Certa vez chamado pelo prefeito Eduardo Paes de “uma m… de lugar”, em inesquecível conversa telefônica com o presidente Lula vazada em 2016, o município de Maricá, a 60 quilômetros do Rio, é hoje o epicentro de uma onda de investimentos vultosos de dar inveja à capital. Em março, a cidade ingressou numa prestigiada rota internacional: foi escolhida para abrigar uma unidade da Escola de Hotelaria de Lausanne (EHL), considerada a melhor do mundo no ramo hoteleiro. A instituição suíça vai oferecer cursos de bacharelado e MBA em áreas como gastronomia e negócios, tornando-se polo de mão de obra altamente qualificada para todo o estado.
A celebrada novidade compõe o ambicioso projeto Maraey, que promete colocar Maricá no mapa turístico nacional e mudar o perfil da cidade, vista ainda como ponto de passagem entre a capital e a badalação da Região dos Lagos. O empreendimento, que começa a ser construído no fim de 2023 e deve ser concluído em dois anos, vai se espalhar por uma restinga verdejante, impulsionado por investimento de 11 bilhões de reais. Entre os atrativos estão quatro hotéis cinco-estrelas, incluindo uma unidade da rede Ritz-Carlton, e um residencial de alto padrão da marca Rock in Rio.
Com 223 000 moradores, Maricá vem se firmando como motor de crescimento econômico na cena fluminense, progresso movido pelos royalties do petróleo — só em 2022, foram injetados 2,5 bilhões de reais no caixa da prefeitura, alçando o município ao topo dos mais beneficiados no país pelos generosos repasses. “A cidade utiliza a verba para se transformar num centro logístico da indústria de óleo e gás”, afirma Igor Sardinha, à frente da secretaria de atribuições e nome extensos — Desenvolvimento Econômico, Comércio, Indústria, Petróleo e Portos.
A empreitada será capitaneada pela construção de um terminal portuário privado, erguido na região de Ponta Negra e avaliado em 12 bilhões de reais. Lançada há quase uma década, a obra emperrou em razão de sucessivos questionamentos ambientais, mas obteve o sinal verde para seguir adiante no ano passado. No entorno será erguido ainda um parque industrial, que vai se conectar ao complexo GasLub (antigo Comperj), em Itaboraí. “Ao conjugar crescimento com inclusão, Maricá se converteu num centro de desenvolvimento”, afirma o economista Mauro Osório, da UFRJ.
Os royalties vêm ajudando a irrigar uma série de políticas públicas pioneiras e reconhecidas internacionalmente. Há uma década, o município lançou a mumbuca, uma moeda social pensada para combater a pobreza e fomentar a economia local. Um benefício mensal de 200 mumbucas (ou reais) é destinado aos mais de 40 000 moradores que ganham até três salários mínimos. Impõe-se uma regra: o dinheiro só pode ser gasto na própria cidade.
Cerca de 12 000 estabelecimentos comerciais aceitam a moeda como forma de pagamento — ideia que, ironia do destino, deve ser copiada por Eduardo Paes, que planeja iniciar sua implantação ainda este ano na favela da Mangueira, na Zona Norte. Outro pilar da rede de proteção social local é o programa tarifa zero no transporte público. O sistema conta com 115 ônibus distribuídos por 38 linhas e, mais recentemente, recebeu reforço de 250 bicicletas compartilhadas. “Investimento social e planos de longo prazo são fundamentais para atrair investimentos privados”, enfatiza Emilio Izquierdo, representante do Maraey.
Como outras cidades na trilha dos royalties do petróleo, um punhado delas espalhadas pelo Rio, Maricá tem como grande desafio reduzir a dependência do petróleo. Combustível fóssil com altas doses de responsabilidade pelo aquecimento global e que tantos países já começam a substituir por energias mais limpas, é um recurso não renovável cujo preço está sujeito às idas e vindas do mercado internacional.
A prefeitura garante que investe para diversificar a economia — um exemplo é o Parque Tecnológico, que deverá ser povoado por empresas do ramo digital, universidades e incubadoras de negócios. O objetivo de Maricá é livrar-se da conhecida “maldição do ouro negro” — uma referência à paralisia dos demais setores da economia diante da abundância de petróleo, observada em tantos outros cantos do planeta.
No rol dos nós por desatar está a acelerada expansão do perímetro urbano. Nos últimos dez anos, a população saltou mais de 70%, o que vem esgarçando a infraestrutura. Entre as medidas previstas para atenuar os efeitos ambientais da escalada demográfica constam a despoluição da lagoa e a substituição da frota de ônibus por veículos 100% limpos. Desenvolvido em parceria com a Coppe/UFRJ, o primeiro protótipo já se encontra em testes e, segundo a prefeitura, a substituição integral deve ser concluída até 2038.
Também foi criado um fundo soberano abastecido com recursos dos royalties, modelo inspirado no bem-sucedido caso da Noruega. Hoje, já conta com 1,3 bilhão de reais investidos — uma espécie de “poupança para as próximas gerações”, segundo o prefeito Fabiano Horta (PT). “Os recursos proporcionados pela atual matriz energética, ainda poluente, estão sendo utilizados para construir a economia verde do futuro”, aposta. Vale acompanhar os desdobramentos.
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