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A retomada de São Conrado

A ocupação policial, a expulsão dos traficantes e a futura implantação de uma UPP na favela da Rocinha recolocam o bairro, localizado no eixo que liga o Leblon à Barra, entre as regiões mais valorizadas e cobiçadas do Rio

Por Caio Barretto Briso e Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h45 - Publicado em 18 nov 2011, 18h06
Rampa de voo livre da Pedra Bonita, com o bairro ao fundo: agora sem a ameaça dos criminosos
Rampa de voo livre da Pedra Bonita, com o bairro ao fundo: agora sem a ameaça dos criminosos (Redação Veja rio/)
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Às 4h09 de domingo (13), treze blindados da Marinha, seis da Polícia Militar, nove helicópteros e um total de 3?000 policiais ocuparam o principal centro distribuidor de drogas da Zona Sul carioca: as favelas da Rocinha e do Vidigal. Planejada durante quase dois meses, a operação durou apenas duas horas e, ao contrário do que se temia, nem um único tiro foi disparado. Recebida com festa pelos moradores, a retomada pelas forças de segurança simboliza um novo capítulo na vida desse território, dominado há pelo menos três décadas pelo crime organizado. A mesma sensação de euforia, no entanto, extrapolou vielas, becos e barracos e avançou além das encostas do Morro Dois Irmãos. Reféns do domínio dos traficantes nas cercanias, os moradores de São Conrado puderam finalmente comemorar o que promete ser o fim dos tiroteios pelas madrugadas, das balas perdidas, dos arrastões e bloqueios no Túnel Zuzu Angel. “O bairro sofreu um grande esvaziamento nos últimos tempos. Finalmente isso será revertido”, comemora o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório.

A vida após a UPP. Apesar dos grandes contrastes entre as duas áreas, tanto a Rocinha quanto São Conrado sairão ganhando com a pacificação. Veja ao lado alguns dos investimentos previstos
A vida após a UPP. Apesar dos grandes contrastes entre as duas áreas, tanto a Rocinha quanto São Conrado sairão ganhando com a pacificação. Veja ao lado alguns dos investimentos previstos (Divulgação)

Entre todas as áreas que já tiveram favelas pacificadas, São Conrado é a que mais deve se beneficiar desse tipo de intervenção, pois se trata de um ponto nevrálgico entre a Zona Sul e a Barra da Tijuca, com altíssimo potencial de valorização imobiliária. Cenas como as ocorridas em agosto do ano passado, quando um grupo de bandidos da Rocinha em fuga fez 35 reféns entre hóspedes e funcionários do Hotel Intercontinental, lançaram uma sombra de medo e apreensão sobre toda a vizinhança ? basicamente condomínios de alto padrão, como o suntuoso Praia Guinle. Em um sinal dos novos tempos, o complexo turístico atacado em 2010 e recentemente rebatizado de Royal Tulip prepara-se para passar de vez uma borracha no passado. Os novos administradores injetarão 25 milhões de reais no negócio, a ser investidos principalmente em obras de modernização. Exemplo ainda mais emblemático é o do seu vizinho, o Hotel Nacional, fechado há dezesseis anos e desde então em avançado estado de deterioração. O grupo que adquiriu o hotel em 2009 promete anunciar em breve sua nova bandeira. Há negociações nesse sentido com duas redes americanas e uma francesa. A reforma tem início previsto para dezembro e deve durar dezoito meses. Serão 120 milhões de reais em investimentos na torre principal mais 250 milhões para financiar a construção de um edifício comercial anexo, com dez andares. “Estamos confiantes em que todo o bairro passará por uma grande revitalização”, aposta Malkon Merzian, um dos sócios do negócio.

Rodolfo landim, investidor Morador desde 1985, ele comprou uma cobertura em um leilão em 2006 por 450?000 reais. Hoje, um apartamento semelhante não custa menos que 4 milhões de reais.
Rodolfo landim, investidor Morador desde 1985, ele comprou uma cobertura em um leilão em 2006 por 450?000 reais. Hoje, um apartamento semelhante não custa menos que 4 milhões de reais. (Divulgação)
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LEDA NAGLE, apresentadora de TV Para a jornalista (na foto com seu filho, o ator Duda), uma das desvantagens de viver em frente à Rocinha era ter de aceitar o medo dos amigos.
LEDA NAGLE, apresentadora de TV Para a jornalista (na foto com seu filho, o ator Duda), uma das desvantagens de viver em frente à Rocinha era ter de aceitar o medo dos amigos. (Divulgação)

