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Aposta dos donos da Sextante, Jardim Secreto vira fenômeno editorial

Trazido pelos irmãos Tomás e Marcos Pereira, o livro da autora escocesa  Johanna Basford conquista cariocas com seus desenhos rebuscados para colorir

Por Carolina Barbosa
Atualizado em 2 jun 2017, 12h38 - Publicado em 1 Maio 2015, 01h00
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  • A cena tem se repetido com frequência em livrarias da cidade. Em meio às estantes de livros, grandes mesas cercadas de cadeiras são ocupadas por crianças e adultos (esses últimos, em franca maioria). Espalhadas sobre a superfície dos móveis, dúzias de lápis de cor ficam ao alcance dos participantes. À medida que vão chegando, eles sacam seus livros (comprados na hora ou trazidos de casa) e começam a pintar as páginas impressas com desenhos miúdos, que mais lembram arabescos. Uma orientadora explica como conseguir efeitos e combinações de cores. Os encontros, convocados por redes sociais, começam então a ficar animados, com os cerca de cinquenta participantes elogiando os trabalhos uns dos outros. Não raro, eles passam ali mais de duas horas, preenchendo cuidadosamente cada espacinho vazio das páginas. “Isso é uma tremenda terapia, além de ser muito divertido”, define a artista plástica Odaléa Pinheiro Fernandes, de 77 anos, que participava de uma reunião na Livraria da Travessa, no Leblon, no último domingo (26). Ao lado do marido, o dentista Geraldo Fernandes, de 81 anos, ela pintava um exemplar do livro Jardim Secreto, que deu origem a essa nova mania entre os cariocas. Com suas ilustrações oníricas criadas pela escocesa Johanna Basford, a publicação, lançada em novembro no país, já vendeu mais de 300 000 exemplares e teve doze reimpressões, o que a transforma em um fenômeno editorial — por aqui, um livro que venda 30 000 cópias é considerado bem-sucedido. 

    Casal Odaléa e Geraldo Jardim Secreto
    Casal Odaléa e Geraldo Jardim Secreto ()

    Os dois responsáveis por tamanho frenesi são os irmãos Marcos e Tomás Pereira, donos da editora Sextante, sediada em Botafogo. Desde setembro do ano passado, eles acalentavam a ideia de investir em livros de colorir para adultos, que vinham apresentando forte crescimento na Europa nos últimos meses. Durante a Feira do Livro de Frankfurt, em outubro, Tomás, de 46 anos, viu a edição original de Jardim Secreto exposta no estande da editora inglesa Laurence King Publishing, a detentora dos direitos. Ficou encantado e a mostrou a Marcos, de 51 anos. Ambos decidiram fazer uma oferta e fecharam o negócio a partir de um adiantamento de 8 500 dólares, uma pechincha pelos padrões editoriais. Imediatamente, traçaram um plano ousado de pôr 15 000 exemplares à venda antes do Natal. A edição, lançada em novembro, ficou esgotada nas festas de fim de ano. O que veio depois, entretanto, foi ainda mais surpreendente: as vendas continuaram crescendo em ritmo exponencial. A previsão feita para todo o ano de 2015, de 100 000 exemplares, foi superada já em março. “Pela nossa convicção e experiência, sabíamos que estávamos diante de algo especial e original, mas não fazíamos ideia de que dali sairia um fenômeno”, diz Marcos. A expectativa dos editores é tanta que, em maio, farão chegar às livrarias mais 150 000 cópias. “Não sei quanto tempo vai durar esse interesse. Mas, até agora, quanto mais livros colocamos no mercado, mais vendemos.”

    reunião Jardim Secreto
    reunião Jardim Secreto ()
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    A reposição tem sido verdadeiramente um problema nas prateleiras cariocas. Na sexta retrasada (24), as sete lojas da Livraria da Travessa estavam com o estoque de Jardim Secreto zerado. Para efeito de comparação, naquela semana a rede havia vendido 7 400 exemplares do livro para colorir, enquanto o recém-lançado Floresta Encantada, da mesma autora, seguia em segundo lugar na lista, com 4 035 unidades comercializadas. “Os números estão estupendos”, comemora o diretor de comunicação da Travessa, Benjamin Magalhães. Paralelamente aos livros, outro segmento também foi catapultado: o de lápis de cor. “Em geral, depois do período de volta às aulas, a produção começa a cair, mas estamos vivendo uma situação atípica desde março, quando, ao contrário do esperado, houve um reaquecimento da indústria”, informa, sem divulgar números, Elaine Mandado, gerente da Faber-Castell, a maior fabricante de lápis do país. O resultado foi uma oferta aquém da demanda. “Encomendamos 1 000 caixas com doze cores há duas semanas, mas só nos entregaram 200”, afirma Magalhães, que também vende itens selecionados de papelaria nas lojas.  

