Há duas semanas, um grupo de jovens passou por um rígido processo seletivo com três dias de provas para ingressar em uma reputada instituição de ensino, com garantia de emprego a seus formandos, seja no Brasil, seja no exterior. Engana-se, porém, quem pensa que de lá sairão engenheiros, médicos, advogados ou economistas. A acirrada disputa se dava por uma vaga na Escola Nacional de Circo, entidade mantida pelo governo federal, com cursos regulares de formação e reciclagem nas artes circenses. Na seletiva deste ano concorreram 43 postulantes, entre eles candidatos da Argentina, Chile, Bélgica, Peru, Estados Unidos e França, a apenas quinze vagas. No duro processo de classificação, eles se submeteram a pesados testes físicos e de habilidades, que incluíam desde a destreza no manuseio de malabares até a performance sobre a barra de ginástica, sem contar provas de redação e interpretação de texto. “Nossos critérios são rígidos, e o aluno precisa ter conhecimentos específicos para entrar aqui”, diz o professor Edson Silva, responsável pela avaliação nas acrobacias de solo. “Não admitimos os candidatos apenas porque eles gostam, mas sim porque têm aptidão para a profissão.”
Tal rigor revela quanto o universo dos picadeiros mudou nos últimos anos. O antigo estereótipo romântico da vida nômade e lúdica deu espaço a um cenário dominado por grandes corporações do entretenimento, que movimentam milhões de dólares por ano. Paralelamente, estende-se um vasto território de possibilidades de emprego em hotéis, resorts e produções teatrais que admitem malabaristas, acrobatas e palhaços profissionais. Para chegar lá, o interessado enfrenta três anos e meio de curso com média de quatro horas diárias de aula, cujo foco são as chamadas quatro famílias circenses: atividades aéreas, de equilíbrio, acrobacias e manipulação de objetos. O currículo inclui ainda lições teóricas de anatomia, primeiros socorros, história do circo e, numa área mais voltada para a atuação nos bastidores, conhecimentos sobre o mercado e a montagem de espetáculos. “A Escola Nacional de Circo é a maior referência do país nesse segmento e forma profissionais de primeiríssima linha”, afirma o ator Marcos Frota, um entusiasta da atividade e proprietário do Grande Circo Popular do Brasil.
Criada em 1982, a escola carioca conta hoje com 130 alunos matriculados e quinze professores, alguns deles com mais de três décadas no ramo. Por se tratar de uma instituicão pública, oferece todos os cursos de graça, o que é um atrativo considerável para os candidatos. O prédio onde ela funciona, na Praça da Bandeira, acaba de ser reformado e dispõe de uma área de 7?000 metros quadrados distribuídos entre uma lona e um galpão, com trapézios, trampolins e camas elásticas, além de biblioteca, auditório, refeitório, academia, oficina, salas de aula e salão de dança, entre outros recintos. “Somos uma vitrine, um espaço de comunicação com o mundo na área de circo e um centro de excelência técnica”, afirma Zezo Oliveira, diretor da entidade. Entre os candidatos que neste ano procuraram a escola estão jovens como o carioca Petter de Thuin, 21 anos. Ele descobriu seu talento para o malabarismo ao integrar a equipe recreativa de um resort na Bahia, onde passou um ano. Foi o que bastou para que trancasse a faculdade de economia na PUC e passasse a se dedicar integralmente ao trapézio. “Decidi que minha vida era o circo. Meu pai odiou, mas acabou aceitando quando percebeu que eu estava falando sério”, conta.
Ao atrair e lapidar talentos, a Escola Nacional de Circo tornou-se fonte de mão de obra para companhias famosas. No espetáculo Quidam, do prestigiado Cirque du Soleil, que fez turnê pelo Brasil em 2010, quatro dos 51 artistas tinham passado por lá. Na carioca Intrépida Trupe, há quatro ex-alunos em um universo de onze acrobatas. Um recém-formado em circo encontra salários que variam de 1?200 a 2?800 reais no Brasil. Caso seja aprovado nos concorridos processos seletivos de circos internacionais, como o Cirque du Soleil, pode receber entre 2?200 e 3?300 euros (de 5?700 a 8?600 reais). É o suficiente para derrubar o velho mito de que a vida sob a lona era coisa de aventureiros em busca apenas de fortes emoções.