Pelas suas características geográficas, São Conrado desfruta uma situação bastante peculiar na cidade. Localizado entre a Pedra da Gávea e o Morro Dois Irmãos, cercado pelo Maciço da Tijuca, possui um terço de seus 6 quilômetros quadrados em áreas de preservação ambiental. No eixo que liga o Leblon à Barra da Tijuca e com uma orla espetacular, tem moradores bastante conhecidos, como o empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o cantor Gilberto Gil, a atriz Carolina Dieck­mann e o ex-prefeito Cesar Maia. Apesar de todas as suas qualidades, o bairro passou por um dramático processo de estagnação. Enquanto vizinhos como a Barra cresceram num ritmo vertiginoso, a região recebeu apenas três empreendimentos imobiliários nos últimos dez anos. Com a pacificação, esse cenário começa a dar sinais de que será revertido. Até o fim do ano serão lançados dois projetos, um residencial e outro comercial. O primeiro, Vintage Way, será um condomínio de dois prédios com 252 unidades de 78 a 103 metros quadrados no local onde funcionava a antiga concessionária de automóveis Itavema. A 100 metros de uma das saídas da futura estação de metrô, será erguido um prédio comercial de seis andares com previsão de inauguração em dois anos. Esses são os primeiros de uma leva de empreendimentos anunciados para os próximos meses. “São Conrado reúne um conjunto de atrativos que incluem uma imensa área verde e o pouco adensamento, além de estar perto de tudo”, aponta o engenheiro Roberto Kreimer, responsável pelo edifício comercial.

O melhor indicador para demonstrar com precisão a transformação de um bairro é o valor do metro quadrado construído. Depois de tempos de vacas magras, marcados pela depreciação e pouca liquidez, São Conrado começa a vislumbrar dias melhores. Apenas a expectativa da chegada de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) à Rocinha, prometida logo após a invasão do Complexo do Alemão em novembro de 2010, já havia provocado um salto nos preços. Pelos cálculos do Sindicato da Habitação (Secovi-RJ), São Conrado foi o bairro que apresentou a maior variação porcentual dos seus imóveis nos últimos meses. De dezembro do ano passado até agora, os valores subiram 50,8%. É bom lembrar, porém, que os números partiram de um patamar bem abaixo do das outras áreas nobres. O metro quadrado médio de São Conrado custa hoje 10?250 reais, enquanto o do Leblon fica em 16?247 reais e o de Ipanema está em 15?319 reais. Estes dois são os mais valiosos da cidade (confira o quadro na página 28).

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Luiz Cruz, guia de ecoturismo A pacificação da Rocinha levou o diretor da empresa Brasil Active, especializada em ecoturismo, a retomar roteiros que estavam suspensos.
Luiz Cruz, guia de ecoturismo A pacificação da Rocinha levou o diretor da empresa Brasil Active, especializada em ecoturismo, a retomar roteiros que estavam suspensos. (Divulgação)
Elisabeth freitas, psicanalista Vivendo no bairro há 30 anos, Elisabeth já enfrentou tiroteios e arrastões no túnel. Assustada, não voltava da Zona Sul depois das 8 da noite.
Elisabeth freitas, psicanalista Vivendo no bairro há 30 anos, Elisabeth já enfrentou tiroteios e arrastões no túnel. Assustada, não voltava da Zona Sul depois das 8 da noite. (Divulgação)

Quando se sai do frio universo das estatísticas para a realidade do tijolo e concreto, tal fenômeno ganha dimensões sur­preen­dentes. O engenheiro e investidor Rodolfo Landim, ex-executivo da Petrobras e do grupo EBX, de Eike Batista, comprou seu primeiro apartamento ali em 1985. “Sempre adorei São Conrado, com ou sem Rocinha. Mas não há como ignorar que a pacificação terá um efeito simbólico muito forte”, afirma. Em um leilão realizado em 2006, ele adquiriu uma cobertura dúplex de 400 metros quadrados por 450?000 reais. Gastou quase o mesmo valor com impostos atrasados e outros débitos. Mesmo assim, a valorização foi assombrosa. Hoje, o imóvel não sai por menos de 4 milhões ? e deve se valorizar ainda mais. “Estamos calculando, num primeiro momento, um aumento da ordem de 25%. Em um ano, serão pelo menos 60%”, estima Laudimiro Cavalcanti, representante do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (Creci-RJ). “Enquanto o resto da cidade começa a viver um momento de acomodação dos preços, São Conrado vai recuperar a defasagem.”

