade que reúne as operadoras de telefonia no país.
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Há exemplos em profusão da cara de pau dos que prejudicam o andamento de tantas engrenagens da vida urbana. A rede de trens da SuperVia, por exemplo, no ano passado viu quadruplicar a quantidade roubada dos seus trilhos no Rio: desapareceram ao todo 41 quilômetros, desfalque que levou à interrupção de cerca de 2 000 viagens ao longo dos meses, afetando a vida de 4 milhões de passageiros, de acordo com a própria concessionária. Em janeiro, no Hospital Clementino Fraga Filho, o Hospital do Fundão, da UFRJ, um vultoso furto deixou a emergência sem ar-condicionado, o que obrigou a área a ser fechada e os pacientes, removidos. A população vem sendo castigada em grande escala por esse tipo de crime que atrapalha as mais essenciais atividades cotidianas. No caso das redes de telecomunicações — de longe o alvo preferencial dessa natureza de roubo —, 6 milhões de usuários penam com a falta de internet a cada ano, conforme dados da Conexis. “São pessoas que ficam sem poder chamar a polícia, os bombeiros, a emergência médica, sem acesso a atividades bancárias, comerciais, e sem poder fazer negócios”, lista Daniela.
Entidades como a Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) e a própria Conexis têm pressionado as autoridades a enfrentar a questão, seja pela via da aprovação de leis com penas mais rígidas, seja pela formação de uma cruzada reunindo órgãos estaduais e federais. Há sinais de que, quando o assunto vem à baila, os bons resultados aparecem. Após ações da Polícia Civil, foram apreendidas no ano passado cerca de 300 toneladas de materiais na Operação Caminhos do Cobre. “Mais de 200 ferros-velhos foram fiscalizados, inclusive com a interdição judicial, e cerca de sessenta pessoas ligadas a todas as esferas do esquema criminoso acabaram presas, uma cadeia que abarca furtadores, receptadores, donos de estabelecimentos e de recicladoras, além de funcionários de empresas consumidoras do produto final”, afirmou, em nota, a Polícia Civil.
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Por se tratar de um crime de difícil flagrante ou denúncia — muitas vezes, basta o ladrão subir e descer de um poste de rua na surdina, sem chamar atenção de ninguém —, a investigação mira sobretudo os receptadores, estes mais visíveis. Na hora do furto, entram em ação desde os chamados “ladrões de oportunidade”, que atuam ocasionalmente, até quadrilhas organizadas e armadas, às vezes constituídas de milicianos. Os ferros-velhos são a primeira parada, seguidos de pequenas e grandes empresas de reciclagem. Nessa etapa, derretido, o cobre perde sua rastreabilidade, tornando-se impossível saber de onde o material foi retirado. Por fim, ele volta ao mercado, clandestinamente. “Empresas ilegais de internet, por exemplo, utilizam esses cabos”, conta Vivien Suruagy, presidente da Feninfra, que enfatiza: “No Rio, a presença das milícias aprofunda o problema, que tende a se agravar com a chegada da infraestrutura do 5G”.
A implantação da nova tecnologia exigirá a instalação de uma quantidade sete vezes maior de antenas no país, o que demandará mais vigilância — esta que hoje já não dá conta de tantas ocorrências. “Há casos em que a milícia sequestra a torre e cobra pela utilização do equipamento que não é dela ou a desliga e cobra para reativá-la. Aí as operadoras não pagam e perdem”, relata Vivien, da Feninfra. Não é apenas o Rio que sofre nas mãos de tais quadrilhas. No Rio Grande do Sul, a incidência do delito avançou 75% em apenas um ano. Há nove meses, o governador Cláudio Castro sancionou uma lei que obriga os ferros-velhos fluminenses a cooperar com a Polícia Civil, mas a corporação não quis comentar se a exigência vem sendo cumprida. Espera-se do poder público um bem orquestrado esforço para varrer os ladrões de cobre de tão lindo cenário.
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Preço em alta
Por que o cobre está na mira dos ladrões
Considerado um mineral de importância estratégica num mundo que enfrenta graves questões climáticas, o cobre é uma commodity cujo preço tem aumentado significativamente no mercado global, tendência que não dá sinais de arrefecimento. “O cobre tem papel-chave na adoção de energias mais limpas, que é para onde o mundo está caminhando”, lembra o economista e sócio líder de mineração da consultoria KPMG, Ricardo Marques. Um carro elét
rico, por exemplo, embute 60 quilos do metal em sua fabricação, enquanto um tradicional emprega 22. Um ônibus elétrico requer 400 quilos. “A virada verde já está pressionando muito a demanda”, explica.
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Em abril, a tonelada do cobre chegou a valer quase 10 000 dólares, e um ferro-velho no Brasil paga entre 40 e 70 reais o quilo. Para completar, a oferta do mineral — do qual o Chile é o campeão em produção e a China, o maior consumidor — não deve crescer tão cedo, ao contrário. Como a exploração das minas de cobre impacta o meio ambiente, isso traz novos e mais complexos desafios às mineradoras. Pesa ainda o fato de a atividade exigir tempo. “No Brasil, o ciclo entre a descoberta de uma jazida e o início da extração pode durar uns dez anos”, estima o economista. E dá-lhe subida nos preços.