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    Muito do fascínio que Jardim Secreto exerce sobre os leitores vem da engenhosa combinação entre a simplicidade e o refinamento da publicação. Ao todo, são 96 páginas repletas de desenhos de plantas, flores, borboletas, insetos e pequenos animais entremeados de brincadeiras com labirintos, trechos para o próprio leitor completar e uma divertida caça ao tesouro nos moldes do antigo Onde Está Wally?, sucesso estrondoso dos anos 1980 e 1990. A quantidade de texto é mínima e se limita a instruções para as atividades propostas. Ilustradora de marcas como Nike, Sony e Starbucks, a escocesa Johanna Basford, criadora dos desenhos, foi descoberta na internet por um agente da Laurence King, que procurava desenhistas para obras infantis. Diante do convite, ela expôs um projeto diferente, voltado ao público adulto. A proposta foi bancada, e a autora passou os nove meses seguintes trabalhando na produção do livro nas horas vagas. Lançada em 2013, a obra vendeu 1,5 milhão de exemplares em 24 países. Recentemente, o título entrou para a lista dos mais vendidos da Amazon e do jornal americano The New York Times. “Sabe quando as pessoas estão em uma aula ou em uma reunião muito chata e começam a desenhar, absortas em seus pensamentos? Pois é, o livro tem um efeito parecido, e funciona como uma distração para as atribulações cotidianas”, compara a psicóloga Tatiana Paranaguá, professora do departamento de artes & design da PUC-­Rio. 

    Lorena Comparato
    Lorena Comparato ()
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    Com fórmula que resgata uma atividade aparentemente anacrônica e ultrapassada, Jardim Secreto deve boa parte de sua popularidade à internet e às redes sociais. No Facebook, são mais de dez páginas sobre o assunto, entre perfis e grupos, o maior deles com 22 000 integrantes. No Instagram, apenas o perfil Jardim Secreto Inspire congrega 33 000 seguidores. Nas duas redes, os admiradores compartilham suas pinturas e também buscam informações sobre técnicas, cores e padrões que possam usar nos desenhos. Outros simplesmente dão uma espiada para conferir até onde pode chegar a criatividade alheia. “Eu adoro esses perfis, não necessariamente para me inspirar, mas porque as pessoas realmente fazem coisas muito bonitas a partir dos desenhos dos livros”, diz a atriz Lorena Comparato, 25 anos, que há dois meses incorporou em sua rotina o hábito de preencher os desenhos. Animada, até resgatou os velhos lápis de cor dos tempos de menina, uma coleção de dezoito cores da marca suíça Caran D’Ache. “Alguns estão tão gastos que mal cabem entre os dedos. O amarelo, por exemplo, deve ter 2 centímetros”, brinca.

    O sucesso de Jardim Secreto reforça uma característica que tem marcado a trajetória da Sextante desde a sua fundação, em 1998. Nascida como uma editora de livros de autoajuda, a empresa, criada por Geraldo Jordão Pereira, pai de Marcos e Tomás, morto em 2008, sempre incluiu no catálogo alguns lançamentos ousados, que se afastavam do foco original. O primeiro foi um pitoresco livro de fotos de bichos fofos com legendas inspiradoras — Um Dia Daqueles, de Bradley Trevor Greive, editado em 2001. “Depois que fechamos os direitos em Frankfurt, bateu um arrependimento violento. Achei que tínhamos feito uma bobagem”, recorda Tomás. Uma vez lançado, o livro vendeu 1,3 milhão de exemplares. Outro investimento de risco foi a ficção O Código Da Vinci, de Dan Brown, em 2004. Com sua insólita combinação de religião, história da arte e teoria conspiratória, o livro foi uma aposta pessoal do patriarca Geraldo.

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    Com seus direitos comprados por 12 000 dólares, cravou quase 2 milhões de exemplares, sem contar a sequência Anjos e Demônios e outros subprodutos da franquia, impulsionados pelos filmes protagonizados pelo ator Tom Hanks. Com 105 funcionários e quatro selos, a Sextante publica atualmente uma média de 110 títulos por ano e conta com um catálogo ativo de aproximadamente 700 obras. Não à toa, lidera no país o ranking anual de editoras por best-sellers, compilado pelo site especializado PublishNews. “Eles se destacam por serem muito criativos e profissionais em um mercado cada vez mais competitivo”, analisa Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro. “A concorrência está sempre de olho no que eles estão fazendo”, completa.

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    Incluído em uma categoria até então vista como um segmento menos relevante, a dos livros para colorir, Jardim Secreto é uma espécie de divisor de águas para o mercado editorial brasileiro. Segundo os dados da consultoria de pesquisa de mercado Nielsen, existem 74 títulos nesse nicho, que movimentou cerca de 40 milhões de reais desde o ano passado. Entre janeiro e março de 2015, o livro criado por Johanna Basford passou a representar nada menos que 86% do volume de vendas de toda a categoria no Brasil. Atentas ao movimento, as demais editoras correm contra o tempo. A BestSeller, da gigante Record, já tem um título e acaba de lançar outro, de olho no Dia das Mães. O grupo Ediouro prepara três lançamentos para maio e um quarto em junho. A própria Sextante vai continuar investindo no filão, com mais quatro títulos até o fim do ano. Pelo visto, os marmanjos vão continuar pintando por um bom tempo.

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