Cientistas do mundo todo estão correndo contra o tempo para encontrar uma vacina capaz de frear o avanço da Covid-19. Enquanto isso não acontece, especialistas da área de saúde reforçam que a melhor maneira de prevenir a doença é evitar a exposição ao vírus, e no Rio, com tanta gente desrespeitando o isolamento social, a tecnologia tem sido uma arma.
De sistemas de câmeras para monitorar aglomerações a aplicativos que rastreiam novos casos, um verdadeiro Big Brother — não o da Globo, mas o original, descrito no livro 1984, de George Orwell — foi montado na cidade. Só no Centro de Operações Rio (COR), 400 câmeras identificam pontos com grande concentração de pessoas durante a quarentena. “Acompanhar essa movimentação é essencial para tentar antecipar os próximos focos da doença”, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto Tecnologia e Sociedade.
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Souza explica que a dinâmica de contaminação do vírus é uma “bomba de efeito retardado” e exige a “atuação cirúrgica” das autoridades em possíveis focos de disseminação. Bangu, Campo Grande e outros locais que registraram aglomerações já foram alvo de ações da prefeitura, inclusive com a ajuda de um drone apelidado pelos cariocas, como não poderia deixar de ser, de “espanta bolinho”. Por meio de um alto-falante, o equipamento emite avisos para os furões do isolamento, que não são poucos: entre 31 de março e 10 de maio, mais de 5 500 ocorrências do tipo foram registradas na Central 1746.
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A prefeitura mantém ainda um painel on-line atualizado diariamente com os números de casos e óbitos por coronavírus, bairro a bairro. Um acordo foi firmado com a operadora Tim para acompanhar deslocamentos de usuários pela cidade a partir do sinal emitido pelos celulares — uma prática controvertida, por esticar os limites da invasão de privacidade.
Na área médica, o Instituto D´Or, em parceria com a empresa Zoox Smart Data, desenvolveu o aplicativo Dados do Bem, que indica se um caso é suspeito de contágio com base apenas em perguntas sobre o quadro clínico do paciente. “No atual cenário, saber quem está infectado, ou tem chance de estar, é uma prioridade”, afirma Ivar Hartmann, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV.
Com esse mesmo intuito, pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal Rural do Rio criaram o XRayCovid-19, um sistema que usa recursos de inteligência artificial para comparar imagens de raio x e sintomas informados pelos pacientes com um banco de dados. Ao fim da análise, a ferramenta é capaz de apontar, com uma taxa de acerto de mais de 90%, se a pessoa tem ou não chance de estar com a doença.
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A tecnologia tem sido parceira do combate à pandemia em vários países. O TraceTogether, um app criado pelo governo de Singapura, ajudou o país a manter baixos índices de contaminação por um longo período. A cada caso de Covid-19 confirmado, a ferramenta enviava um alerta a todas as pessoas que haviam entrado em contato com o doente, graças ao rastreamento do histórico de trocas por Bluetooth do celular do paciente com os telefones de outros cidadãos, o chamado contact tracing.
Em Israel, a polícia monitorou o sinal do smartphone de contaminados para saber quem estava cumprindo a quarentena e também alcançou bons resultados. Mas nenhum país foi tão bem-sucedido quanto a Coreia do Sul, que logo no início da pandemia combinou testes em massa com dados de telefonia para orientar o enfrentamento ao coronavírus. “As soluções digitais foram centrais para o resultado que eles obtiveram”, diz Hartmann, da FGV.
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A questão da privacidade é sempre um ponto de atrito no uso dessas ferramentas. “Em muitos casos, há alternativas que preservam a intimidade das pessoas, mas nenhum sistema é 100% seguro”, alerta Margareth Kang, advogada especializada em tecnologia, telecomunicações e mídia. A medição do índice de isolamento social por sinal de celular é feita de forma anônima, mas, se um hacker conseguir quebrar o sigilo, terá acesso a todo o histórico de movimentação de uma pessoa, com nome e sobrenome, em um determinado período, podendo usar a informação para fins criminosos.
Especialistas defendem que o Brasil antecipe a entrada em vigor da Lei de Proteção de Dados (prevista para maio de 2021) e crie um órgão que defina diretrizes para a área. Sem isso, a insegurança jurídica sempre será uma ameaça a rondar o potencial dos recursos digitais de contribuir para o combate à Covid-19.
Quando a pandemia passar, as marcas da tecnologia nestes tempos de crise continuarão presentes. Os dados colhidos por aplicativos ajudarão a entender a evolução do novo coronavírus e a combater outras epidemias. A própria internet deverá se beneficiar de uma remodelagem de sua imagem, apontada nos últimos tempos como vilã da vida em sociedade por séries como Black Mirror. “Por tudo isso, é fundamental que a gente encontre logo um equilíbrio entre o uso dos dados e a questão da privacidade”, resume Souza, do Instituto Tecnologia e Sociedade. O monitoramento é uma realidade e as pessoas precisam aprender a conviver com ele da melhor maneira possível.
Fiscalização em números
A tecnologia a trabalho do combate à propagação do novo coronavírus
75 centímetros é a distância segura mínima registrada pelo software que identifica aglomerações nas imagens captadas pelas câmeras da prefeitura
100 relógios digitais espalhados por dez bairros exibem informações sobre o índice de isolamento naquelas vizinhanças
960 denúncias de aglomeração foram feitas em um mês por moradores de Campo Grande, o bairro com o maior número de reclamações
70% das mortes por Covid-19 no Rio em meados de maio eram de maiores de 65 anos, segundo o painel on-line da prefeitura