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É inegável que, mesmo em estágio inicial, a ocupação da Rocinha durante o feriado já aumentou a sensação de segurança nos arredores. Dona de um apartamento no Condomínio Village desde que ele foi inaugurado, há trinta anos, a psicanalista Elisabeth Freitas habituou-se a recusar convites de programas na Zona Sul com medo de voltar para casa sozinha depois das 8 da noite. “Mais de uma vez tive de dar ré dentro do Túnel Zuzu Angel por causa de tiroteios. A esperança é que agora a gente possa viver sem pânico”, torce Elisabeth. Outra antiga moradora do bairro, a apresentadora de televisão Leda Nagle também comemora a iniciativa. Com as janelas de seu apartamento voltadas para a imensa favela, ela acredita que a imagem do local mudará a partir de agora. “Tenho amigos que não me visitavam mais”, conta. Ela espera que o momento de virada sirva para as autoridades olharem com mais atenção problemas como o trânsito, a má sinalização das ruas e a poluição da Praia de São Conrado ? a última vez em que as condições foram consideradas boas para banho remonta a 2002. Uma ótima notícia é que serão investidos, a partir de janeiro, 40 milhões de reais na despoluição do mar. “Vamos limpar a praia em dezoito meses”, promete o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc.

Nada simboliza tão perfeitamente São Conrado como a asa-delta. Desde meados da década de 70, aficionados do voo livre e do parapente povoam o céu da região, saltando da rampa da Pedra Bonita e pousando no Pepino após deixar os curiosos boquiabertos com suas manobras. Mas essa não é sua única atração. Com o fim do domínio territorial dos traficantes, programas que faziam parte da rotina dos cariocas e turistas têm tudo para voltar à moda. Um deles é o passeio de jipe, que ganhou fama justamente na Rocinha. Pioneira no ramo, a Jeep Tour deixou de subir o morro há dois anos. Optou por levar o programa para áreas já pacificadas, bem longe do bando do traficante Nem, preso no dia 10. “Agora chegou a hora de voltar à Rocinha”, afirma Rafael Ricci, sócio da empresa. Outra novidade serão as caminhadas ao cair da tarde por duas trilhas: a do Pico da Agulhinha e a que leva ao cume da Pedra Bonita. “Por causa dos constantes assaltos ao anoitecer, fazia tempos que não levávamos grupos para ver o pôr do sol. Agora poderemos retomar essa atividade”, diz Luiz Cruz, diretor da empresa Brasil Active, especializada em caminhadas ecológicas. Outro ícone dali, o shopping Fashion Mall também passa por mudanças que se somam a este momento de otimismo. No primeiro semestre de 2012 será concluída, com a inauguração de uma nova fachada, a maior reforma já feita no complexo, ao custo de 50 milhões de reais. Neste ano surgiram boas novidades no centro de compras, entre elas a Livraria Cultura, e em breve será aberta a multimarca Daslu. Primeira na América Latina, a Ferrari Store tem sua chegada prevista para o ano que vem.

Tanques da Marinha entram na Rocinha: a favela foi ocupada em menos de duas horas
Tanques da Marinha entram na Rocinha: a favela foi ocupada em menos de duas horas (Divulgação)
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Pode-se dizer que São Conrado é um bairro relativamente novo. Até o início do século passado, a área abrigava duas fazendas, a Quebra Cangalhas, onde hoje é a Rocinha, e uma outra, de cana-de-açúcar, cuja sede continua de pé, no Gávea Golf Club. A figura mais marcante do período foi Conrado Jacob Niemeyer, um dos proprietários da região. Ele construiu a igreja que existe até hoje junto à Estrada das Canoas (dedicada ao santo que leva seu nome) e cedeu parte das terras para a abertura da ligação com o Leblon na encosta do Vidigal, em 1916 ? daí as denominações da Avenida Niemeyer e de todo o entorno. Com a abertura do Túnel Zuzu Angel, no fim da década de 60, veio um surto de desenvolvimento. Alguns anos mais tarde foram erguidos os hotéis Nacional e Intercontinental, os primeiros condomínios de luxo e o shopping, na década de 80. Ocupada a Rocinha, a vizinhança espera dar início a um novo ? e próspero ? capítulo dessa saga. Com segurança, finalmente.

confira o infografico das mudanças clicando na imagem abaixo

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