Oitavo país do mundo em número de adultos analfabetos, o Brasil ainda tem apenas 8% da população com pleno domínio do português e capacidade de se expressar. Desafiando essa dura realidade, a pequena Evie Porfírio lançou, no ano passado, aos 7 anos, o seu primeiro livro. A obra, uma reinterpretação de Chapeuzinho Vermelho, traz ilustrações coloridas da própria autora. Na história, o Lobo Mau leva um tiro do caçador, com direito a desenho retratando a cena. “É um reflexo da violência à qual estamos expostos na cidade. Evito quanto posso que ela assista ao noticiário”, explica a mãe de Evie, a designer Bernardete Porfírio. O lançamento da obra, uma versão mais dramática e aterrorizante do conto de Charles Perrault, teve até manhã de autógrafos junto com outros amigos escritores. O evento foi organizado pela escola Notre Dame, onde Evie estuda, em parceria com a startup Estante Mágica, responsável pela metodologia e pela publicação do livro.
Criada em 2013, a Estante Mágica é uma plataforma digital que já transformou mais de 200 000 crianças em jovens autores. Nesses quatro anos, foi adotada em 2 000 colégios privados e públicos em 630 cidades de todo o país e conta com uma equipe multidisciplinar de cinquenta funcionários, entre psicólogos e pedagogos. “Nosso objetivo é contribuir para o desenvolvimento de habilidades que ajudem na formação de cidadãos mais conscientes e preparados”, afirma Pedro Concy, de 30 anos, um dos fundadores da empresa. Voltada para crianças de 3 a 10 anos, a companhia opera com custo zero para as escolas. Toda a receita vem da produção e venda dos livros elaborados pelas crianças a seus familiares. Em linhas gerais, funciona assim: o colégio parceiro ganha acesso ao site da empresa, no qual há propostas de conteúdos a ser desenvolvidos em sala de aula. O professor sugere então o tema que servirá de base para que os alunos criem — e ilustrem — suas histórias. Na etapa seguinte, os pais recebem o convite para escrever uma pequena biografia dos filhos, que será incluída na publicação. Concluídos, os textos e desenhos são digitalizados em formato de e-book. Os pais que desejarem poderão encomendar a impressão, a partir de 36 reais a unidade. A sessão de autógrafos, o encerramento da atividade, é um dos momentos mais emocionantes do processo. “Nessa era de computador e internet, já vi crianças com os olhinhos marejados ao deparar com o trabalho impresso. Tem pai que encomenda logo dez”, afirma Elisabeth João, coordenadora do CEL, na Lagoa, que realiza o programa no 1º ano do ensino fundamental.
Ao lado do sócio Robson Melo, Concy criou um modelo sólido que chamou a atenção de nomes respeitados da educação como a Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos fundada em 2002 pelo empresário Jorge Paulo Lemann, dono de uma das maiores fortunas do mundo e o principal investidor do grupo educacional Eleva e do fundo Gera, também voltado para o setor. Concy foi aprovado no processo seletivo da entidade para integrar o programa Talentos da Educação. O objetivo é formar uma rede com alto potencial de liderança na área, suscitar a troca de experiências e discutir o futuro do sistema educacional. “O Pedro promove um processo de aprendizagem engajador e de alto impacto social. Seu negócio ajuda os alunos a ter mais confiança na própria capacidade de aprender”, atesta Anna Laura Schmidt, gerente de projetos da fundação. O próximo passo da Estante Mágica é a expansão para o exterior, onde já subsidia um projeto escolar no Quênia. De fato, para a leitura não há fronteiras.